31 dezembro, 2013

Quatro anos velhos, refunfelhos, já foram. Venham outros, de outros tempos, com novos ventos!



A foto, rebuscada de uma controvérsia que mereceu destaque a partir de uma reação a uma minha opinião, mantém-se actual. Actual, pois o copo que ergo é o mesmo, é o mesmo o estilo do que eu escrevo e digo, e assim irei continuar, sem amargura, com o mesmo sorriso, com o mesmo olhar, expondo a vida do meu EU do MEU CONTRÁRIO e da MINHA ALMA. 
Irei continuar, escrevendo, citando, trazendo para este espaço o que vejo para além da espuma dos dias, para registo do que vai ocorrendo. Brindo a isso e aos meus amigos. Brindo à amizade, que vai deixando a marca e o lastro no que escrevo e faço. Brindo aos que me têm brindado com palavras que guardo no coração. Palavras de carinho e incentivo, todas, todas, sem excepção. Brindo aos que me estimam. Brindo aos que me espreitam. Brindo até aos que não me aceitam...

A todos deixo a promessa de que não abandonarei a luta!

Obrigado a todos e votos de um FELIZ ANO NOVO, neste dia que também é dia de aniversário de milhentas imagens e outras tantas letras! E termino como terminada a tal controvérsia...

...ergo o copo. O olhar semicerrado indicia que estou embriagado, não sei se com a vida se com a bebida. Talvez com a bebida, pois...:

 «Eu não gosto de falar de felicidade, mas sim de harmonia: viver em harmonia com a nossa própria consciência, com o nosso meio envolvente, com a pessoa de quem se gosta, com os amigos. A harmonia é compatível com a indignação e a luta; a felicidade não, a felicidade é egoísta.» 
 José Saramago
Voltem sempre!

30 dezembro, 2013

BOM ANO! (o Mundo espera, impaciente, que 2014 seja um ano decente...)


Bom Ano!
(Neste Nosso Maravilhoso Mundo)
O tempo não tem culpa,
O tempo é mudo, não vê nem escuta
O tempo é o somatório
de cada momento
e cada momento não nos devolve o tempo

O tempo não tem culpa
e não vale a pena medir a velocidade
com que o tempo passa
nem a dimensão da ruga
que no nosso rosto
o tempo traça

O tempo não tem culpa
que tenhamos perdido tempo

O tempo, o tempo, o tempo
Muda o tempo, na medida do tempo
Tic, tac, tic, tac,
Minuto, hora, semana, mês, ano
Muda o ano
Muda o quê?
Não muda o nosso engano
de entregar a mudança
à mudança do tempo, à mudança de mais um ano

O tempo não tem culpa
Tem até um remorso, profundo
de nada ter a ver
com as mudanças do mundo
...deste nosso maravilhoso mundo
Rogério Pereira

O ano de 2013, para memória futura - II


Se  alguém disser que alinho com essa cara aí em cima, de pronto, desminto. Até nem se trata de estar alinhado ou contra, mas de salientar um facto: Putin esvaziou uma estratégia de guerra, há muito delineada e a que eu já fizera referência antes, muito antes, da Síria vir a ocupar, dezenas de vezes ao dia, as páginas dos jornais e a abertura de todos os telejornais. De repente algo mudou, como pode perceber aqui...

Cito um  amigo atento, que não passa como gato sobre brasas (até que se autointitula "cão") sobre os assuntos do mundo:
"...Desenhou-se, em poucas semanas, um quadro totalmente diverso daquele que tinha imperado ao longo de quase todo o ano. Os EUA passaram da ofensiva à defensiva, a Rússia, de actor marginal, a agente central nas negociações de paz, a ponto que a Forbes, pela primeira vez, elegeu Vladimir Putin como o homem mais forte do mundo, na frente de Obama. Isso se deve não ao poderio militar ou económico da Rússia, mas ao poder de iniciativa política e de negociação que o país passou a ter."
No ano de 2013, algo de muito importante mudou neste perigoso Mundo e para nosso regozijo há esperança de paz!

Ainda sobre a Síria, a imprensa omitia: As mulheres sírias têm os mesmos direitos que os homens ao estudo, à saúde e educação. Na Síria as mulheres não são obrigadas a usar Burca. A Xariá (lei Islâmica) é inconstitucional. A Síria é o único país árabe com uma constituição laica e não tolera os movimentos extremistas islâmicos. Cerca de 10% da população síria pertence a alguma das muitas confissões cristãs presentes desde sempre na vida política e social. Noutros países árabes a população cristã não chega a 1% devido à hostilidade sofrida. A Síria é o único país do mediterrâneo que continua proprietário da sua empresa petrolífera, que não quis privatizar. A Síria tem uma abertura à sociedade e cultura ocidentais como nenhum outro país árabe. Ao longo da história houve cinco Papas de origem síria. A tolerância religiosa é única na zona. Antes da guerra civil a Síria era o único país pacífico da zona, sem guerras nem conflitos internos. A Síria é o único país árabe sem dívidas ao Fundo Monetário Internacional. A Síria foi o único país do mundo que admitiu refugiados iraquianos sem nenhuma descriminação social, política ou religiosa. Bashar Al Assad (apesar de todos os defeitos da sua governação oligárquico/dinástica), tem um suporte popular extremamente elevado. Sabia que a Síria possui uma reserva de petróleo de 2500 milhões de barris, cuja exploração está reservada a empresas estatais? Talvez agora se consiga compreender melhor a razão de tanto interesse pela Síria! - in "A Viagem dos Argonautas"

29 dezembro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 46 ( Goebbels eleito a personagem do ano, sem ser por engano...)

(ler conversa anterior)

[Hoje, o texto do Gonçalo não está (ainda) disponível...]

Imagem da net
O sol apareceu, acariciou e favoreceu. A intenção do engenheiro resultou e muita gente apareceu... A vizinha do quarto andar quis lá estar, acompanhada da dona Esmeralda. Até o miúdo, que hábil nas redações, cartas e poemas, não faltou. Havia até muita gente que não era cliente, para além dos frequentadores habituais. Propôs o senhor engenheiro que eu dinamizasse aquela inesperada plateia e a levasse a votar a personalidade do ano. Meu juízo, mais conhecido pelo nome de que é apelidado - Meu Contrário - segredou-me com um "Aceita!" e Eu aceitei. Minha Alma, sem esperar a vez saltou e propôs "Proponho o povo português!" e logo se seguiu um coro de vozes "Nem pensar!", "O povo tem é de acordar", "O nosso povo pertence à cidade Nim!" e outras coisas assim. Minha Alma, embatucou e não sugeriu mais coisa nenhuma.
Sucederam-se, então, propostas até mais não: "O novo cardeal! O Clemente!", "Jonet! Jonet!", "Gaspar! Gaspar!" e mais uma catrefada de nomes, que sucessivamente iam sendo cilindrados aos primeiros argumentos explanados. A esplanada mostrava-se dividida e não mostrava acerto. Até que surgiu um nome para muitos esperado, "o Mário!" Fez-se um silêncio total. Eu, Minha Alma e Meu Contrário, que pouco tínhamos participado, demos um salto. "Qual Mário?" perguntou alguém com um perguntar irónico. "O único político de esquerda que manda esta gente à merda!" pronunciou um desconhecido com ar sentencioso e convencido. "Lembram-se do discurso da Aula Magna?, com catano... O Mário deve ser o personagem do ano", "O Mário é fixe", ouviu-se. "Mário!Mário!Mário!" gritava a minha esplanada em peso. Meu Contrário aconselhava calma e Minha Alma ia anotando quem se queria inscrever, quase acreditando que o tal Mário ia vencer... até que um dedo no ar, lá numa mesa do canto, levantou-se e toda a gente se calou, com espanto.O dedito era do Rogérito, e assim falou: 

