27 junho, 2010

"Geração wikipedia"

Quanto li o post colocado há dias no “vox nostra” com o sugestivo título “Geração Wikipedia pensei que talvez se as escolas falassem um pouco mais de Bento Jesus Caraça nos ternos, com a terna admiração e com o respeito com que dele falava José Gomes Ferreira, as coisas fossem diferentes. Se isso acontecesse, as notas de Matemática iriam certamente traduzir amor pelos números e contas… Sei que pedir aos professores do meu país, que imitem o meu poeta, é pedir muito. Mas pelo menos dêem a conhecer aos vossos alunos o texto que vos dou deixo:

Bento de Jesus Caraça (matemático) / José Gomes Ferreira (poeta)

“O verdadeiro poeta era ele”

"O adjectivo fascinante, embora já com o brilho muito gasto de tanto uso desatento, ainda me parece ser o mais próprio para definir a personalidade de Bento Caraça.
Camponês mal escondido no quotidiano da cidade, lábios estreitos para tornar as palavras voluntárias, sempre que encontrava alguém de quem gostava, lançava para o mundo a ponte do seu sorriso inteligente - e saudava-me:
- Olá, poeta!
Entre nós havia esse pacto de convívio. Ambos representávamos - actores provisórios do Eterno Diálogo das duas linguagens, tão desiguais por fora, mas afinal tão misteriosamente enlaçadas: a matemática e a poesia.
Eu simulava o poeta anarquista, refilão, desordeiro, imprecador. Ele, o homem que se fingia pasmado com a minha fantasia à solta.
Para isso bastava-me repetir as brincadeiras do costume, algumas - vamos lá - bem pouco originais. Descrevia-lhe, com pormenores de ocasião, as minhas invenções mais recentes: a máquina de fabricar angústia, as bigornas de prata irreal onde se forjavam estrelas para substituir as que iam secando no céu, os Altos Fornos de fundir coisa nenhuma…
- Oh! este poeta! Este poeta!
E ria, feliz por haver imaginação no mundo, arte, música, poetas desordenadores da vida parva…
Mas quando nos separávamos - coisa curiosa - eu sentia que o verdadeiro poeta era ele. Aquele homem superior onde sempre encontrei apenas um único desejo de missão: o de viver como se cumprisse um acto poético.
E cumpriu."

(Artigo de JGF, publicado na Seara Nova, nº 1472, Junho de 1968)

PS- No caminho entre "Duas Culturas" esqueci estes nomes... Imperdoável!

11 comentários:

  1. Caro Rogério,

    Obrigada por mais uma vez, referir o nosso blog.
    Muito interessante o texto de Gomes Ferreira.

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  2. Um post para reflectir sem dúvida.
    Esquecemos sem querer verdadeiros génios da nossa cultura.
    Relembrou-nos dois deles, obrigada!
    Também hoje relembrei Bocage, outro poeta por vezes esquecido.
    Boa semana
    Um abraço

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  3. Rogério

    Não é só aos alunos do presente que se devem relembrar e dar a conhecer estas "pérolas".
    Confesso que não conhecia este texto do José Gomes Ferreira, como não conhecia muitas outras coisas que o amigo me tem dado a conhecer, com verdadeira mestria
    Obrigado e um abraço

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  4. Cara Luisa,

    Prometa que o divulga. Vá, é um favor que faz aos seus meninos e ao nosso futuro...

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  5. Isa,

    Um poeta, ou canta o seu intimo e estados de alma e vai aparecendo. Pouco mas vai. Ou se canta o que nos desencanta e nos dá força, entra no reino das trevas e dos silencios forçados...

    Em breve postarei o nosso Bocage!

    Proponho-lh que escolha um poema, eu farei o mesmo... Vale?

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  6. Folha Seca,

    Acredito no que escrevo... Se Bento Jesus Caraça estivesse vivo no nosso ensino, dentro das nossas escolas, as crianças gostariam da poesia dos números e das contas...

    Abraço Amigo

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  7. Mais um texto que me enriquece.

    Obrigado Rogério

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  8. Francamente, nas escolas? quando eles tentam desesperadamente que os portugueses só aprendam a fazer uma cruz no boletim de voto?

    Se não lhes ensinarmos mais umas coisas em casa, os garotos estão feitos e entregues à bicharada ;)

    Bjos

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  9. Isa,

    Se fosse assim...
    Eu acho que se ensinassem isso assim estariamos melhor. O pior é que os boletins de ensino estão viciados...

    AGORA A SÉRIO

    Ainda há professores dignos dessa profissão, acredite!

    Beijos

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  10. Maiuka,

    Esforço-me por dar conteúdos sérios mesmo quando assumem um ar levezinho, bem humorado ou trapalhão, o que não é o caso deste...

    Beijo

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  11. Foi uma sentida homenagem.
    Grandes homens!
    Obrigada pela informação e partilha.

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