22 abril, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 79

Um amigo, contou-me que um dia, na paróquia da sua freguesia - pequena vila alentejana - se ergueu, em plena homilia, e levantou a mão chamando para si a atenção: "Desculpe a interrupção, posso falar?". O padre, escondendo a custo a surpresa e o embaraço do inusitado, disse entre a surpresa dos crentes e alguns sorrisos coniventes com o pedido do intruso: "Não meu filho, este acto litúrgico é sagrado", e prosseguiu com a missa. Lembro a propósito que a igreja, ouve seus crentes, individualmente. Ouve-os em confissão. Fora disso, mal os escuta e não é de querer que quando os escuta ouve o que dizem. A igreja anda ausente, salvo para atenuar os efeitos da ganancia instalada e da ideologia do pensamento único. Entretanto a igreja não deserta da preocupação de ser bem atendida entre os fieis e de capta-los para o seu rebanho, às vezes com algum exagero e com duvidosos resultados, como nos mostra uma amiga nossa, Graça Sampaio (Picos da Roseira Brava)

Saramago parece embaraçar Umberto Eco, encostá-lo à parede (foto Reuters - 1998). 
Mera aparência, o filosofo italiano prefaciou, com agrado, um Caderno de Saramago

Fui buscar Umberto Eco, por duas razões: Uma porque tendo prefaciado Saramago, como o fez, merecia nesta homilia esse destaque (o seu texto merecia uma homilia); a outra, bem mais importante, pala ilustrar o que referi nos posts anteriores sobre o papel dos intelectuais e a sua importância para os povos. "Em recente artigo da Revista Época (no. 246) de fevereiro de 2003, Umberto Eco discorreu sobre a função dos intelectuais e, ressaltou três modelos destes, a saber, o de Ulisses que na Ilíada, assume a função do intelectual orgânico que mais tarde entraria em crise, não antes de inventar o "cavalo de Tróia". O segundo modelo é o de Platão que nomeia os intelectuais como os que possuem ideias próprias como também acredita ser os filósofos capazes de ensinar como governar bem. O último modelo de intelectual é o de Aristóteles que foi tutor de Alexandre , o Grande, e lhe ensinou o que é política, ética, e muitas coisas capazes a habilita-los para o exercício do poder. E acrescentou que o verdadeiro intelectual deve expressar idéias inovadoras por escrito, é como um pedreiro que dedica seu tempo livre a ajudar na reforma da sede do partido." (texto retirado do artigo "A finalidade dos intelectuais na sociedade contemporânea")

Para os meus amigos que, bem hajam, põem o dedo no ar nas minhas homilias (e nelas falam, sem   estorvar o meu acto litúrgico, que reclamo ser tão sagrado como o de um humano padre, junto ao seu altar), deixo estas reflexões prévias, como esclarecimento adicional ao post em que falei de Lobo Antunes e das frustrações da dona Esmeralda, que esperava ver um dia esse escritor convocar uma conferência de imprensa e dizer sobre estas coisas o que realmente pensa.  

Agora... agora passo a palavra ao meu pedreiro:

HOMILIA DE HOJE 
"Abro com duas citações de Aristóteles, ambas extraídas de Política. A primeira delas, curta, sintética, diz-nos que «em democracia, os pobres são soberanos, com exclusão dos ricos, porque são eles o maior número, e porque a vontade da maioria é lei». A segunda, que, começando por anunciar uma restrição ao alcance da primeira, não só, afinal de contas, a alarga e completa, como a si própria praticamente se alcandora à altura de um axioma, esse princípio que, por evidente, não requer, para convencer, o esforço de uma demonstração. Eis o que nos diz a citação segunda: «A igualdade (no Estado) pede que os pobres não tenham mais poder que os ricos, que não sejam eles os únicos soberanos, mas que o sejam todos na proporção do número existente de uns e outros. Este parece ser o meio de garantir ao Estado, eficazmente, a igualdade e a liberdade.» Se não estou demasiado equivocado na interpretação desta passagem, o que Aristóteles nos está a dizer aqui é que os cidadãos ricos, embora participando, com toda a legitimidade democrática, no governo da polis, sempre estariam em minoria nele, pelo simples efeito de uma proporcionalidade imperativa e incontestável. Em algo Aristóteles acertava: que se saiba, ao longo de toda a História, jamais os ricos foram em maior número que os pobres. Mas esse aceno do filósofo de Estagira, pura obviedade aritmética, estilhaça-se contra a dura muralha dos factos: os ricos foram sempre aqueles que governaram o mundo ou que sempre tiveram quem por eles governasse. E hoje, provavelmente, mais do que nunca. Não resisto a recordar-vos, sofrendo com a minha própria ironia, que, para o discípulo de Platão, o Estado era a forma superior da moralidade... Qualquer manual elementar de Direito Político nos informaria que a democracia é «uma organização interna do Estado em que cabe ao povo a origem e o exercício do poder político, uma organização em que o povo governado governa por intermédio dos seus representantes», ficando assim asseguradas, acrescentaria o dito manual, «a intercomunicação e a simbiose entre governantes e governados, no quadro de um Estado de direito». Em minha modesta opinião, aceitar acriticamente definições como esta, sem dúvida de uma pertinência e de um rigor formal que quase tocam a fronteira das ciências exactas, corresponderia, se nos transportássemos ao quadro pessoal da nossa quotidianidade biológica, a não dar atenção à gradação infinita de estados mórbidos, patológicos ou degenerativos de diversa gravidade que é possível, em cada momento, perceber no nosso próprio corpo." 
(continue a ler, Um caderno para Saramago)

