19 junho, 2014

Chico para mim foi "senha", foi "Jangada de Pedra" e hoje é bandeira! Parabéns, Senhor!


Chico, para mim foi "senha". Quem leu meu livro não estranha.
«...Ia de não sei onde para lado nenhum, fardado com a farda do Exército português, com a boina de cavalaria a ocupar-me as mãos. Passeava apenas, adiando o sono. Atravessei um denso jardim e, ao longe, oiço o dedilhar de uma guitarra em acordes indecisos. Fui andando nesse sentido. À medida que avançava a melodia se ia construindo e o som ganhava nitidez. Mesmo antes de a voz aparecer, reconheci a composição de Chico Buarque.
Depois a voz deu-me a canção que quase sempre trazia no coração e que frequentemente me vinha à mente em dias em que acordava com canções dentro de mim.
Aproximei-me sem qualquer cuidado em reservar sinais da minha presença e fiquei surpreso à paragem brusca do cantar. Reagi retomando o verso interrompido: «Esperando, esperando, esperando, esperando o sol, esperando o trem, esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem…» Sorri para o grupo. O que cantava, mulato muito claro estendeu-me a mão sorridente e julgo que aliviado. Os outros dois, um negro, o outro branco, acolheram-me assim também dessa maneira. Não falámos e o mulato claro retomou a canção até todas as vozes que ali estavam se juntarem num coro com o sotaque devido...»*

Desse livro, continuando a ler a mesma página, estava ali, naquele encontro, a tal "Jangada", o sonho da bacia cultural atlântica a realizar-se mesmo antes de Saramago a ter escrito:
«...O resto foram mais canções e prolongada cavaqueira sobre a cultura brasileira, a negritude, a miscigenação, a guerra colonial, a escravidão, a alma deles e a minha. Falámos da minha alma lusa, do meu coração celta e do meu sangue mouro. Foi nessa noite, onde as canções romperam as couraças que protegem o pensamento perseguido e a filosofia proscrita, que se geraram laços de amizade e cumplicidade que me iriam abrir a porta a outras relações, entrando na intimidade da cidade.»*
*páginas 156/157, de "Almas Que Não Foram Fardadas" e a cidade referida é Huambo, naquela data ainda Nova Lisboa

E falando em bandeira, não desligo a canção, de então, desta...

7 comentários:

  1. Para mim, sempre foi bandeira. Pedro Pedreiro, não conhecia...

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  2. Bela homenagem no seu aniversário!
    Eu escolhi "Construção" para colocar no facebook!

    Abraço

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  3. ~
    ~ Esqueci dizer que gostei deste pedacinho do seu livro.
    ~ Coloquei-o na minha lista, será que vou encontrá-lo?

    ~ ~ ~ Um bom e feliz Verão, Rogério. ~ ~ ~

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Muito bom este Chico! Muito bom até a escrever romances.

    Nós, por cá, continuamos a «ver a banda passar»... calominhos, sossegadinhos, carneirinhos...

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  6. Gosto muito desta:

    Tanto mar

    Sei que está em festa, pá
    Fico contente
    E enquanto estou ausente
    Guarda um cravo para mim
    Eu queria estar na festa, pá
    Com a tua gente
    E colher pessoalmente
    Uma flor no teu jardim

    Sei que há léguas a nos separar
    Tanto mar, tanto mar
    Sei, também, que é preciso, pá
    Navegar, navegar
    Lá faz primavera, pá
    Cá estou doente
    Manda urgentemente
    Algum cheirinho de alecrim

    Foi bonita a festa, pá
    Fiquei contente
    Ainda guardo renitente
    Um velho cravo para mim
    Já murcharam tua festa, pá
    Mas certamente
    Esqueceram uma semente
    Nalgum canto de jardim

    Sei que há léguas a nos separar
    Tanto mar, tanto mar
    Sei, também, quanto é preciso, pá
    Navegar, navegar
    Canta primavera, pá
    Cá estou carente
    Manda novamente
    Algum cheirinho de alecrim.

    Chico Buarque

    Um beijo

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  7. "Quando nasci veio um anjo safado
    O chato dum querubim
    E decretou que eu tava predestinado
    A ser errado assim
    Já de saída a minha estrada entortou
    Mas vou até o fim ! "
    Chico Buarque

    Um Homem, que sempre será uma referência, de luta, de coragem e de talento.

    beijinho

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