"Minhas senhoras e meus senhores, o Mário é de facto um espanto e merece a vossa atenção, ele não é da Cidade Sim, nem da Cidade Não, salta de uma para outra para salvar a Cidade Nim. Depois de afrontar a corja, propõe um governo de salvação nacional e percebe-se então quem ele quer salvar! Podem uns de vós pensar que não, mas o Mário o que quer salvar é o "centrão". Tal como a Manuela, e o Mário até fala nela!"
- "A Ferreira Leite, a antiga ministra das Finanças que sacou do fundo de pensões?"
- "A da suspensão da democracia por seis meses?
- "A que agora malha como o Mário malhou na Aula Magna?"
- "A que já chegou a sugerir que todos os velhos com mais de 70 anos deveriam pagar a hemodiálise?"
"Essa mesmo!" continuou o miúdo "E por aquilo que está a acontecer e por mais isto que se presta a que aconteça, por mais estranho que vos pareça, proponho um nome conhecido, embora de um já falecido. Proponho como personagem do ano, Goebells, também um ex-ministro e que agora está na moda! Disse!"

Foi grande a confusão.
Minha Alma gritou: "Quem vota a favor?"
Todos levantaram a mão.

Até uma criança percebe o que está a acontecer...

28 dezembro, 2013

O ano de 2013, para memória futura - I

...nunca poderia Minha Alma olhar nos olhos o Meu Contrário se Eu não me tivesse decidido. 

Este ano, velho e refunfelho, incluiu actos meus e factos que merecem ser lembrados. Podia referir alguns que jazem, aí ao lado, no baú das memórias. Escolho o que tem a ver com a alteração do meu estado, até porque a partir dessa altura este espaço deixou de me ocupar o tempo que lhe dedicava*, afastei-me um pouco dos amigos e passei a privar menos com a família. Se valeu a pena? A pergunta não faz sentido, nunca poderia Minha Alma olhar nos olhos o Meu Contrário se Eu não me tivesse decidido. 

Nunca se questione o porquê de um acto de cidadania, faz mais sentido questionar pela sua ausência...

*Como exemplo, estes dois últimos dias foram passados a preparar e a participar numa importante Assembleia de Freguesia (dar luta, dá trabalho)

25 dezembro, 2013

CONTOS DE NATAL - III ("...este ano não há perú")


A história é breve, embora entre um e outro acontecimento medeie a esperança de vida de um galo. Eu conto, pois apesar de bem miúdo ainda me lembro de (quase) tudo.

A minha avó Mariana chamou-me depois de ter espreitado - "Estão a nascer, anda cá. Vem ver", e levou-me com ela por aquele grande terreiro baptizado de galinheiro, mas onde, além de galinhas, haviam coelhos, patos e pombos, todos partilhando o espaço mas com retiro adequado a sossego de cada um. Fui ver os pintainhos a nascer. Dois já tinham picado e destes, um deles, tinha a cabecita quase toda de fora do ovo. Adiantou-se o ver, ao conhecimento do facto, pois nunca tinha ouvido falar que era assim. Levaram dois dias para saltarem todos para a vida, mas o primeiro saltou cedo, pouco mais de uma boa hora depois de ter espreitado. Minha avó, experiente, disse "Esse é frango e é aleijado". E era as duas coisa. Quanto ao diagnóstico da deficiência, o pintainho não se detinha de pé. Dava duas passaditas e mergulhava de bico, na poeira. O resto das férias passei-as na brincadeira e a assistir à persistência paciente de minha avó Mariana, mergulhando as patas do pequenito galináceo em vinho tinto, depois de levemente aquecido.

Meses depois o pinto já era um frango emproado. Reconhecia minha avó Mariana como sua mãe e atrás dela corria para onde quer que ela ia. Se ela parava, o frango empoleira-se num qualquer beiral ou saliência e ficava ali, estupidificado, esperando que ela acabasse e fosse para qualquer outro lado. Vivia fora do galinheiro, em cuidados continuados.

Passaram anos. Uns poucos, pois os galos possuem larga longevidade e este usava-a com maldade. Desde que habitou o galinheiro, nunca mais houve a paz que antes por lá havia: os pombos deixaram de poder partilhar o milho das galinhas, os coelhos perderam a liberdade e não mais saíram da coelheira e a Reca, uma pata engraçada, que reagia a todo e qualquer chamamento, perdeu o seu lugar lá dentro. O galo, além de mau, não galava. Mas o safado imperava como se todas as galinhas fossem seu harém. Perseguia as coitadas e algumas que, esperavam ser montadas, recebiam brutais agressões. Muitas perderam a crista, outras a vista algumas, sortudas, apenas algumas penas. De madrugada, o galo enganava com o orgulho posto no seu cantar. Cantava alto, trinado e repetido. Cantava, cantava, cantava e só parava quando pensava que tinha acordado toda a gente, parava quando toda a gente tinha acordado. Entretanto, o malvado galo era gabado por todas as quintas à volta, e toda a gente comentava "Dona Mariana, o seu galo canta que é um regalo", e a minha avó escondia-lhe o comportamento agressivo como se protegesse actos desavindos de um mau filho.

Num Natal, um dos muitos passados na quintinha dos meus avós, já eu tinha condições de retirar a moral de qualquer história, a minha avó anunciou a sua resolução: esse ano não haveria peru. E assim foi. Na noite da Natal o galo saiu à mesa. O aspecto do assado era com a mesma imponência do bicho enquanto vivo, apesar do tostado. Mas o pior aconteceu, de tão rijo, ninguém o comeu. Souberam bem os miúdos de cabidela, a merecerem  lágrimas de minha avó, a correrem pelos olhos dela...


