09 abril, 2012

No próximo sábado, tenho almoço marcado...

Não restam apenas memórias, ficaram valores, convicções, lutas e nomes. Alguns, pois a memória, sendo selectiva, não se desperdiça a alojar tudo. Há coisas que ficam. Dos nomes que sempre me ficaram, figura o de José Manuel Tengarrinha. Vi-o pela primeira vez, talvez em 1966 (ou mesmo antes), aquando de uma conferência impedida pela policia, marcada para a Sociedade de Belas Artes, e onde ele iria falar sobre "Os primórdios do Socialismo em Portugal" (se bem me lembro, seria mesmo esse o tema). Depois da proibição, ele descia a Rua Alexandre Herculano e eu seguia-o à distancia, olhando-o com o respeito de quem olha um homem inteiro. Ia calmo, não intimidado pelo aparato policial, seguido por pequenos grupos que trocavam sinais coniventes e que os encaminhariam para uma outra sessão, privada, em sua própria casa. Perdi-me pelo caminho e soube pormenores por um amigo que esteve presente. Só o viria a voltar a ver, anos mais tarde, no II Congresso Republicano, em Aveiro.
Naquela manhã tomara a decisão de ir. Era então revisor supranumerário do "Diário de Lisboa" o que me proporcionava o contacto e a facilidade em me fazer aceitar como pendura na carrinha que sairia para a distribuição dos vespertinos em direcção ao Norte. Mal instalado, a um canto da pequena viatura, com as pernas encolhidas para não danificar os jornais, lá ia me acomodando à medida que o percurso ia sendo cumprido e os jornais sendo entregues. Em cada local, o funcionário disso encarregado, abria as portas traseiras e ia, ao mesmo tempo que a marcha abrandava, atirando maços entrelaçados dos jornais, para os pontos que a rotina diária determinava. Diário de Lisboa, Diário Popular e Republica iam sendo distribuídos, distraindo-me, aquela  habilidade certeira, do mal estar da viagem. "Nunca erro o alvo", dizia-me, orgulhoso, o dono desse feito. Chegámos a Aveiro, a meio da tarde, mais cedo do que a rotina normal. Recordo que me reparti entre o interior do cine-teatro, ouvindo comunicações, o átrio e o que se passava na rua, onde pequenos grupos comentavam ou discutiam vivamente a situação de pré-anunciada cisão sectores da oposição democrática. De quando em quando a minha atenção era distraída pela passagem de uma figura conhecida. Destacaria muitos, mas hoje falo de Tengarrinha. Ele ficou do lado certo, dos que alinharam por ser o momento de denunciar a politica colonial. Eu, partiria para a guerra meses depois (em Julho de 1969). Nunca o esquecerei. 
Por isso tudo isto, e pela sua empenhada luta antifascista, estarei no próximo sábado ao seu lado: José Tengarrinha é o homenageado.

(Na foto: José Tengarrinha, Helena Pato, Alberto Pedroso e João Sarabando (retirada daqui),

10 comentários:

  1. Quantos anos tem Tengarrinha( que também admiro muito)?

    Ah, estou gostando do teu livro....

    Boa semana

    ResponderEliminar
  2. São estórias como esta que fazem parte da História que os nossos jovens deviam conhecer. Porque muitos deles não acreditam, nem sabem, o que foi o tempo da outra senhora.
    Bom almoço, o Tengarrinha bem merece esta homenagem.

    Abraço.

    ResponderEliminar
  3. A sua descrição fez-me lembrar o meu "Delírios". Gostei imenso.
    Beijo

    ResponderEliminar
  4. Sou fã incondicional de Tengarrinha e como gostei tanto de saber que ainda está por aí e que vai ser homenageado. Leva para o almoço um padacinho da minha alma, aquele que lá vai estar depois de ler esta notícia.

    Beijos

    ResponderEliminar
  5. Caro Rogério Pereira
    Também lá vou estar, nada mais a acrescentar.
    Abraço
    Rodrigo

    ResponderEliminar
  6. Com pena, não irei. Mas os seus olhos e ouvidos serão os meus...

    Boa semana, Rogério!

    Beijo

    ResponderEliminar
  7. .

    .

    . venho convidá.lo . para que visite o meu blogue . intemporal . amanhã . dia 10 de abril de 2012 .

    .

    . voltarei posteriormente para comentar o post . como habitual .

    .

    . um abraço . e muito obrigado .

    .

    . paulo .

    .

    .

    ResponderEliminar
  8. Será certamente um reencontro emocionante.
    Não te invejo, mas gostava de ser "mosca na parede"

    Beijo

    ResponderEliminar
  9. Merecida homenagem!

    Há histórias que guardamos na memória como preciosos tesouros porque representam momentos determinantes na construção da nossa identidade. Como esta que hoje aqui partilha...

    L.B.

    ResponderEliminar