30 agosto, 2013

Portugal arde por (quase) todos os lados, ou, o fogo lento e as chamas vivas... [reeditado, com ajustes]

O texto repete o editado em Setembro do ano passado, mas a foto é diferente. Foi retirada daqui

Portugal arde por (quase) todos os lados. Os portugueses, vão ardendo em fogo lento, muitos, que nem sapos, sem sentirem que a temperatura chegará ao ponto em que serão cozidos, mansamente, sem darem por nada ou quando derem será tarde. Arde o território nacional. Uns e outros ardem e sustenta-se que tal acontece pela inevitabilidade do não haver mais nada a fazer. Num caso é por razões "explicadas" até à exaustão. Noutros é porque a temperatura se eleva, o tempo não ajuda e há pirómanos por todo o lado. O carneirismo aceita tudo isso, pois tudo isso é "bem explicado"!
Mas, como dizia ao principio, nem todo o Portugal arde. Nem ardem todos os portugueses, nem todo o território está ardendo. Falando de fogos florestais há áreas imensas onde o fogo pouco ou nada entra. São áreas de interesse económico claro, associada à exploração florestal, da Portucel-Soporcel e do Grupo Amorim... O que quer dizer que, se há rentabilidade económica numa dada exploração, ela não arde não (ou arde pouco). O facto, o principal facto, é que há uma riqueza nacional convertida em pouco mais que mato. E o mato despreza-se e ... arde. A principal causa dos incêndios é resultado do desleixo e da falta de aproveitamento dessa riqueza imensa que é a floresta portuguesa. A principal, mas não a única. Some-se àquela a desertificação do espaço rural e a falta de prevenção. Sobre este último aspecto, leia-se este artigo
Estamos (quase) todos a arder? Estamos!, e com vossa permissão, podem crer!
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AQUI, OUTRA LEITURA INDISPENSÁVEL 

Em anexo: Artigo publicado no Agroportal e sitio da Afocelca

29 agosto, 2013

Mia Couto e uma antiga carta (actual, à farta)


Senhor Presidente:

Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra. Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito. Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir ? A nossa arma de destruição massiva estava, afinal, virada contra nós: era a fome e a miséria...
(...)
Pois eu, pobre escritor de um pobre país, tive um sonho. Como Martin Luther King certa vez sonhou que a América era uma nação de todos os americanos. Pois sonhei que eu era não um homem mas um país. Sim, um país que não conseguia dormir. Porque vivia sobressaltado por terríveis factos. E esse temor fez com que proclamasse uma exigência. Uma exigência que tinha a ver consigo, Caro Presidente. E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à eliminação do seu armamento de destruição massiva.
Por razão desses terríveis perigos eu exigia mais: que inspectores das Nações Unidas fossem enviados para o vosso país. Que terríveis perigos me alertavam? Que receios o vosso país me inspiravam? Não eram produtos de sonho, infelizmente. Eram factos que alimentavam a minha desconfiança. A lista é tão grande que escolherei apenas alguns:

- Os Estados Unidos foram a única nação do mundo que lançou bombas atómicas sobre outras nações;- O seu país foi a única nação a ser condenada por "uso ilegítimo da força" pelo Tribunal Internacional de Justiça;
- Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas (incluindo o terrorista Bin Laden) a pretexto de derrubarem os invasores russos no Afeganistão;
- O regime de Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquanto praticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1998);- Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico;
- Como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi por vossos agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que ele deixou de ser conveniente, em 1992;- A invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi "o assunto é da responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade";
- O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant um dos líderes mais sanguinários do Taiti cujas forças para-militares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades solicitaram a sua extradição. O governo americano recusou o pedido.
- Em Agosto de 1998, a força aérea dos EUA bombardeou no Sudão uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Saalam. - Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três países.
- Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados. A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa.- Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA bombardearam: a China (1945-46), a Coreia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo (1964), o Peru (1965), o Laos (1961-1973), o Vietename (1961-1973), o Camboja (1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983), Líbano (1983-1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a Nicarágua (1980), o Irão(1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999).
- Acções de terrorismo biológico e químico foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país.
- O Wall Street Journal publicou um relatório que anunciava que 500 000 crianças vietnamitas nasceram deformadas em consequência da guerra química das forças norte-americanas.
(...) 
Senhor Presidente:

Sua Excelência parece não necessitar que uma instituição internacional legitime o seu direito de intervenção militar. Ao menos que possamos nós encontrar moral e verdade na sua argumentação. Eu e mais milhões de cidadãos não ficamos convencidos quando o vimos justificar a guerra. Nós preferíamos vê-lo assinar a Convenção de Quioto para conter o efeito de estufa. Preferíamos tê-lo visto em Durban na Conferência Internacional contra o Racismo. Não se preocupe, senhor Presidente.
A nós, nações pequenas deste mundo, não nos passa pela cabeça exigir a vossa demissão por causa desse apoio que as vossas sucessivas administrações concederam apoio a não menos sucessivos ditadores. A maior ameaça que pesa sobre a América não são armamentos de outros. É o universo de mentira que se criou em redor dos vossos cidadãos.
O perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o seu governo. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA. Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos. Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação e consumo de diminuídos mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção massiva: a capacidade de pensar.


Mia Couto
Ler carta na integra, no "O Castendo"

27 agosto, 2013

Sarin


Sarin!
Dito assim, até parece uma doce palavra de ordem sobre a desordem. Escrevia Gonçalo M. Tavares, ontem por mim citado, que para haver desumanidade basta haver comportamento humano. É verdade. É uma trágica verdade. Mas há outra verdade. Os desumanos vestem a pele da humanidade para fazer prevalecer interesses. Está para acontecer o que nos prepararam para que aconteça. Nem importa sequer que existam testemunhos, que os filtros da propaganda não conseguiram filtrar. Sarim é ordem de avançar.

(este texto foi-me inspirado pelo post do Octopus, um amigo meu. Já leu?)

26 agosto, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 34 (assimilado)

(ler conversa anterior) 
"(...)Uma cidade é uma grande máquina, ou melhor: uma grande tecnologia. E o surpreendente é que funciona (...). Pessoas que querem exactamente o oposto do que querem as outras; jovens, adultos, velhos, crianças, pessoas com os mais diferentes hábitos e o facto é que, na maior parte das vezes, não estão a cortar a cabeça uns aos outros. Isto, sim, é surpreendente (...)" 
Gonçalo M. Tavares - DN Magazine

Detrás do balcão um sorriso e uma interrogação: "Está melhor?" Receando me virar (para não me desequilibrar), perguntei:  "É comigo?" Era. As noticias correm depressa. Sorri como resposta, peguei na chávena do café e recusei amavelmente a ajuda a que se prestara para mo levar. Dali até à esplanada era pouco mais que vinte passos, e pouca a probabilidade de me desequilibrar. Ninguém estava, quem eu esperava que estivesse e para minha surpresa a esplanada estava reduzida a uma única mesa. Hesitei. "Sente-se, a mesa não é propriedade nossa". Venci a relutância inicial e agradecendo a oferta, sentei-me. Quem me tinha oferecido o lugar explicou à mulher que o acompanhava "Sabe?, este senhor é um ilustre politico e candidato". 
Sorri, mas desta vez sem ter a certeza do meu sorriso ter aparecido. O que menos me apetecia era trocar argumentos com quem nem precisa de os ter certos para deter o poder. Abri o jornal sobre os joelhos e li atentamente a entrevista. Percebendo o que eu estava lendo, meteu conversa procurando em mim um aliado. Acedi a conversar. Discutimos, mas não nos batemos nem nos agredimos. Sem que isso fosse surpresa e partilhando a mesma mesa.

Quando abalei pensei "vai ser difícil sair disto... estamos assimilados e o povo tarda... não acorda..."

23 agosto, 2013

Equilibrando o desequilíbrio, ou a procura da normalidade...


A verdadeira percepção da realidade só é possível vivendo-a. Julgamos que vivemos numa sociedade desequilibrada, mas não é verdade. Uma sociedade desequilibrada, procuraria ela própria recuperar a situação normal, o regresso ao equilíbrio. Sei disso, passei (e ainda estou passando) por isso. A cabeça parece oca, os passos tropegos, o corpo avança balanceando, tonto. E para se manter hirto, erguido, é necessário tanto... faz-se um esforço e vai passando.
Tudo me aconteceu de repente, e só depois de muitas horas, de interrogatórios médicos, de testes e exames e de uma noite na sala de observações é que se abriram outros caminhos ao diagnóstico inicial. Conclusão: não eu, mas o mundo que me cerca é que está à beira de um AVC. Eu apenas sofro de um "síndroma vertiginoso" ou algo parecido com isso, mas ligeiro...