24 dezembro, 2013

"Esta é a história do meu Menino Jesus"


...
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
...
“O Guardador de Rebanhos”
In Poemas de Alberto Caeiro
(do extracto aqui editado)

23 dezembro, 2013

CONTOS DE NATAL - II ( "O Grande Arrepio" - Um conto premiado )


Vinha com a costumada ansiedade. Não conhecia outra e esta já se lhe tinha colado no rosto, moldando-lhe a feição. Sempre se vira assim e sempre assim os outros a viam. Não era uma jovem qualquer e tudo lhe levava a crer que não seria uma normal mulher. Não se sentia rejeitada. Ela era rejeitada, assim ela pensava. Era-o em casa, na escola, entre possíveis amigos, na vizinhança. Era-o desde criança. Seu refugio era a procura de outros amigos. Amigos virtuais, anónimos e também aqueles que fingiam não o ser. Horas a fio despendidas, frente ao seu computador, eram ganhas às horas de grande solidão. Frente ao teclado construía mundos inexistentes em pequenas frases ou em comentários. Procurava e editava fotos da natureza, dos álbuns musicais, de gatos e insectos, seus animais predilectos. Ia assim ocupando o tempo... Sentia ter duas vidas e não gostava de nenhuma. Foi pensando em tudo isto, com a cara do costume, que se aproximou daquele pequeno miradouro sobre a praia, local tantas vezes escolhido para tentar preencher um angustiado e constante vazio. Aquele que naquela altura sentia. Lá, por onde se deixava ficar, pousado sobre a grade de protecção, estava um pequeno pássaro. Saltitava. Quase lhe não ligava, quando se surpreendeu pelo passarito, que em vez de fugir assustado, limitou-se a dar um pequeno pulito, não saindo do sitio em que se encontrava pousado. Tomou tal alheamento como um desafio e avançou ostensivamente. Nada, o pássaro na mesma ficava. Resoluta avançou até quase ao pássaro se encostar, inclinou-se e procurou-lhe o olhar. O pássaro olhou-a, também, de lado com olhar de pássaro, sem medo nem susto mas com ar astuto. Surpreendida por não ter voado nem lhe rejeitar a presença, nem deu pelo insólito de o passarito lhe falar. Respondeu o que lhe ocorreu, dizendo o que então disse com o olhar perdido no mar. Ficaram assim os dois tempos esquecidos. Ela contando suas agruras, desventuras, lutos, rejeições, pequenos e grandes desgostos, insistindo sempre que o mal era dela. Ele, contou-lhe o que via pelo mundo, os locais por onde voava, o esforço em vencer o vento, o frio de dormir ao relento, a dureza da vida e da procura de comida. Desenroladas ambas as vidas, sobressaltou-se o pássaro com o que ela disse: "Não devia ter nascido, minha vida é um arrepio". O pássaro olho-a fixamente, como se fosse gente. Gente compreensiva e inteligente: "Olha o grande arrepio não é nascer, é crescer. Toma minhas asas por empréstimo e dá-lhe o melhor préstimo. Voa e conhece, conhecer é crescer sem te sentires rejeitada". E dizendo isto desapareceu deixando-lhe ficar as asas que lhe ofereceu. Ela experimentou, ganhou confiança e voou. Primeiro com cautela desmedida do sitio onde estava para a árvore que por ali havia perto. Depois fez um voou longo, sobre o mar até chegar ao deserto. Voou por todos os locais que o pássaro lhe contou. Tinha apenas um dia e era preciso usá-lo bem. Fê-lo de dia e de noite. Passou a linha do horizonte. Voou, voou, voou...
Muito chegado o prazo que o pássaro lhe tinha dado, voltou ao local para a devolução das asas emprestadas. Ia eufórica, radiante e uma energia diferente transparecia-lhe do semblante. No local, esperou. Esperou, mas o pássaro não vinha nem chegou. Estava na hora, e agora? Como devolver as asas com que voara. De repente as asas lhe desapareceram e ela percebeu com tristeza que ele as levara sem um último encontro. Sentou-se no chão. Não chorou porque um sem saber o quê não deixou. Não sentiu angústia nem desgosto, mas apenas pena de não poder contar que acabara para ela, pelo que acabou de viver, "o grande arrepio" de crescer... Nem deu por quem se aproximou e quando deu, depressa se levantou. Era um um jovem, quase homem. Nem belo nem feio, atencioso e de voz terna. Falou-lhe com uma voz que lhe pareceu familiar. Depois das primeiras palavras de encontro, ela falou-lhe desinibida o que contava dizer ao pássaro. Ele ouvia-a atentamente, como se fosse novidade tudo o que ela lhe ia contando com vivacidade, sem vestígios de qualquer ansiedade, daquela que ela julgava lhe ter moldado o rosto...
Rogério Pereira
Julho.2011
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Este conto inscreveu-se no "regulamento" do CONCURSO de ESCRITA CRIATIVA 2011, promovido pela querida amiga Eva Gonçalves, do blogue "Including the kitchen sink", respeitando o titulo que lhe foi dado "The Big Chill", e foi o vencedor.

22 dezembro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 45 ( o Presépio do engenheiro )

(ler conversa anterior)



Apesar da neve, o engenheiro e o cão rafeiro vieram ao meu encontro  - "Hoje não há jornal e bebe o cafezinho em minha casa, a neve é bela lá da minha janela. Está convidado" - disse, segurando-me o braço enquanto o rafeiro esperava, em contenção, a minha reação. "Está bem, então vamos lá" respondi olhando a cauda agitada pelo contentamento do cão, sublinhado por um sorriso rasgado do meu velho amigo. Não leria, nem sequer as parangonas da primeira página, nem a cronica do Gonçalo... Acompanhei os dois... Pelo caminho o engenheiro ia adiantando a verdadeira razão do convite - "Sabe? o que lhe vos mostrar ainda não está acabado. Mas é a única pessoa a quem reconheço alma e juízo para o conselho de que preciso..."

Longe de me esclarecer aumentou-me a intriga e a expectativa, mas não fiz qualquer pergunta. Caminhamos mais um pouco pela avenida do Alto da Barra até chegarmos ao prédio. Entrámos, e optamos pelas escadas. Ele tirou uma única chave com que abriu a robusta porta. Deu-me passagem e entraram a seguir. Não havia hall, tudo espaço liberto de paredes e logo ali o que me queria mostrar: como uma maquete o que ele chamava Presépio ocupava dois terços da área da ampla sala. Montes, ravinas, musgos delimitando caminhos, árvores miniaturadas e pedras miúdas entre dezenas de cabras. Alguns, poucos, pastores. Na diagonal, atravessando quase quatro metros da representação, estruturas similares ao betão perfilavam-se representando o muro. Do outro lado do muro, tudo ordenado e raso até chegar a uma povoação construída com habitações de palmo que sugeriam a cidade de Belém. Por cima, um cetim baço num azulado escuro, estava pejado de nuvens e algumas estrelas minúsculas fazendo realçar uma outra, maior. Num caminho mais largo, José, Maria e o burro em que seguia, tinham por diante o muro. As figuras, bem esculpidas, expressavam a ansiedade de José e a aflição de Maria.

Reconheci o que via mas não supunha que alguém se atirasse ao laborioso trabalho de reconstituir o original, fazendo-o com tanto rigor. Foi então que surgiu a pergunta: 

"Tem alguma ideia que possa vir a materializar o Natal? Como podemos enfrentar isto?"


O velho engenheiro queria encontrar a solução que Banksy tinha denunciado... 
Não soube como ajudá-lo.