11 comentários:

  1. Em teoria tudo parece bater certo e os pensadores pensam e argumentam de acordo com os princípios éticos, sociológicos, morais, políticos de uma determinada época, de um determinado contexto. Transferir os seus ensinamentos "ipsis verbis" para os dias de hoje pode ser um erro. Daí Saramago colocar reservas quanto à aceitação acrítica destas ideias que "quase tocam as fronteiras das ciências exactas",como se de exacto o homem tivesse muito.
    É necessário ter em conta factores de ordem variável dificilmente quantificáveis que determinam o comportamento dos governates como a volubilidade, a falta de ética, o carácter deficitário, a febre pelo poder, a corrupção... Enfim, defeitos mal disfarçados nos nossos tempos que invalidam os preceitos de uma verdadeira democracia.
    A impunidade de que gozam os políticos de hoje faria corar qualquer "Ulisses".


    Um beijo

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  2. Apesar de tudo, ainda há padres que vale a pena ouvir, mas a esses o Vaticano retira-lhes a palavra!!

    Um abraço.

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  3. De acordo! Hoje em dia cada vez há mais desassossego...uns comem na mão dos outros. Pois, na teoria tudo
    parece encaixar...

    Estamos "feitos"!

    Bj

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  4. Boa tarde de Domingo.
    Já ando por aqui, agarrado ao computador, há várias horas, li esta entrada, com toda a atenção, fica-se - claro - com a ideia de que todos nós ainda temos muito que aprender a dar do nosso saber pela experiência da vida e de todo o manancial de informação de que somos portadores e que nem sempre a sabemos utilizar devidamente, quantas vezes por no-la impingirem à socapa e nós não a peneiramos como o devíamos fazer, por precaução.
    É que já fomos escaldados tantas vezes!...

    Enfim, que grande desassossego!

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  5. TIME FOR FUCK U- SOUTH AMERICA!
    TIME FOR ASETOR - SHETOR!
    TIME FOR STSSE - SSTAN 0330- ROBERTA RAMM!
    YOU ARE FUCKED - SOUTH AMERICA!
    SAVOUR THE TASTE OF THAT COMSTUL YOU EMBRACED!
    EAT THOSE FOCK EWS WITH THOSE FOCK WORMS AND FEEL THOSE FOCK ROOMS CRUMBLE INTO ASEASE.
    IT'S ABOUT FC PORTO!
    IT'S ABOUT L2 KILLER!
    IT'S ABOUT RED RIBBON ARMY - RED_ KILLER-
    RED_ RIDDER_ 666!
    PICK UP STICKS!
    ALL FOR HICKS- TOBALSE!
    AND NOW HERE COMES ASWOR!
    WITH AL GORE & HILLARY MELTON BUCHER!
    AND WE DON'T CARE ABOUT GRAVEYARD CARNIVALS OR ROBERTO GROSSATESTA!
    BECAUSE THEY GOT REMY - MICHE- BERRIRO- HEPOPADU- AND THEY GOT YOU IN :
    " KANSAS KINGS"!
    WITH FRADO- FREDOZZEL - AND METTETAL.

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  6. Constitui um axioma dizer que os pobres são soberanos.
    Na verdade, são tão soberanos que a governação dos ricos depende deles em absoluto, tal é a maioria...

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  7. A maioria dos pobres

    vota nos seus algozes
    apesar das razões do nosso Saramago

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  8. Muito filosófico o menino Rogerito, hoje! Não obstante ir buscar o "ai se eu te pego" da procissão...
    Mas acha que os "nossos" políticos já leram todos esses textos e já estudaram o que Platão e Aristóteles disseram sobre o ato político? Duvid+o=do!...

    Boa semana!

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  9. Concordo contigo
    Subscrevo a BS.

    Abraço

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  10. Os valores, sempre os valores, mais concretamente a ausência deles, a minar a conduta humana. Nunca antes se falou tanto da necessidade de manter o respeito, a ética, a liberdade, a verdade, a dignidade e a democracia...
    Alguns de nós, ( como ontem li, "os piores de nós" ), esqueceram-se de aprender p que nos ensinou a história.

    Um abraço, Rogério

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  11. Os valores, sempre os valores, mais concretamente a ausência deles, a minar a conduta humana. Nunca antes se falou tanto da necessidade de manter o respeito, a ética, a liberdade, a verdade, a dignidade e a democracia...
    Alguns de nós, ( como ontem li, "os piores de nós" ), esqueceram-se de aprender p que nos ensinou a história.

    Um abraço, Rogério

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