14 março, 2012

Os tais papelinhos amarelinhos...

Porque os papeis se guardam e depois nem sempre sabemos onde estão. Porque os devia ter lido onde ele gostaria que os lesse e eu, por outro acto comovido, acabei por os não ler. Porque é um marco na rota das minhas escritas e afectos. Por tudo isso, resolvi guardar aqui e partilhar as palavras de um amigo. Obrigado, meu caro Eufrázio Filipe.
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"Duas breves palavras que trago a este encontro de amigos – as primeiras e inevitáveis dirigem-se ao Rogério, que me honrou com o seu convite para deste modo partilhar este momento. 
Não participei na guerra colonial mas sempre estive envolvido em lutas contra ela. Na verdade, fardaram-me por um mês, mas a natureza impôs aos mandantes que me desfardassem. Com 14 dioptrias, fui recrutado para ser oficial, mas na primeira oportunidade perante um amanuense do regime a apontar-me um quadro com letras colossais para testar meus pobres olhos – respondi – desculpe comandante mas não vejo o quadro. De facto eu não destinguia um sargento de um general pelas divisas, pelo que sempre chamei comandante a todos os que exibiam qualquer coisa nas presilhas da farda. 
Não conhecia o Rogério de lado algum. Tropecei-o no blogue “Conversa Avinagrada” e despertei para as suas homilias acerca de meu amigo e camarada José Saramago que um dia visitei na sua antiga casa junto a S. Bento para timidamente lhe solicitar um parecer acerca de um punhado de poemas que transportei nas mãos trémulas. Saramago não me estimulou mas por delicadeza também não me sugeriu que desistisse. Foi um pai – de tal modo que hoje não me considero poeta mas tão só um artesão de palavras. Nós não deixamos morrer os nossos mortos e o Rogério é um inexcedível divulgador de Saramago - obviamente que me atraiu para as suas homilias. 
Um dia publiquei um livrinho com apresentação pública na Galeria Augusto Cabrita no Fórum Municipal do Seixal e uma pessoa afável cumprimentou-me sorridente. Perguntei-lhe com quem estou a falar? E a pessoa afável respondeu – com o Conversa Avinagrada. Despertei e abraçamo-nos. Mais tarde um novo livrinho e lá estava – agora sim, o meu amigo Rogério, que há muito partilhava textos acerca da guerra colonial – textos que desde sempre considerei viagens de afectos em todos os seus apeadeiros – um olhar critico da guerra, numa linguagem de espelhos, quando se interroga e nos interroga, quando sugere a todos uma leitura de corpo inteiro. 
“Almas que não foram fardadas” é o titulo feliz de um livro vivido – escrito numa linguagem simples que tantas vezes se transcende pela poética que nos oferece – um testemunho original que ajuda a não apagar a memória – um legado humanista em três dimensões aos jovens de todas as idades. “Almas que não foram fardadas” pela transparência da narrativa e a autenticidade do autor que entendeu por bem expor-se em livro, merece divulgação nacional, uma leitura atenta – apetece-me dizer – um livro que se recomenda às bibliotecas municipais para mais ampla compreensão de um período negro do nosso quotidiano colectivo. Meu caro Rogério, tentei ser breve. Aceita mais este abraço e o desejo de grande sucesso para esta tua obra." 
Eufrázio Filipe 

16 comentários:

  1. Agradeço a oportunidade de partilhar as palavras sentidas de Eufrázio aqui, já que não pude ouvi-lo a ele em Oeiras e em Lisboa outros afectos se ouviram.

    Um abraço aos dois.

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  2. O Poeta Eufrázio canta-nos, como ninguém, o sabor do mar em cada poema, nunca poderia ser soldado, quando muito um marinheiro sem farda.

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  3. Caro Rogério
    Tive a felicidade de ouvir ao vivo estas palavras dum poeta, que quer queira ou não, é.
    Tive tambem a felicidade de rever o Eufrázio Filipe, um dos grandes autarcas deste País com quem não estava, talvez há mais de duas décadas.
    Quanto ao resto acho que já lhe disse tudo(ou quase).
    Abraço

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  4. Que maravilha são estes "papelinhos amarelinhos"!