21 dezembro, 2013

CONTOS DE NATAL - I (Um conto meu que muitos julgaram não ser eu quem o escreveu)

imagem "Morte e Vida" de Gustav Klimt 

"A morte voltou para a cama, 
abraçou-se ao homem e, sem 
compreender o que lhe estava a suceder, 
ela que nunca dormia, sentiu que o sono 
lhe fazia descair suavemente as pálpebras.
No dia seguinte ninguém morreu." 
Saramago - As intermitência da morte" - pág. 214


Se a Morte tivesse qualquer sentimento, como em tempos terá sentido, esse sentimento seria o da surpresa aliada à sua confessada impotência de, por si mesma, acabar com a vida. A surpresa tida foi pela manifesta ignorância dos ministros. Mas foi da sua impotência em satisfazer o governo que falou demoradamente, naquele conselho onde o primeiro ministro a quis presente. "É a vida que determina quando intervenho", disse a Morte. Disse-o mais que uma vez e ilustrou que é coisa humana o acontecer encurtar-lhe a chamada. Mesmo que o último sopro de vida seja coisa natural, ela tem de esperar que tal aconteça para cumprir a sua tarefa. Explicou que não se desespera pela espera, nem se apoquenta se a vida se prolonga. Todos os ministros a escutaram, contrafeitos por não terem, como esperavam, uma colaboração a contento. A um dado momento, a Morte deixou insinuar que apenas tinha alguma capacidade de persuasão aos vivos deprimidos para se deixarem levar por ela. Gostaram dessa parte e logo o  ministro da coisa social lhe estendeu uma pen, dizendo-lhe. "Tem nesta base de dados milhares de coitados a quem cortámos a pensão, a quem lhes vai faltando a sopa e o pão, a todos cortaram a electricidade por falta de pagamento e a água ser-lhes-á cortada a qualquer momento, faça o seu melhor".

A Morte saiu à rua pronta para cumprir a tarefa prometida de ir, na medida dos seus saberes, acabando com a vida. E assim fez, seguindo a lista que o ministro lhe dera. O tempo foi-se passando e com a sua forte persuasão aumentaram os suicídios, os parricídios e muitos outros crimes de sangue. Alguns nomes da lista eram apenas convencidos a deixarem-se morrer, e morriam. Quando restava um único nome na lista, para toda a sua missão se considerar cumprida. dispôs-se a ir convencê-lo a acabar com a vida.

O homem estava sentado no escuro, pouco se incomodando com ele. Conhecia todos os cantos à casa, a disposição de todos os móveis e a colocação de tudo o que precisava mas que deixou de usar. Não era a escuridão que o incomodava. A fome ia-a enganando como podia e a sede era saciada com a chuva que ia apanhando numa bacia, numa jarra e numa panela, colocadas, uma em cada janela. Ia sobrevivendo ocupando o pensamento com coisas de não pensar. O homem levantou-se e numa decisão, não pensada, tomou um destino impensável: ser um sem-abrigo. Na rua, andou, andou, andou e os pés e pernas lhe incharam de tanto andar. Perdeu a noção dos dias. Perdeu a noção de tudo. Fugia de todos, até dos outros sem-abrigo. A Morte, que o seguia, sentindo a falta do luar, resolveu ser a altura certa para o abordar. "Que vida esta, aquela que tu levas?" e o homem não lhe respondeu. "Porque não lhe pões fim?" e o homem não lhe respondeu. "Ninguém suporta uma vida assim..." e o homem parou, olhou a morte de frente e, sorrindo sem lhe responder, seguiu-lhe a sugestão. Seguiu em frente, virou à direita, meteu-se pela rua estreita e depois por outra, larga, que dava para a marginal. Atravessou-a, lentamente, direito ao penhasco que havia ali, sobre o mar. Nem ouviu o que se teria ouvido se mais gente por ali andasse. E o carro com travões a fundo e guinando para um dos lados, não evitou o embate...

Uma luz clara inundava todo o branco ambiente que se ia alegrando com os tons coloridos das luzes que iam piscando, de um canto. Abriu os olhos e deu com uma cara de anjo que o não era pois os anjos, que se saiba, não usam estetoscópios pendurados em pescoços bem torneados. A médica sorriu-lhe, "Livrou-se de boa, dorme há três dias. Amanhã, se tudo correr bem, já pode ter alta" e quando ia a sair regressou "Há uma senhora, que tem vindo todos estes dias, deixou-lhe este recado." e estendeu-lhe um papel perfumado. Dizia:
"O governo foi demitido depois da sublevação impetuosa dos sem-abrigo... tu eras o último da lista... Não te incomodo mais. Incomoda-me tu a mim." e tinha um número de telefone de uma rede fixa, no fim.
Rogério Pereira

20 dezembro, 2013

Natal!, apesar de tudo...

NOTA: Quem não se encontre que me desculpe. Considere-se um não ausente!

Natal?

Portugal na rota do tráfico de seres humanos 

 

"

"Calcula-se que há 27 milhões de seres humanos tratados como escravos. Há mais escravos nos dias de hoje do que o número total de pessoas que alimentaram o tráfico negreiro durante quatro séculos.
O tráfico de seres humanos movimenta milhões de euros e é tão lucrativo como o tráfico de droga. Portugal é um dos destinos, mas também ponto de passagem."

Continuar a ler aqui

Ou os humilhados e ofendidos lhes tapam os fundilhos, ou vem aí mais da mesma merda!



Depois de ter feito o serviço, as moscas foram-se revezando, perpetuando o nojo...curiosamente, a 23 de Março de 2011, o coiso-senador dizia a outro coiso para, por favor, não mudar as moscas protegendo a merda feita...

Desde essa data, tem havido merda à farta!

Conta-se tudo à laia da banda desenhada.
Assim:






Em 26 de Abril de 2011, auge da teoria das "inevitabilidades", abri concurso e todas as sugestões tinham cabimento... A merda exposta era já uma enorme bosta... Estiveram, então, presentes todas as moscas-presidentes! 

Em 20 de Setembro de 2012, o Conselho de Estado reuniu as moscas (quase) todas: a merda tinha que ser mantida. Era preciso mudar, mas... mas pouco,  para que tudo continuasse na mesma...
Ou lhes tapam os fundilhos, ou a malta herda mais merda!

18 dezembro, 2013

"Eh, vamos embora / que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / não espera acontecer"


Hitler vs Pavlov: os cãezinhos amestrados e as lufadas de ar fresco (texto roubado)

"Enquanto as manifs na Grécia, Espanha ou Chipre, são quase silenciadas pela nossa comunicação social, a revolta popular em Kiev provocou uma reacção pavloviana nos jornais e televisões cá do burgo. Influenciados pelos congéneres ocidentais, invadem as nossas casas e inundam as pantalhas a toda a hora com imagens da BBC e da Sky sobre a gloriosa e justa revolta popular na Ucrânia, que conta com o apoio declarado de Frau Merkel e da dupla Obama/ Cameron , os Dupont e Dupond da cena política mundial.
(A independência dos jornais no mundo ocidental é igual à que existe nos regimes ditatoriais. A diferença é que nas ditaduras, a comunicação social é controlada pelos governos e nas belas democracias ocidentais é controlada pelo poder económico e financeiro, que dá ordens aos governos que colocaram no poder para melhor poderem defender os seus interesses).