Quando se falar em desequilíbrios sociais reajam ao eufemismo e façam o diagnóstico certo, o AVC pode estar perto... e o tratamento deve ser célere... ou a reanimação fica comprometida, para toda a vida.

19 agosto, 2013

Mudar o mundo é fácil...dificil é dar-lhe o rumo certo

Diz-nos o dia-a-dia que o mundo vai mudando, mesmo se os mais humilhados, os mais pobres e os mais ofendidos não compreendam as causas disso. Queixam-se, lamentam-se.
Quem vai mudando o mundo, sente que é fácil. E parece ser,
pela ausência do que tarda acontecer.
Mas não desisto! Mas não desistimos!

12 agosto, 2013

Lula da Silva, aos jovens de costas voltadas...


Diz-se que os jovens de hoje se alienaram, que não se envolvem, que estão de costas voltadas para tudo, até para eles próprios. A ninguém ocorre que fomos nós que construímos os espelhos onde não se revêem. 
Hoje descobri alguém dizendo coisa diferente e eu confesso que assumo tal discurso quando me dirigir a um jovem:
"...mesmo quando você estiver irritado com a situação da sua cidade, do seu estado, do seu país, desanimado de tudo e de todos, não negue a política. Ao contrário, participe! Porque o político que você deseja, se não estiver nos outros, pode estar dentro de você."

11 agosto, 2013

Poesia (uma por dia) - 49

Três Coisas
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De tudo ficam três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando…
A certeza de que precisamos continuar…
E a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar.
Portanto, devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo…
Da queda, um passo de dança…
Do medo, uma escada…

Do sonho, uma ponte…
E da procura… um encontro!
.
Fernando Pessoa

"Adeus à Brisa"


in "Alma Lusa"

09 agosto, 2013

Urbano Tavares Rodrigues (Os nossos mortos não morrerão)

Comunista até ao seu últimos instante. Ele o disse, já depois de ter construído o seu destino...
DESTINO

Na mais lebrega alfurja
ou na cama de folhas macias
da floresta
onde a chuva te adormeceu
há sempre um diamante de sol
cujos raios te penetram de
ventura
ao sonhares a palavra
liberdade
Urbano Tavares Rodrigues, 
(extracto  do poema "Destino")

07 agosto, 2013

Vargas Llosa tem razão... estamos amarrados ao espectáculo...

Depois de ouvir e ver, e gostei do que vi e ouvi, o que vou fazer? Ficar aqui especado? Depois fez-se um "clique": é que este discurso certo, crítico, ousado, rasgado é, também ele, um espectáculo. Os personagens, todos sem excepção, ficam connosco na mão, pois é perfeita a encenação. É inevitável, abanamos o capacete e dizemos intimamente: "os gajos estão cheios de razão". E vamos dormir, depois de ouvir o que se gosta de ouvir. Depois de ouvir e ver, vai ser mais fácil adormecer...  
(verdade, verdade, não há neste video ponta de novidade)

02 agosto, 2013

"A Civilização do Espectáculo"

"...muitos optaram pelo silêncio"
"A banalização das artes e da literatura, o triunfo do jornalismo sensacionalista e a frivolidade da política são sintomas de um mal maior que afecta a sociedade contemporânea: a ideia temerária de converter em bem supremo a nossa natural propensão para nos divertirmos. No passado, a cultura foi uma espécie de consciência que impedia o virar as costas à realidade. Agora, actua como mecanismo de distracção e entretenimento. A figura do intelectual, que estruturou todo o século XX, desapareceu do debate público. Ainda que alguns assinem manifestos e participem em polémicas, o certo é que a sua repercussão na sociedade é mínima. Conscientes desta situação, muitos optaram pelo silêncio. Uma duríssima radiografia do nosso tempo e da nossa cultura, pelo olhar inconformista de Mario Vargas Llosa."
A Ana é que o anda a ler...