    Como é bom encontrar estas "Almas que não foram fardadas" e, de certo modo, juntar-me a elas. É que a minha também não foi.

    Beijo

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  5. boa tarde poetas!

    não percam as vossas folhas amarelas ou de uma outra cor qualquer

    um abraço

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  6. Como gostaria de pairar neste ambiente. Só para espiar um pouquinho os amigos a compartilhar emoções.
    Lindas palavras Eufrázio! Parabéns Rogério!
    Um grande bj querido amigo

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  7. Na verdade o que faz falta

    é avisar a malta

    Venham mais cinco

    Abraço amigo

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  8. Que lindo texto o do poeta Eufrázio. Merecido claro!

    E que belos poemas ele escreve! Ele que se diz apenas "artesão de palavras".

    Parabéns a ambos.

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  9. Também eu gostei dos papelinhos amarelinhos que tanto dizem.

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  10. Os papelinhos tantas vezes esquecidos,ou perdidos, mas que encerram belas mensagens.

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  11. As belas mensagens devem ser lembradas sejam elas escritas ou faladas. Beijinhos

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  12. Ahahah! Que belo presente nos deste Rogério! Eu, que desde o primeiro momento em que colocaste as folhinhas no cabeçalho li o que pude e já sabia como se tinham conhecido, fiquei mais satisfeita por ler o texto na íntegra. E o que o Eufrázio diz da sua poesia e dos livrinhos é muito modesto.
    Já há muito me passeava pelo seu blog quando fiquei deslumbrada por um poema, como muitos que já lhe tinha lido, não sabia quem era o Eufrázio, nem lhe sabia o nome, para mim era apenas um dos meus blogues de eleição na área da poesia, com o qual fui criando empatia. Foi um belíssimo poema seu que me trouxe às mãos os dois primeiros livros que conheci do nosso amigo e também o seu nome, há cerca de ano e meio ou pouco mais, embora já ande por cá a meio caminho dos 5 e pelo Mar Arável pouco menos. A partir daí não tenho desistido de procurar as suas publicações e tu sabes o valor delas.

    O que o Eufrázio diz aqui é tudo o que o teu livro merece e sabes que eu própria já o tenho dito em comentários, é uma memória que não se pode apagar e que tiveste o privilégio de a fazer ressurgir na melhor das alturas, porque no meu entender não tem sido suficientemente tratada ao longo destes últimos anos.

    A blogosfera também é feita desta generosa partilha e de empatias qe se constroem assim, paulatinamente, como um edifício que se vai erguendo em alicerces seguros. É bom acrescentar amigos e sinto em vós pessoas que se acrescentam todos os dias, porque é da discussão que nasce a luz e nunca da divisão. E estamos num tempo em que unir, partilhar é cada vez mais urgente e necessário, como aliás devia ser sempre.
    Acrescentemo-nos, pois!
    E sobretudo fiquemos assim felizes uns pelos outros. Eu fico, como fiquei com este gesto.

    Beijos e muitos êxitos, Rogerito.
    Branca

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  13. Há mensagens que perduram para todo o sempre.

    Grande abraço, Rogério!

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  14. E eu acrescento em jeito de balanço: este livro narra uma viagem feita através de um tempo de guerra em que a palavra escrita persegue ideais de paz; pretende manter aberta a arca das memórias para que a História e o reforço da nossa Identidade se faça sem reservas, justo à raiz do vivido. Rema contra as ideias feitas, a favor da imparcialidade, revelando-se um precioso testemunho do discutível poder que o exercício das armas tentou assegurar em África, durante 13 anos.

    Obrigada pela partilha. Senti-me com um pezinho lá.

    Um beijo

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  15. Belo texto nos apresentas.

    Te respondi no meu blogs e aqui estou "incoerente como sempre"

    Beijos,

    Maria Luísa

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  16. Por aqui, por vezes, tenho dificuldade em comentar... está tudo dito e bem escrito... com ou sem amarelo nos papeis :)

    Bjos

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