Compreendo a luta dos povos por melhores condições de vida. Compreendo que os povos se revoltem contra ditaduras. Sabia que a apregoada primavera libertadora ia acabar mal, mas nunca critiquei a luta dos povos árabes.
Percebo que os ucranianos lutem pela adesão à UE, embora me pareça que estão a apostar no cavalo errado. (Se o contrato de adesão com a UE for assinado, sem que as exigências de Yakunovitch sejam aceites por Merkel, a Ucrânia irá enfiar-se num atoleiro e, a breve prazo, estará com os mesmos problemas dos países sob assistência. Mais lucros para a Alemanha com a desgraça de outros povos europeus, a única coisa que, além da cerveja faz salivar a dama da Stassi).

Ontem, o presidente ucraniano conseguiu não só que a Rússia reduzisse em mais de 30% o preço do gás, mas também- e mais importante - um apoio de 15 mil milhões de dólares ( a UE não estava disposta a patrocinar um apoio sem condições e pretendia que a UE recorresse ao FMI ) que permitirá à Ucrânia evitar o recurso ao FMI e as medidas de austeridade que Lagarde exigia para conceder um empréstimo.
Compreendo que um país onde a emigração não para de aumentar, é um país mal governado.No entanto, neste aspecto, parece-me que o presidente ucraniano esteve bem. Se a UE queria acolher a Ucrânia ( para depois esmifrar os ucranianos) não tivesse sido arrogante e inflexível. (Nem todos os governantes se chamam Coelhos e Portas, nem estão dispostos a trair o seu povo, com mira em recompensas futuras).
O que não compreendo é que um povo, vergastado diariamente por um governo invasor, dirigido por uma trupe de néscios e obediente na aplicação das medidas exigidas por Merkel, continue impávido e sereno, sem capacidade de reação. Não compreendo, porque sempre detestei cobardes e considero os cãezinhos amestrados uns animais muito idiotas. Iguais a alguns jornalistas que pululam nas redacções.
O que me sinto incapaz de aceitar é a legitimidade das críticas de Catherine Ashton, ou Merkel, à intervenção da polícia e consequente apoio à justa luta popular ucraniana, quando as mesmas condenam a reacção popular dos gregos e nunca tiveram uma palavra para a violência das policias grega, espanhola e até portuguesa, contra os manifestantes que criticam a troika e as esclavagistas políticas europeias em relação aos países do sul, de que elas são acérrimas defensoras.
Quem foi que disse que as mulheres no poder seriam uma lufada de ar fresco, quem foi? Espero que já se tenham arrependido porque, na Europa, ainda não houve uma única mulher que tivesse uma política orientada para a sensibilidade social e, em muitos casos, não passam de histéricas deslumbradas com o poder."

Postado por Carlos Barbosa de Oliveira, no "Rochedo"

17 dezembro, 2013

Fernando LOPES-GRAÇA, 17 de Dezembro de 1906

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 A dimensão do homem e da obra, e as canções que se ouvem na rua... tudo joga
na coerência dele e da gente que o recorda.

16 dezembro, 2013

15 dezembro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 44 (Meu deus, quanta indulgência...)

(ler conversa anterior) 
"Desemprego é vergonha colectiva" 
Gonçalo M. Tavares, numa cavaqueira à maneira
imagem retirada da net
Contive-me. Minha Alma e Meu Contrário decidiram num momento e Eu desisti de ir. Fiquei a pouca distância, e todos eles lá estavam como costumavam. Ao meio, o meu lugar vazio. De que falariam hoje? As professoras certamente dos tais exames... ou do jantar de Natal marcado para os humilhados, ofendidos e sem-abrigo... ou de Mandela... ou de tudo isso. O senhor engenheiro falaria sobre coisas que os humanos partilham nas conversas com rafeiros e daria, por certo, ao seu dócil cão metade do bolo do costume... Olhei-os de longe sem a preocupação de me ocultar. Na verdade até, no meu intimo, desejava que me vissem e que se interrogassem sobre o meu afastamento.
Minha Alma reviu a posição inicial e segredou-me ao ouvido- "vai lá!" - Meu Contrário deu-me idêntico empurrão e Eu não disse que não, fui. Fiz longo o curto caminho dando tempo para burilar as palavras que iria usar em torno da indulgência por parte de quem tem o poder de mudar o mundo e se enreda em palavras frouxas, passivas e, por isso, coniventes...

(Falei disso, mas fiquei sem saber se me deram grande atenção.)

14 dezembro, 2013

Poesia (uma por dia) - 56


A propósito disto aqui lido
Delphica

Desde a orla do mar
Onde tudo começou intacto no primeiro dia de mim
Desde a orla do mar
Onde vi na areia as pegadas triangulares das gaivotas
Enquanto o céu cego de luz bebia o ângulo do seu voo
Onde amei com êxtase a cor o peso e a forma necessária das conchas
Onde vi desabar ininterruptamente a arquitectura das ondas
E nadei de olhos abertos na transparência das águas
Para reconhecer a anémona a rocha o búzio a medusa
Para fundar no sal e na pedra o eixo recto
Da construção possível

Desde a sombra do bosque
Onde se ergueu o espanto e o não-nome da primeira noite
E onde aceitei em meu ser o eco e a dança da consciência múltipla

Desde a sombra do bosque desde a orla do mar

Caminhei para Delphos
Porque acreditei que o mundo era sagrado
E tinha um centro
Que duas águias definem no bronze de um voo imóvel e pesado

Porém quando cheguei o palácio jazia disperso e destruído
As águias tinham-se ocultado no lugar da sombra mis antiga
A língua torceu-se na boca da Sibila
A água que primeiro eu escutei já não se ouvia

Só Antinoos mostrou o seu corpo assombrado
Seu nocturno meio-dia

Sophia de Mello Breyner

13 dezembro, 2013

Aproximem-se !


 photo animated-fireplace.gif

"Aproximem-se!" dizia. Fui. Como não ir? O calor que emanava deu para recordar outra lareira, lembrar odores de lenhas de azinho, figueira e troncos das cepas velhas à mistura com a suavidade, um pouco acre, do café que ela, minha avó, trazia de Lisboa. De fumos, pouco ou quase nada pois a saída fumava bem...
Há idades em que o frio não conta. Agora me lembro que meu avô só não o tinha porque o espaço da chaminé dava para se sentar dentro dela, num maciço tronco que lhe servia de assento, junto ao braseiro. As mãos, secas e mirradas dos anos e das fainas, manejavam com a pericia experimentada em longos serões de inverno, o queijo a côdea e a naifa. Gestos lentos, apenas interrompidos para pegar na malga. O café aquecia-lhe a alma. A minha avó, essa, aquecia com a lida. Não parava. Eu nunca tive frio naquela casa, embora fosse pouco o tijolo, a telha fosse vã e o postigo mal encostasse, dado o empeno da madeira... Eram assim as férias de Natal, num encantamento que era prolongado com a euforia da chegada da família. Pai, mãe, irmã, tios, primos. Uma casa cheia de gente, sem presépio nem árvore enfeitada, nada... Na véspera, a ceia era prolongada e terminava com meu avô recitando Aleixo e eu cantando canções do Joselito. Na manhã do dia, por sobre o sapatos deixados junto à cinza da chaminé, os parcos brinquedos eram uma outra chama alvoraçando a nossa imaginação. Depois... depois era a abalada.
Nunca tive frio naquela casa...

