27 fevereiro, 2013

"Caritas in Veritate" - O papa escreveu um texto inapropriado como o meu... dizem que foi pelo corpo que ele foi vencido... eu acho que foi pelo seu escrito - 2


Hoje foi o seu último dia,
não quero falar disso, mas do seu escrito...

Passemos adiante sobre o que acho ou deixo de achar. Falemos do escrito, preso que fiquei ao sublinhado já feito de palavras suas:"Não posso «dar» ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça."
Depois de  ler "Veritas in Veritate", fiquei com duas certezas: nem é um panfletário libelo contra o neoliberalismo, nem é um documento inócuo. No entanto posso concluir que, para além de sectores tocados pela firmeza com que afrontou a pedofilia, outros sectores terão ficados incomodados com a conduta deste Papa. Uns somados a estes outros, terão estado no caminho para este desfecho.
 
Para (minha) memória futura, transcrevo, da citada carta encíclica, estes escritos:
"O lucro é útil se, como meio, for orientado para um fim que lhe indique o sentido e o modo como o produzir e utilizar. O objectivo exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum, arrisca-se a destruir riqueza e criar pobreza. Pg 11

... o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global...
... as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de protecção eficaz por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e económicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo facto de os governos, por razões de utilidade económica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos próprios sindicatos. ... Queria recordar a todos, sobretudo aos governantes que estão empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: «com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social». Pg.13

... O aumento sistemático das desigualdades entre grupos sociais no interior de um mesmo país e entre as populações dos diversos países, ou seja, o aumento maciço da pobreza em sentido relativo, tende não só a minar a coesão social - e, por este caminho, põe em risco a democracia … Pg.17

... Os pobres não devem ser considerados um «fardo» mas um recurso, mesmo do ponto de vista estritamente económico. Há que considerar errada a visão de quantos pensam que a economia de mercado tenha estruturalmente necessidade duma certa quota de pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo.
...Um dos riscos maiores é, sem dúvida, que a empresa preste contas quase exclusivamente a quem nela investe, acabando assim por reduzir a sua valência social.  ...
...Apesar de os parâmetros éticos que guiam actualmente o debate sobre a responsabilidade social da empresa não serem... todos aceitáveis, é um facto que se vai difundindo cada vez mais a convicção de que a gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários da mesma... Nos últimos anos, notou-se o crescimento duma classe cosmopolita de gerentes, que muitas vezes respondem só às indicações dos accionistas da empresa constituídos geralmente por fundos anónimos que estabelecem de facto as suas remunerações.
...Tudo isto - há que reafirmá-lo - é válido também hoje, não obstante o mercado dos capitais tenha sido muito liberalizado e as mentalidades tecnológicas modernas possam induzir a pensar que investir seja apenas um facto técnico, e não humano e ético. Pg.22/23
... a economia tem necessidade da ética para o seu correcto funcionamento; não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da pessoa. Hoje fala-se muito de ética em campo económico, financeiro, empresarial. Nascem centros de estudo e percursos formativos de negócios éticos; difunde-se no mundo desenvolvido o sistema das certificações éticas, na esteira do movimento de ideias nascido à volta da responsabilidade social da empresa. Os bancos propõem contas e fundos de investimento chamados «éticos». Desenvolvem-se as «finanças éticas», sobretudo através do micro-crédito e, mais em geral, de micro-financiamentos. Tais processos suscitam apreço e merecem amplo apoio. Os seus efeitos positivos fazem-se sentir também nas áreas menos desenvolvidas da terra. Todavia, é bom formar também um válido critério de discernimento, porque se nota um certo abuso do adjectivo «ético», o qual, se usado vagamente, presta-se a designar conteúdos muito diversos, chegando-se a fazer passar à sua sombra decisões e opções contrárias à justiça e ao verdadeiro bem do homem. Pg. 26

... Às vezes sucede que o destinatário das ajudas seja utilizado em função de quem o ajuda e que os pobres sirvam para manter de pé dispendiosas organizações burocráticas que reservam para sua própria conservação percentagens demasiado elevadas dos recursos que, ao invés, deveriam ser aplicados no desenvolvimento. Pg.28

... A desertificação e a penúria produtiva de algumas áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações que as habitam e do seu atraso... Um acordo pacífico sobre o uso dos recursos pode salvaguardar a natureza e, simultaneamente, o bem-estar das sociedades interessadas. A Igreja sente o seu peso de responsabilidade pela criação e deve fazer valer esta responsabilidade também em público. Ao fazê-lo, não tem apenas de defender a terra, a água e o ar como dons da criação que pertencem a todos, mas deve sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo. Pg 29/30 
Leitura integral, aqui 

7 comentários:

  1. Claro que não espero que leiam tudo isto. Mas é histórico ficar com este registo...

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  2. O Papa comparou Deus a Cavaco. Pensava eu que era pecado...

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  3. vou ler o documento. merece atenção.

    abraço

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  4. Quando Ratzinger se queixa de que enfrentou momentos difíceis em que parecia que o Senhor estava adormecido, "identifiquei-me" com ele, sabes?

    Acho que tomou sobre os seus ombros a cruz da maioria dos portugueses, que estão a sofrer horrores para nada e têm um zombie caloteito em Belém, que nada faz!

    Dorme bem

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  5. realmente é muito interessante, não tinha ideia deste discurso tão 'atento'à sociedade actual, não é comum das hierarquias católicas...

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  6. ...já guardei o link - vou imprimir e leio depois (agora não dá, meu caro).

    da leitura em diagonal fica desde já a ideia de que a lucidez pode chegar tarde, mas será sempre a horas, bem como a palavra…

    grata pela partilha, bfs.
    Mel

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  7. Atenua-se o odor da naftalina, será?!

    Obrigada pelo documento.

    Um beijo

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