06 janeiro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 22 ( ...e o Bloco Central é o que nos vai salvar)

(Ler conversa anterior)
"- Os animais selvagens são capazes de nos engolir com um apetite manso, um apetite tranquilo. 
- Eles são selvagens e cruéis de uma forma natural. Sem esforço. 
- Praticam a crueldade como quem pratica fitness ao domingo. São maus e cruéis para manter a forma, para não ganhar barriga... para não se aburguesarem, no fundo. A crueldade animalesca como actividade de lazer. (...)"
O miúdo fez como já tinha feito, beijou repetidamente o rafeiro...

A esplanada parecia a minha casa. Parecia o dia de festa, o dia do meu aniversário em que apareceram todos. Agora, como lá, trocavam-se cumprimentos, sorrisos, beijos e comentários: "Foi tão bonito...", "Tem uma linda casa...", "Não suponha que tinha tantos amigos...", "São profundos os seus escritos...", "É comuna?"
Eu era, assim, o alvo de todas as atenções, perante o ar enciumado do senhor engenheiro e o olhar (que parecia) divertido do seu cão rafeiro. Entretanto foram-se acalmando, a Teresa estendeu o Expresso sobre a mesa e a Gaby ia mostrando à Ana as cenas que perderam, do final da "Casa dos Segredos". Ninguém falava na ausência da Rita, até que esta apareceu. Trazia pela mão o filho e este logo a largou e correu direito a mim. "Give me five", disse levantando a mão, enquanto com a outra afagava o cão rafeiro e com um sorriso cumprimentava o engenheiro. Quando bateu na minha mão, com força, teatralizei um esgar de dor...
- "Está terrível de aturar, a avó estraga-o com mimos..."
- "É natural, é avó..."
- "É demais... desde que lá estamos em casa..."
- "Agora estás em casa dos teus pais?, e o teu marido?"
- "Separei-me... a vida estava insuportável... Além de, como sabem, ele me bater, agora não dava nenhum dinheiro em casa... o ordenado mínimo mal lhe chegava e o pouco que lhe sobrava nem sei o que dele fazia... tinha de acontecer, mais dia menos dia"
Fez-se um silêncio, aquele que é próprio quando todos não sabem bem o que dizer. E foi ainda a Rita quem o veio quebrar, voltado a falar:
- "Às vezes penso que o amor dele se converteu em raiva por não se julgar útil... por não poder ajudar..." 
Voltou o silêncio e o nosso foi como se déssemos, à sua conclusão, o nosso consentimento.
- "Este coiso está tão manso..." e apontava, no jornal, a foto de Cavaco, "nem parece o mesmo que disse o que disse... agora começo a atar as pontas e a encontrar sentido no que disse o Seguro e hoje o Balsemão..."   
- "E que disse o Balsemão?"
- "Esse sabe-a toda... tranquilamente vamos ser abocanhados pelos mesmos de sempre, estamos entregues aos bichos!"
O diálogo tinha ocorrido sem intervir nele. Não era necessário. Levantei-me e despedi-me lembrando a data. "Bom Dia de Reis", responderam todos...  e o miúdo veio-me dar um aperto de mão, comprovando que a mãe não tinha razão. Era um miúdo calmo.

10 comentários:

  1. Mas quando é que essa geração se levanta de vez!?
    Talvez o miúdo...

    Abraço

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  2. Há sempre uns sabedores das coisas encobertas que vêm levantar o pó...

    Beijinho

    Laura

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  3. E a ligação lá permitiu, algures, entre a décima e a vigésima tentativa... mas, agora em relação ao bloco central, será que "eles" têm a inocência do animal selvagem que, mesmo contrariando o Gonçalo M. Tavares, desfaz as suas vítimas apenas para saciar uma fome genuína e muito biológica?

    Tenho comigo o Jesusalém e ainda não consegui tempo para o ler... porque me conheço bem, sabes? Se me deixo apaixonar, não largo enquanto não acabar... e repetir, repetir, repetir até o sentir despojado de toda a surpresa...

    Abraço!

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  4. E assim devagarinho e com calma vamos sendo devorados :(

    beijinho e boa semana


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  5. Vês, Fê Blue Bird? Alguns de nós mostraram ser bem indigestos... mostremo-nos cada vez mais indigestos! Tão indigestos que possamos provocar, no desgoverno, a atitude do reflexo condicionado... por enquanto, digo eu... querem-nos receosos? Pois atentem que também sabemos e podemos provocar algum medinho quando nos não tratam com o devido respeito...

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  6. Sentados, calados e mansamente devorados...é como está esta geração...

    Boa semana, meu amigo.

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  7. Mas quando é que o Rogério aproveita o ensejo da plateia ociosa e apática da esplanada, se levanta, pede a palavra e faz um daqueles seus discursos de fazer mexer a manada?
    Que raio, isto de só lhe perguntarem se é comuna e afirmarem que são belos e profundos os seus escritos, não altera nada. Há que mudar as atitudes e as mentalidades, my brother...
    Ir para a esplanada para ser devorada, não conte comigo, Rogério!
    Beijo.

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  8. Cozinhados... Faço minhas as palavras da Fê.

    A foto está uma delícia! Valham-nos as crianças e os animais!

    Boa semana.

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  9. Janita,

    Há no meu texto um comportamento alterado. O JRD deu por isso... temos que ter paciência e saber esperar. Isto vai durar a mudar...

    (e não muda com discursos)

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  10. Olá, Rogério
    Tive pena de faltar à festa, mas só ontem regressei a Lisboa e não pude comparecer. De qualquer modo, aqui ficam os meus parabéns atrasados.
    Quanto ao resto, parece que os tugas estão a gostar. Pelo menos é o que depreendo da sondagem hoje publicada. Apesar de a credibilidade ser quase nula, não deixa de ser espantoso...
    A partir de amanhã. completdas as visitas aos amigos e vizinhos, volto à normalidade.
    Abraço

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