Oeiras, uma ilha de bem estar? - 6

Oeiras, diz-se do concelho, é uma ilha de bem-estar. Se o foi, tende a deixar de o ser pois ninguém escapa ao que está a acontecer. Mesmo para a classe média a vida complica-se. Em recente reunião do executivo da Câmara Municipal, Daniel Branco (vereador da CDU), denunciava a situação de se ir passar a estar, pela aplicação do orçamento em discussão, num concelho à beira do impossível. Diz Daniel Branco, na declaração de voto em que a CDU rejeita aquele documento:
"Sem fazer uma busca exaustiva de tudo quanto os nossos munícipes terão que pagar para o funcionamento do poder local no próximo ano, basta apontar quatro ou cinco rúbricas. Á cabeça, o valor do IMI, estimado em 31,899 M€, logo de seguida, o conjunto das taxas cobradas pelos SIMAS, que andarão pelos 28,040 M€, às quais acresce ainda a Taxa de Resíduos Sólidos, que está prevista em 6,279 M€, e o Imposto Único de Circulação com 9,746 M€. Se somarmos tudo, ficamos com o valor global de 75,946 M€... de acordo com o Censo de 2011, existem em Oeiras 71.584 famílias residentes, isto significa que, em média, cada família pagará para o município 1.061 € em 2014." citação retirada do facebook, página CDU Oeiras
Como podemos entender pelos dados abaixo apurados, é tudo a somar...


11 dezembro, 2013

Uma sondagem que pré-anuncia um momento de viragem e a Lei de Pareto

A Marktest é reputada em estudos de... mercado. O mercado da opinião não lhe é excepção. A imprensa é cliente importante e atenta. Quando determinada tendência cresce, pimba!, a imprensa encomenda. Encomenda para saber orientar o que deve meter em primeira página, como deve criar sobressaltos e casos ou produzir omissões. É assim que tem acontecido. E tem assim funcionado.
Desde cedo percebi que tinha que concorrer com as minhas sondagens e fui-as fazendo utilizando a base e o mesmo modelo de dimensionamento das classes sociais que a Marktest segue. Essa orientação que vinha seguindo está prestes a ser desaconselhada por errada. Está de facto ultrapassada. Diz-me a Lei de Pareto:

20% vivem à custa da insatisfação, dor e empobrecimento de 80% da população

Segundo a minha sondagem de hoje, há algo errado


Com a concentração da riqueza, devem ser 20 e não 17,4% os satisfeitos com este orçamento (A e B). E as classes média (C1) e média baixa (C2) já deviam estar claramente esclarecidas sobre o que vai acontecer às suas vidas... Devem ser menos os que ainda comparam a lei do orçamento com a constituição sem saberem para onde se virar. 26,7% é a dimensão dos acordados em vias de chegarem a actos? Devem ser muitos mais... O modelo está marado!





Não compreendeu nada do que leu? Nem sabe interpretar o que diz Pareto? 
Não faz mal. Acredite em mim, é assim: 

Olhe o gráfico ao lado e pense um bocado. Basta que a CDU cresça mais um pouco e atinja os 20% para que 80% fiquem a pensar que as coisas vão, de facto, mudar!

Boa?

10 dezembro, 2013

"Chalana" - 2 (o discurso e o acto)



Ele disse que quando se sente à beira de desistir, abre a gaveta onde guarda o caderno dos seus Pequenos e Grandes Troféus, onde aponta as vitórias do dia-a-dia, e procura nesse seu diário o alento. Podia, naquela hora e perante aquela Assembleia, ler milhares de páginas, tantas quantas as vitórias e mágoas. Não o fez. Obrigado pelo discurso e pelo acto. 

PS: Caso a imprensa dê o merecido destaque, reeditarei este post com tal actualização. 

E como o prometido é devido, cá vai

09 dezembro, 2013

"Chalana" - 1 (“Troco esta medalha por outro modelo de desenvolvimento económico”)


"Chalana" é um camarada, filiado no partido em que milito. Vai receber a medalha atribuída pelo júri do Prémio Direitos Humanos constituído no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República. Ele escreveu, no discurso que preparou para amanhã: “Troco esta medalha por outro modelo de desenvolvimento económico”.

Palavras que todos esperamos.

... e este é o modelo que ele (e eu) quer  ver trocado:


Este vídeo é o primeiro dos oito que perfazem a obra "Os Esquecidos"...

08 dezembro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 43 (rádio, televisão e um iPad sempre à mão)

(ler conversa anterior)
"...O rádio traz notícias do centro e assim o ouvido das pessoas que vivem na periferia torna-se uma parte fisiologicamente central, fisiologicamente atualizada." 
Gonçalo M. Tavares, Noticias Magazine

O cão rafeiro do senhor engenheiro percebeu que eu não tirara os olhos da Gaby e foi farejá-la, talvez para se assegurar que estava tudo bem. Levou como resposta uma festa que lhe foi concedida, distraidamente. Depois sentou-se, a olhar ora um ora outro, apenas movendo a menina dos olhos. Longos foram os minutos que duraram a navegação e de link em link eu percebia por onde a Gaby ia passando. Era o itinerário que o meu post tinha traçado.
Quando acabou, levantou-se e dirigiu-se à minha mesa, coisa que não fazia há muito. Posso? disse, enquanto se sentava sem esperar a resposta. O que escreveu, deixou-me confusa. Se não fosse Cuba... se não fosse a batalha de Cuito Cuanavale a viragem não se daria, o apartheid ainda seria uma realidade e a morte de Mandela nem sequer seria difundida? É isso?
- A história não se escreve com "ses"...
- Mas é o próprio Mandela que reconhece que foi a intervenção cubana a viragem para a luta de libertação...
- É um facto. Outro facto foi a intensa movimentação da opinião e até a diplomática contra aquele regime, nomeadamente na ONU, mas o facto decisivo foi a existência da luta do ANC e do seu líder...  qualquer um, isoladamente, seria insuficiente...
- O contexto em que Mandela lutava foi mudado... por tudo isso?
- Humanizou-se a circunstância!, disse sorrindo e acrescentou - A foto é linda, amanhã vou-me encher de coragem e mostrá-la... na aula!
Só então percebi que a Gaby era professora de história. Amanhã dará uma aula fora do programa.


07 dezembro, 2013

Quero! Quero regressar "Para os Braços da Minha Mãe"!


QUERER
"Ninguém sai donde tem paz",
- diz-se na canção.
Parecendo que não
desejar regressar aos braços de nossa mãe
pode ser um desejo tido por terno . Pode ser violento
se for entendido como mais que um desejo, mais que um lamento
(a maior violência é uma partida não querida)
Com um querer, pode tudo acontecer...

