27 agosto, 2011

Homilias dominicais (citando Saramago) - 46

Ser anti "Ars Gratia Artis" não é incompatível
com os meus "interregnos para coisas belas".
Seria bom se fazer tal, para coisas sérias...

Cedo, não tinha ainda 20 anos, quando recebi o meu cartão de cine-clubista. Frequentava regularmente sessões de ciclos criteriosamente planeados e acompanhava as então chamadas "criticas reflexas". Lembro-me de várias discussões, disputas e lutas. Mas tendo presente o mais marcante, recordo as reflexões proporcionadas. Delas, recordo a questão abordada, frequentemente, sobre o papel da arte, fazendo-se um quase consenso, entre os que participavam na discussão, que esta o devia ter. Costumo dizer, parece-me desde então, que a arte é a coisa mais importante, logo a seguir ao pão. Mantenho, no essencial, a ideia que tinha, apesar da evolução impressionante do cinema - já deslocado da primitiva definição de sétima arte, por serem inúmeras as artes e tecnologias que comporta. A arte deve questionar. A arte do cinema e as outras. Se o não fizer deixa de ser arte? Até pode ser uma questão importante, mas não a quero (voltar a) discutir. Aceitem, se quiserem, a teimosia da minha afirmação de ser absolutamente desnecessário um filme, uma canção, uma pintura, um texto, se dele não resultar um susto, um arrepio, uma raiva, uma dúvida ou, um pensamento novo ou uma reflexão sobre um velho. Mas, susto, arrepio, raiva, dúvida, pensamento ou reflexão, expressos com verdade (ou uma verdade). Ah, a homilia... tem a ver (só) com isto. Ia a falar da coerência entre a obra e o artista , mas falarei disso numa outra homilia. Ficará para outro dia...

HOMILIA DE HOJE
"Se o escritor tem algum papel é o de intranquilizar."
"O escritor, se é uma pessoa do seu tempo, supõe-se que conhece os problemas do seu tempo. E quais são esses problemas? Que não estamos num mundo bom, que está mal e que não serve. Mas atenção: não há que confundir o que eu peço com uma literatura moralista, uma literatura que diga às pessoas como devem comportar-se. Do que estou a falar é da necessidade de um conteúdo ético, que não se separa daquilo a que chamo um ponto de vista crítico."
-----------------------------------------------------------In José Saramago nas Suas Palavras
Alargo eu este pensamento a toda a produção artística. Se a obra humana não interroga, até pode ser bela, mas para que me serve ela?

8 comentários:

  1. A Arte é mentira. Mas não conheço maior verdade.
    Abraço

    ResponderEliminar
  2. Sem dúvidar nem um só instante, eu respondo que a arte deve sempre e de alguma forma, inquietar. A arte deveria fazer parte da cesta básica como o feijão ou a carne. Temos no Brasil uma banda de rock já bem antiga, Os Titãs, em cujo repertório consta a música "Comida". A letra começa assim:

    Comida
    Titãs

    Bebida é água!
    Comida é pasto!
    Você tem sede de que?
    Você tem fome de que?...

    A gente não quer só comida
    A gente quer comida
    Diversão e arte...

    http://www.youtube.com/watch?v=Su_5UeQdAMs
    Vale a pena... pra quem gosta de rock...

    Beijos, meu amigo, e uma semana linda e criativa pra vc.

    ResponderEliminar
  3. Na verdade (?)

    nem a poesia quer salvar o mundo

    só ajudar

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. A minha questão é muito simples, Rogério, quem é que está em condições de dizer: esta arte é boa porque questiona, aquela ali não é boa porque não inquieta? Uma obra qualquer que ela seja, pode inquietar-me a mim e a si não lhe provocar o mínimo sobressalto....de resto estou sempre de acordo com as palavras de Saramago.

    ResponderEliminar
  5. Ariel, evitei qualificativos. Boa ou má, não foi a questão. A questão está se nos inquieta, se nos causa um susto, um arrepio, uma raiva, uma dúvida ou, um pensamento novo ou uma reflexão sobre um pensamento velho. Boa ou má é outra história. Note, não foi por acaso que não falei em prazer e outras emoções...

    Folgo em saber que concorda SEMPRE com Saramago.

    ResponderEliminar
  6. Caro Rogério
    Um tema demasiado amplo. Especialmente para quem tem uma prática muito reduzida na apreciação das muitas e multifacetadas formas de arte.
    Concordo com a sua afirmação de que "a arte é a coisa mais importante a seguir ao pão".

    ResponderEliminar
  7. José Saramago é absolutamente único na generosidade com que vê os homens e o mundo. Para ele, a arte não pode servir uma moral, uma ideologia, um qualquer interesse do artista isso porque deixaria de ser arte.
    Diz ele: "Mas atenção: não há que confundir o que eu peço com uma literatura moralista, uma literatura que diga às pessoas como devem comportar-se. Do que estou a falar é da necessidade de um conteúdo ético, que não se separa daquilo a que chamo um ponto de vista crítico."

    Em qualquer tipo de arte, o artista põe algo do que é, e ele é sempre o fruto de uma cultura, de um ambiente, de um tempo, i.é., de uma identidade que, inequivocamente, deixa marcas mais ou menos visíveis, na sua obra - "o conteúdo ético" de que fala Saramago.
    Termino com uma ideia de Nietzsche:
    "Temos a arte para não morrer da verdade."

    Um beijo

    ResponderEliminar