27 junho, 2015

Um texto de Gonçalo M. Tavares publicado na imprensa Grega

texto em Maio de 2012, parece de hoje
.
Queixei-me de que os intelectuais se auto-demitiam de um espaço de intervenção.
Publico o Gonçalo M. Tavares, e com prazer reconheço que vou perdendo razão.
  .

1. Sobre a Europa (Os anos Pavlov e outras considerações imaginárias)
(...)
Um homem que tem uma dor na Europa deve ser tratado, parece-me. Claro que há órgãos que podem ser extraídos, porém aqui talvez não. Será que podes extrair e deitar fora um órgão da Europa? Há algo que substitua as suas funções?
 
2. Diálogo sobre a Europa
- Posso fazer-lhe uma entrevista?
Ok.
-Falemos de Europa?
Sim.
- E de Pavlov.
Ok. Tudo bem.
Na experiência de Pavlov os cães salivavam, primeiro só com o prato mesmo vazio, depois bastava o som dos sapatos de quem trazia a comida, depois com apenas a campainha. Enfim, uma longa aprendizagem. Não havia comida, mas o organismo e a fisiologia do cão reagiam como se houvesse.
- Portanto, a questão é esta: se substituirmos um cão por um continente o que acontece?
Se os procedimentos forem proporcionalmente idênticos aos procedimentos levados a cabo por Pavlov e pela sua equipa, a Europa também salivará, mesmo sem alimento à sua frente. Salivará só com o som que anuncia a entrada do alimento.
E claro que podemos sempre substituir a saliva pelo medo. A Europa, quando escuta certas palavras que anunciam desgraças, começa logo a tremer, a ter medo, a assustar-se, a pôr-se debaixo da mesa da cozinha ou debaixo dos lençóis da mamã. Eis uma síntese.
- Estamos portanto diante de uma experiência de Pavlov, a grande escala?
Exacto. Não é necessária a desgraça em si, basta o seu anúncio. Tem os mesmos efeitos.
O importante não é um acontecimento, mas sim os seus efeitos
Compreendo.
Por exemplo, um tremor de terra. Mesmo que não exista um tremor de terra, se nós partirmos as casas ao meio, se abrirmos buracos na rua, etc., obteremos os mesmos efeitos.
Portanto, se virmos casas partidas ao meio, tectos caídos, buracos na rua, podemos concluir: houve um terramoto. Mesmo que não seja verdade.
Eu diria, em suma: os efeitos são a verdade.
- Os efeitos são a verdade.
- O cão saliva. A Europa assusta-se e põe-se debaixo da mesa.
Exacto.
Poderemos designar este período como Os Anos Pavlov da Europa.
É um belíssimo nome.
Ou talvez melhor A DÉCADA PAVLOV da EUROPA.
A questão é esta: em vez de colocares um único cão a salivar sem alimento à sua frente, só por causa do toque da campainha… condicionamento clássico…colocas milhões com medo também só com o toque da campainha.
- Mas pode um continente comportar-se como um cão?
- Pode.

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4 comentários:

  1. Também tenho muito a impressão que muita gente se demite...ainda bem que há excepções!

    Beijo fraterno

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  2. Um momento de boa reflexão. Muitos medos,muitos silêncios amordaçados.
    Os nossos governantes não governam deixam-se governar.
    Os erros do passado voltam.Os monstros vão crescendo.

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  3. A analogia entre o cão e a Europa concretiza bem a relação "solidária" que reina no reino da ganância. A Grécia agiganta-se! Tanta claridade ofusca os olhos habituados à penumbra.

    Bom domingo!

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  4. enquanto houver uns ossos para roer há animais que não se demitem.

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