06 dezembro, 2013

Mandela, ainda (e sempre)!

imagem retirada da net
Parece haver unanimidade, mas sabemos que não é sincera  e é até hipócrita. Sabemos que há gente que junta as palavras por ele ditas e as expõe com falsas lágrimas preparando-se para a assimilação romantizada da sua figura, da sua luta e da sua importância histórica. Não faltarão t-shirts, mochilas e outra bugigangas a eternizar-lhe o sorriso num mercantilismo estudado. Como o não podem omitir, assimilam-no. Reduzem-lhe a expressão da verdadeira dimensão, neutralizam-lhe o exemplo que é a forma segura de não ser seguido. 

Adore-se o nome, nem importa o resto. Venere-se, pois venerar é o meio caminho entre o querer ir e o ficar parado...

Não esquecer que Mandela foi um homem com partido. Com o partido, geriu a luta quando era a hora de lutar e geriu a paz quando esta era a solução.
Que nos fique o legado da sua enorme sabedoria; como espelho, o seu olhar. Que nos fique sobretudo a memória dos gestos e o exemplo do feito, mais que a palavra!
"Cuito Cuanavale foi a viragem para a luta de libertação do meu continente e de meu povo do flagelo do apartheid"

05 dezembro, 2013

Mandela, in memoriam - "... há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis" - escreveu Brecht


Há homens que nunca se despedem de nós, nem nós nos despedimos deles... estão aqui!
Invictus
Dentro da noite que me rodeia
Negra como um poço de lado a lado
Agradeço aos deuses que existem
por minha alma indomável

Sob as garras cruéis das circunstâncias
eu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas continua erguida

Mais além deste lugar de lágrimas e ira,
Jazem os horrores da sombra.
Mas a ameaça dos anos,
Me encontra e me encontrará, sem medo.

Não importa quão estreito o portão
Quão repleta de castigo a sentença,
Eu sou o senhor de meu destino
Eu sou o capitão de minha alma.

William Ernest Henley

Redacções do Rogérito 17 - "Os selos, a venda e a renda"

Tema: "A privatização dos CTT" 

A minha p´ssora deu-me um tema que me mete pena pois eu sempre que escrevo cartas gasto selos e os selos eram valores do Estado e sempre que eu escrevia cartas o lucro era maior e os correios devolviam ao povo por portas e travessas e por outras formas como sejam as próprias escolas e outras coisas assim a que chamam serviço público e que agora tudo isso muda e eu tenho pena de ter mudado.
Os selos continuam a sê-lo mas foi-lhes alterado o preço para fazer interessar os desiludidos das raspadinhas a comprar ações que é uma espécie de euromilhões com prémio como os do casino que dá muita nota a quem aposta muito e a vizinha do quarto andar disse que gastou à brava mas a dona Esmeralda disse-lhe ser quase nada o que aconteceu a muita gente que fez com que o governo ficasse muito contente.
O pior mesmo mesmo é que quem comprou às carregadas foram os estrangeiros que vão depois levar os dividendos lá para a terra deles fazendo com que o País perca no rendimento a troco de dinheiro que arrecada  para pagar a divida malvada que não se dá parada e não se admirem por eu saber estas estas coisas todas porque o senhor Eugénio as explica direitinho não sendo bruxo nem adivinho.

Quando o povo perceber o que está acontecer vai amandar com um grande selo na fronha deste governo.
Rogérito

PS: Não sei se a p´ssora vai-me dar boa nota é que ela com o exame que tem à porta também não sabe se passa e anda de muito mau humor a comentar que a vida dela é uma desgraça.

04 dezembro, 2013

A flauta (aquela que agora me faz tanta falta)

(reeditado)
"Não vás para o calor, filho." Minha avó era a mãe de todos os filhos deste mundo. Tratava-me assim a mim e a todas as crianças da vizinhança e as que por lá apareciam. Eu obedecia-lhe enquanto me lembrava, depois disso, não, e metia-me quinta fora descobrindo coisas de descobrir e encantar. Naquele dia, o sol estava tão abrasador que até meu avô decidira suspender a sua faina e sentar-se junto ao palheiro, debaixo de uma velha oliveira, há muitos anos plantada junto a um pequeno canavial. Sentara-se a fumar o que eu entendia ser sinal de valer a pena me aproximar e tomar-lhe um pouco da sua atenção. Foi o que aconteceu. Olhou-me e percebeu que eu esperava dele qualquer coisa daquelas que costumavam acontecer quando lhe aparecia e tinha tempo para me dar. Decidiu-se nesse dia por coisa que não tinha feito antes. Levantou-se, andou uns metros, poucos, curvou-se sobre uma das canas, a mais verde e a que lhe parecia mais adequada, e cortou-a com a navalha. Aquela navalha, sempre afiada e que sempre lhe vira usar em tão variados usos, desde cortar o queijo e os côdeas de  pão, cortar erva para os coelhos ou podar as videiras, até o que agora ia fazer, com aquela pequena cana. Não sabia o que seria, mas não perguntei para não quebrar o encanto do que ia acontecer. Seus gestos eram certeiros, como se não fizesse outra coisa na vida senão executar, com precisão, pequenos recortes numa verde cana, que ia cortando. Cortou primeiro um segmento, para aí com um palmo, dos dele ou o dobro o triplo dos meus. Depois um pequeno orifício, entalhado. Tinham-se passado alguns minutos sem palavras. Não eram necessárias pois lhe bebia atenciosamente os gestos. "É uma flauta" - disse, percebendo que me interrogava sobre o que seria. "É uma flauta igual à daquele menino, de uma cidade distante, tão distante daqui, que se tu quisesses lá ir e partisses agora, só lá chegarias velho. Velho como eu" - abanei a cabeça  para dar a entender que percebia a distância. "...e foi há muito tempo atrás, há tanto, que para assistir ao acontecido apenas o avô do avô do meu avô o poderia ter visto" - abanei a cabeça, à mesma, dando a entender que percebia o há tanto tempo que tinha sido, e ele continuou a contar, enquanto eu ia dividindo a minha atenção entre o que habilmente fazia e o que ia contando: "...pois essa cidade foi invadida por ratos pequenos mas que se transformaram, com o tempo, em ratos cada vez maiores. Ratos enormes e gordos. Enormes e maus, que tudo roíam e destruíam, espalhando o terror e pondo os habitantes da pacata cidade fechados em casa, sem saírem dela. Os ratos tomaram conta da cidade e só faziam e espalhavam maldade.  O governo e os senhores que faziam leis e tomavam conta da ordem na cidade, deixaram de o poder fazer." - eu ia ouvindo e me impressionando com o conto, com o rosto dele - tão sereno - o com os movimentos das mãos, que tinham abandonado a navalha e iam agora colocando uma folha de papel da sua carteira de mortalha e que lhe servia, normalmente para fazer os cigarros. -  "Então os mais velhos da cidade, reunidos, resolveram  fazer saber que dariam grande riqueza a quem salvasse a cidade. Logo alguém, pequeno como tu, apareceu oferecendo-se para o fazer a troco de nada." - Nesta  altura a mortalha estava colocada e o trabalho pronto. Faltava só experimentar. mas continuou a contar - "O menino que se tinha oferecido, foi para a rua e todos os vizinhos se inquietaram com tal acto que lhes parecia muito arrojado e cheio de perigo, pois os ratos nunca perdoaram a quem antes o tinha tentado. Foi então que o menino, tirou da pequena algibeira uma flauta igual a esta. E tocou. Tocou alto, uma melodia tão bela e que a cidade nunca ouvira. Ficou tocando e os ratos foram aparecendo, mas sem atacar o menino. Quando a praça estava pejada de ratos o menino foi andando, andando e tocando. Tocando e andando. E os ratos atrás dele como que encantados pela melodia que o menino ia tirando daquele pequeno instrumento." - Meu avô parou de contar e experimentou a flauta que tinha acabado de fazer. Soprou-a devagarinho e o som saiu baixinho. Meu avô sorriu, orgulhoso do feito e retomou o conto. "O menino com todos os ratos da cidade atrás dele saiu, pelo grande portão, que as cidades tinham então. Quando percebeu que todos tinham saído e já nenhum rato ficara dentro parou de tocar e correu, correu, correu. Correu, entrou na cidade pelo portão de onde saíra e fechou-o dando sete voltas à chave. Toda a cidade aclamou o salvador, cantou e dançou enquanto os ratos, lá fora, sem ter que comer, acabaram por morrer" - Eu fiquei tão contente como se fizesse parte daquela cidade de antigamente e recebi das mãos do meu avô a flauta pronta e experimentada. Metia-a cuidadosamente no meu pequeno bolso. Dias a fio, daqueles que se seguiram, frequentemente tirava a flauta do bolso e tocava-a. Garanto-vos que mil ratos enormes, disformes, centenas de dragões e toupeiras daquelas que arrasam batatais e outras sementeiras, me seguiam até passarem para lá do portão da quinta, que eu imaginava ser o portão, como as cidades do conto tinham então...
Rogério Pereira
NOTA DO AUTOR - Os contos do meu avô eram, como já referi em anterior post, reconstruções ou adaptações de outros que mais tarde fui descobrindo na sua versão original. Este, reconto como a memória me permite, é um muito livre plágio de um conto, célebre, dos irmãos Grimm: "O Flautista de Hamelin". Esta versão é mais interessante que a original em tudo e até na moral.

