10 fevereiro, 2010

Alqueva. Afinal já mexe. (pouco, mas mexe) - II


(video comentado por José Saramago promovendo a ocupação espanhola do Alentejo)

Prometi comentar o depoimento que Francisco Chalaça deu ao Expresso, no post de 8 de Fevereiro. Diz ele: “O processo é lento porque se está a criar um destino novo”. Não quero brincar com nomes, mas que isto parece chalaça, parece. Dizer agora que ainda vamos esperar muitos anos, não é novidade. Vejam o longo processo:

  • 196X Laginha Serafim (um dos meus heróis) põe-me a sonhar com Alqueva
    - Não sei precisar o ano nem onde li, que o Eng.º Laginha sonhava para Portugal a concretização de um potencial enorme para o seu desenvolvimento. Traduzia essa ideia na configuração de um projecto que ligaria as principais bacias hidrográficas e apontava com primeira prioridade ligar as bacias do Guadiana com o Sado e, depois com o Tejo. Nessa prioridade situava o complexo de Alqueva. Fiquei maluco, doido, perdido de sonho. Ir-se-ia criar um destino novo
  • 1968 Celebração do Convénio Luso Espanhol para utilização dos rios internacionais
    Neste em convénio animou os grandes agrários. Plano de Rega do Alentejo? Para quê? Para acabar com uma realidade tão tranquila e serena? Para acabar com os invejosos? Sim, aqueles que Antunes da Silva retrata no seu belo livro SUÃO e que diziam

“Quem me dera ser rafeiro
Da matilha do patrão
Dormir sempre em boa cama
Ter a mesa sempre com pão”

(cito de cor esta quadra do livro que ofereci a um invejoso amigo. Para saber um pouco mais sobre o livro e seu autor recomendo este outro blogueiro)

  • 1975 Aprovação pelo Conselho de Ministros da realização do Projecto
    Depois dos invejosos ocuparem terras, com cobertura de um Governo que lhes era de feição, o projecto era aprovado, com grande satisfação (deles, minha e tenho quase a certeza do Laginha e do Antunes)
  • 1976 Início das obras preliminares (ensecadeira/infraestruturas de apoio à obra)
    Fui por lá, prazenteiro, a olhar o meu Alentejo com este meu ar de saloio (de facto sou mesmo saloio, podem confirmar no perfil deste vosso bloguista). Muita terraplanagem, algum betão e sorrisos nos olhos daquela gente a quem já chamei invejosos. Ir-se-ia cumprir o destino novo?
  • 1977/8 Lei Barreto e Interrupção das obras e dos sonhos
    Acabada a Reforma Agrária já não valia a pena continuar… ou, pelo menos, não valia a pena continuar sem se garantir, de facto, o retorno dos primitivos proprietários que, coitados, viram o Alentejo deles, infestado de “invejosos” organizados em UCP (Unidades Colectivas de Produção, para quem não se lembre) e cooperativas

Nota: Tanto que estava tentado em falar mais dos invejosos, esses meus heróis e de um nome, o de Lino de Carvalho. Para isso, não me faltarão oportunidades...

  • 1980 Nova Resolução do Conselho de Ministros determina a retoma dos trabalhos
    Ano em que Laginha Serafim publica, no Diário de Lisboa, um artigo ainda de esperança mas de muita mágoa a que dá o título “Não é esta "a história do Quincas, Berro d'Água"...”. Li-o e reli-o e fui também ler o texto do Jorge Amado (para saber quem era o Quicas), Quanto ao António Aleixo, também citado por Laginha Serafim, escusei-me. Não precisava. Tinha todo o seu livro na cabeça e na alma (onde se mantém, aliás).
    Neste ano, começam também com algum significado as indemnizações a alguns agrários latifundiarios
  • 1993 Decisão do Conselho de Ministros para retoma do Empreendimento e Criação da Comissão Instaladora da Empresa do Alqueva (CIEA)
    Com esta medida criam-se condições para que a grande propriedade latifundista persista como forma dominante e se mantenho o processo de concentração fundiária (7% dos grandes e médios agricultores exploram 55% da Superfície Agrícola Útil, enquanto 61% de pequenos agricultores cultiva uma área de apenas 8%);
  • 1995 Reinicio dos trabalhos em Alqueva
    Laginha Serafim, meu herói, não chega a ver esta retoma dos trabalhos. morre, em 1994, sem ver o seu sonho realizado.
  • 1996 Através da Resolução do Conselho de Ministros nº 8/96, o Governo assume "avançar inequivocamente com o projecto do Alqueva" com ou sem financiamento comunitário. É feita a adjudicação da empreitada principal de construção civil da barragem e central de Alqueva.
  • 1998 Inicio das betonagens na Barragem de Alqueva.
    Antunes da Silva, outro dos meus heróis, não chega a ver esta fase, morre em 1997. Certamente com o desgosto de ter chegado a ver aumentar o desemprego e a desertificação e, também, a diminuição do peso da agricultura na criação de riqueza no seu Alentejo ( a agricultura alentejana, com uma área de 38% da superfície de Portugal continental, contribui com menos de 15% para a produção final do País).

Amanhã continuarei este post, com outras datas e outros heróis, até à produção do video com que abro este post

2 comentários:

  1. Só voçê se lembraria de chamar invejoso ao povo alentejano. O seu post é uma lástima!

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  2. Tem toda a razão, caro Anónimo. Só que quem chamou isso, foi um agrário, senhor de grande latifundio... Eu peco por pegar no adjectivo? Não! O trabalhador alentejano tem toda a razão em ter inveja por a PAC pagar aos agrários milhares de euros por mês para não mexerem uma palha (há números: Portugal conta com 800 proprietários rurais, dos quais 687têm garantidos 17.500 euros por mês, até 2013, para nada fazerem (isto segundo fontes geralmente bem informadas, que poderá confirmar) Eu, que não sou alentejano, fico cheio de inveja. Você não ficaria "alennnntejaaaano"?

    O meu post é uma lástima? Pois é, e vai continuar... Volte sempre, caro Anónimo


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