01 dezembro, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 42 (Cartão de Cidadão)

(ler conversa anterior)
"...Poderá dizer-se, então, que os sentimentos são estados intermédios entre os números e as palavras. Entre a matemática e a literatura está um senhor que sente. E como ainda não foi inventada a terceira ciência, esse documento de arquivo falha porque não tem números nem palavras para definir as emoções do senhor que ainda está, apesar de tudo, vivo.
A ficha de um cidadão, o documento que o identifica, além dos números das datas de nascimento e da altura, grande ou pequena, e além dos nomes próprios e de família e do sítio onde vive... em suma, além dos números e das palavras, deveria ter versos. É uma proposta - disse o senhor Voltaire. - Uma proposta."
Gonçalo M. Tavares, in Noticias Magazine

A esplanada estava vazia. Distraidamente comecei a contar as cadeiras. Parei de contar mais ou menos a meio, interrompido por Minha Alma que me inquiria se o texto do dia me parecia acertado parecendo a ela pertinente que a identidade de cada um de nós devesse conter versos. Meu Contrário também concordou poder ser perfeitamente identificado com números e palavras, desde que caracterizassem o meu juízo. Não lhes liguei logo e Eu continuei a contar as cadeiras a partir do ponto em que tinha parado. No fim questionei-os: "quem não tiver versos no cartão de cidadão deve ser  detido, por indocumentado? Se a resposta for sim, sugiram-me a moldura penal para as almas sem poema!"

Enquanto matutavam na resposta, chegou o senhor engenheiro, eufórico quase gritava, brandindo no ar a revista: "«Entre a matemática e a literatura está um senhor que sente» leu? Lembrei-me logo de si!"

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