03 dezembro, 2013

Se_mentes... Não faz mal, o sonho é uma mentira querida e a realidade uma mentira imposta

Chegou pelo correio, porque não pude ir. Olhei o volume. Voltei a olhá-lo e pu-lo de lado. Aguardei o momento para a emoção.
Chegada a hora, abri e li:
"...uma amizade, que floresceu, como o alecrim, no monte. Sem necessitar de cuidados, adubos, artifícios..."
30/11/2013
Lídia Borges
Nem pensar revelar toda a dedicatória, mas não posso esconder o que tanto desejo: ver a amizade a proliferar por aí, como o alecrim.  
Sementes daqui já temos, agora basta-nos um pequeno sopro, um pouco de vento...  e esperar que a amizade se espalhe e vá por aí...


São reflexões poéticas, diz-me ela...
Desamparados de céu e terra, os homens afundam-se
até à raiz na água turva da própria contradição
divididos entre a angústia de terem preço
e a esperança da libertação
Lídia Borges, in "Sementes daqui", sem titulo, pág. 20

02 dezembro, 2013

A caridade institucionalizada da Jonet... e a esperança de que fala Francisco


No ano passado este tema já era aqui comentado 
 
Cada vez mais os entrevistados à porta das "solidárias" (e interessadas) grandes superfícies referem que doam porque temem que um dia serão eles próprios a precisar. Rendem-se ao que julgam serem inevitabilidades: o empobrecimento; a institucionalização da caridade. A sociedade civil mobiliza-se minimizando a fome de poucos dias mas a instituição cresce, contando com a fome de todos os dias. O modelo "banco" potencia dádivas futuras. É uma espécie de "depósito a prazo", um seguro. É essa a mensagem subliminar que passa com a força necessária para que a procura cresça e a oferta se reforce.  À salvação da alma pela prática do amor ao próximo e à generosidade intrínseca da natureza humana, junta-se a convicção perigosa de que o Estado Social faliu. Com quase mais funcionários que a Segurança Social e sem encargos pesados, a instituição aprimora o funcionamento, reforça os meios de organização, agiliza a logística e dinamiza a marca. É um monstro que se insinua querido. Enquanto as IPSS procuram a sua sobrevivência e os seus trabalhadores desesperam, o "banco alimentar" ganha economias de escala e aumenta o trabalho voluntário. Este ano houve uma ligeira quebra...

Até Cristo teria hoje dificuldades em ser cristão e certamente não lhe dariam tempo de expulsar os vendilhões do templo, nem espaço para semear a esperança.
"Algumas pessoas se gabam, enchem a boca com os pobres; instrumentalizam os pobres por interesses pessoais ou do próprio grupo. Eu sei, é humano, mas não está bem!.... E digo mais: é pecado! É um pecado grave, porque é ‘usar’ os necessitados, os que necessitam, que são a carne de Jesus, para a ‘minha vaidade’. É um pecado grave! Seria melhor que estas pessoas ficassem em casa!"
(...) "a força da comunidade cristã é fazer crescer a sociedade desde o interior, como a levedura... Não se deixem roubar a esperança, ao contrário: semeiem-na". 
 - Papa Francisco, aqui

01 dezembro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 42 (Cartão de Cidadão)

(ler conversa anterior)
"...Poderá dizer-se, então, que os sentimentos são estados intermédios entre os números e as palavras. Entre a matemática e a literatura está um senhor que sente. E como ainda não foi inventada a terceira ciência, esse documento de arquivo falha porque não tem números nem palavras para definir as emoções do senhor que ainda está, apesar de tudo, vivo.
A ficha de um cidadão, o documento que o identifica, além dos números das datas de nascimento e da altura, grande ou pequena, e além dos nomes próprios e de família e do sítio onde vive... em suma, além dos números e das palavras, deveria ter versos. É uma proposta - disse o senhor Voltaire. - Uma proposta."
Gonçalo M. Tavares, in Noticias Magazine

A esplanada estava vazia. Distraidamente comecei a contar as cadeiras. Parei de contar mais ou menos a meio, interrompido por Minha Alma que me inquiria se o texto do dia me parecia acertado parecendo a ela pertinente que a identidade de cada um de nós devesse conter versos. Meu Contrário também concordou poder ser perfeitamente identificado com números e palavras, desde que caracterizassem o meu juízo. Não lhes liguei logo e Eu continuei a contar as cadeiras a partir do ponto em que tinha parado. No fim questionei-os: "quem não tiver versos no cartão de cidadão deve ser  detido, por indocumentado? Se a resposta for sim, sugiram-me a moldura penal para as almas sem poema!"

Enquanto matutavam na resposta, chegou o senhor engenheiro, eufórico quase gritava, brandindo no ar a revista: "«Entre a matemática e a literatura está um senhor que sente» leu? Lembrei-me logo de si!"