30 agosto, 2011

Escolas da Minha Vida - Escola Industrial Afonso Domingues - 2

O Google Earth faz a "maravilha"
de me colocar a "escola da minha vida"
como se fosse uma encantada ilha

Somos a memória que temos e também aquilo que aprendemos, mesmo se neste último domínio a memória agora nos trai. Em certa medida, todas as escolas da minha vida concorreram para aquilo que sou. E porque não quero dar a parte fraca de mim, resolvi falar mais delas do que de mim próprio. A decisão de o fazer foi tomada há largos meses divulgando e elogiando coisas que se estão fazendo hoje. Depois falei da "quintinha dos meus avós" que não sendo escolinha no sentido literal do termo o foi efectivamente. Recordo de ter escrito que meu avô em poucos anos me ensinou tudo na vida (o resto que aprendi, foram meros aperfeiçoamentos desses muitos ensinamentos). Falei, de forma dispersa, da minha escola primária (um dia ainda lhe dedicarei um post). Falei, mais demoradamente do ciclo preparatório até chegar ao que estou a falar: a minha escola industrial. Escolho dois nomes para o fazer: José Saramago (aluno) e José Pedro Machado (professor)  
JOSÉ SARAMAGO (o aluno)

As oficinas onde decorriam as aulas de serralharia eram frias. Frias como aço, gelado, que tinha sido cortado para os alunos operarem. O ano lectivo, com tempos semanais abundantes para ali serem passados, compreendia um realização comum a todos os alunos: fazer uma cruzeta, duas peças bem limadas, encaixadas sem folga, e bem dentro de uma esquadria exigente. A ligá-la um perno roscado. Sucederam-se as aulas e  as sucessivas operações. As primeiras, de preparação do material, implicou a aprendizagem de máquinas diferentes, sua regulação e operação: a serra de corte, o limador, o engenho de furar e a fresa. As operações mais delicadas eram manuais. Delicadas e demoradas. O mestre, passeava-se de bancada em bancada vigiando o avanço e a esquadria. Horas a fio ou entremeadas com outras aulas, limando o aço, conferindo a esquadria antes que o mestre viesse corrigir o que estivesse mal. Era o tempo em que o pensamento se deixasse de concentrar na tarefa poderia por em causa horas do trabalho anterior. Por vezes tal acontecia pois não se consegue, sem treino, interromper a mente a quem tem 14, 15 ou 16 anos. Mais do que aprender a limar, a aprendizagem era a da concentração. A do domínio da mão sobre a alma, colocando esta quieta e calma. As vestes de operário, "fato-de-macaco", cumpriam, mais que o papel de proteger a roupa contra as manchas de óleo ou da limalha, a função da aprendizagem do significado do trabalho. Parece demagogia. Seria, se esse tempo passado tivesse ocorrido num só dia. Foi a maior lição de humildade por que passei. Como se sentiria Saramago a andar por ali e passar por tal? Teria certamente um sentir igual...
Continua

10 comentários:

  1. "Somos a memória que temos e também aquilo que aprendemos"

    Um pequeno excerto retirado de um contexto para o levar a outro. Ou seja nem sempre o que escrevemos se coaduna com o nosso comportamento. É muito mais fácil enunciar um pricípio do que o praticar...

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  2. Folha Seca, o "plágio" está identificado ""Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos e sem responsabilidade, talvez, não devamos existir."

    Como falar em comportamentos, se nem nos conhecemos? Quanto muito poderá falar de incoerência de afirmações. Nesse caso diga as ocasiôes...

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  3. A formação dos jovens é uma questão primordial em qualquer sociedade. Não sei se antigamente a escola era melhor. Estou convicta de que não era, desde logo, pelo alargamento que se verificou do ensino a todos. Mas, se na base desta massificação está um princípio nobre que é a democratização do ensino, a igualdade de oportunidades para todos, a falta de adaptação dos recursos- humanos sobretudo- às novas realidades veio trazer sérios problemas ao funcionamento das escolas às quais hoje se pede que sejam, não apenas lugares de aprendizagem e formação, mas também os "lares" que muitas crianças e jovens não podem ter em casa.
    Mas como? Se um professor tem a seu cargo várias turmas com um número de alunos cada vez maior(26 27, 28,...) em cada uma, isto para não falar da multiplicidade de funções que lhe são atribuídas, por falta de estruturas de apoio: psicólogo, enfermeiro, sociólogo... Mais o trabalho extra: preparação de aulas, correcções, relatórios, planos de recuperação reuniões avaliações...

    L.B.

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  4. Cara Lídia,
    Sendo matéria vasta, peguei-lhe por uma parte: a da própria experiência vivida. Para mim, forçado a ingressar no ensino técnico, esta escola foi um experiência (rica) de vida, no momento certo de a ter. Deixo, implicito o lamento de se ter perdido o ensino profissional e não só por razões que se prendem com a preparação para a profissão. Aliás o que eu mais destaco é o efeito desse ensino na valorização do trabalho, coisa que se perdeu (quase) completamente. Concordo com o que disse a respeito das dificuldades resultantes da democratização do acesso ao ensino. Contudo, sobre a qualidade acho que ela seria melhor se a reforma de Veiga Simão não tivessido sido precipitadamente interrompida (e não me parece que tivesse sido uma reforma dentro dos parâmetros ideológicos do Estado Novo). As politicas de ensino foram sempre madrastas da qualidade deste. Voltarei ao tema, se valer a pena...

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  5. Só podias ter boa escola

    porque um Homem

    não cresce sozinho

    Abraço

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  6. Caro Rogério
    Foi só uma "metáfora" não dê importância ao assunto...

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  7. Adoro ler estas "memories" daquele tempo. Até porque estão muito bem escritas. Por favor, continue!

    Beijinhos

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  8. Adoro Estes textos.

    Tive tantas Escolas, desde as primeira na aldeia SOS em que DUI criada, as das families de ado home to, ate ha que me Levou a mocambique, ate a faculdade de Volta a Portugal, e o curso que me permits agora voltar a viajar. Escolas profissoes, e espero vir a ter muito maid Escolas

    Bjinhos
    Paula

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  9. 'Caí' aqui. E sou a visita nº 48784. Gosto de capicuas...
    Vou ler o blogue. Até já.

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  10. As suas memórias activaram as minhas...
    Curioso quando as pessoas falam no número de alunos por turma... no secundário, ainda me lembro que cheguei a estar em turmas de 42 alunas e lembro-me de ser a 37... a diferença é que hoje na sala de aula não há aquele silêncio em que só com ordem da professora, lá do alto do seu estrado, permitia abrir a boca.
    Passou-se do 8 ao 80... como eu tenho a mania de dizer... o mais difícil é sempre o meio termo e parece que nesse campo estamos sempre a piorar... até no fosso que vai separando a sociedade... os que mal têm para comer e os que, simplesmente, esbanjam.
    Nada melhor, quando um post de memórias acendem outras memórias :)

    Bjos

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