02 setembro, 2015

A rã

Escolheu a avó a melhor alface do mundo. Limpou-a de folhas velhas e meteu-a no frigorífico, bem acondicionada. Passaram-se uma, duas, três ou mais horas, quando chegou a hora da salada a avó foi busca-la. Cortou-a à mão, como mandam as boa regras e a tradição. Tirou uma folha, duas, três ou mais que foram, quando deu por ela. E disse "olha!", olhando a a folha.
Lá, especada, talvez temendo pela sorte, talvez sem temer coisa nenhuma, estava ela. A rã!
Era tão pequena, tão pequena, tão pequena, que caberia numa só garfada, de salada. Mas não, foi salva!, pois a avó era meticulosa na culinária. Sabendo como o neto gosta e adora todo o bicho que me mexa, logo o chamou. E o neto adorou. Pegou nela. Primeiro com toda a cautela e depois nem tanto. A pequenina rã saltou como um saltimbanco e deu um pulo, e outro, e outro, e outro, daqueles que todas as rãs sabem dar, mesmo que não fujam de quem não lhes sabe pegar. O neto gostou. Gostou, muito mais do que qualquer outro bicho que apanhou. A rã, nem tanto.
Veio o avô, sisudo, com o ar mais severo deste mundo, e sentenciou: "esta rã se aqui fica, estica". E depois explicou o que entendia por esticar. Porque assim, porque assado, porque a rã precisa de um amigo ou de uma irmã, precisa do corpo sempre molhado e dum habitat a preceito, de um ambiente a seu jeito.
O neto, que entretanto diria "este é o melhor dia da minha vida", ficou convencido. Ele, que normalmente teima uma vez, duas, três, aceitou à primeira que a pequena rã tinha que levar outro caminho. E levou. No outro dia, cedinho, avó, avô, neto e rã, procuraram um sitio, com todo o afã: "Ponha naquele lago grande, lá em cima. onde há nenúfares e peixes", aconselhou o chefe dos cantoneiros e jardineiros daquelas paragens. Esta opinião confirmara outra, que na véspera tinha o avô recolhido numa reunião politica, colocando o problema daquele destino, antes da ordem do dia. Assim fizeram, e lá foram avó, avô, neto e rã a caminho do destino indicado e até confirmado.
Chegados lá, o neto pegou na rã e logo que esta viu a água, os nenúfares e o resto, pimba! mergulhou nisso e, de pronto, perdeu-se-lhe o sumiço.
Inquieto, o neto, perguntava "onde está?" Triste, a avó, em coro com o avô, perguntou "onde foi parar?" E ficaram os três a olhar, a olhar, a olhar.
 "Vô, amanhã passas por cá a ver se ela está cá?"
"Claro!" (e vou mesmo passar)

10 comentários:


  1. : )
    Um menino que prefere o bem estar do bicharoco ao seu próprio gosto de o possuir.

    ResponderEliminar
  2. Também sempre tiro as folhas da alface uma a a parto à mão, mesmo quando em vez de salada, se destina à sopa. Mas só tenho encontrado caracóis. Uma ternura o texto.
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  3. Que texto maravilhosos e que bela rã.
    Adorei!!

    ResponderEliminar

  4. (dívidas inteiramente esquecidas)

    Um livro inteiro de contos para a infância.
    Este já conta, tal e qual como está. Não necessita de mais afã.

    Lídia

    ResponderEliminar
  5. Que lindo conto!! Gostei muito! Há que continuar, como disse a Lídia ali em cima!

    ResponderEliminar
  6. Não é conto nenhum, é uma história real
    foi assim que se passou
    tal e qual!

    Lídia
    eu pago a dívida
    (ainda não sei é quando!)

    ResponderEliminar
  7. Terno, esse menino. Ternos, os seus avós!

    Beijinhos, Rogério. :)

    ResponderEliminar

  8. Brincava, Rogério, como bem sabe.

    Que coisa!

    Um conto pode ser real. Conta o modo de contar.

    ResponderEliminar
  9. Muito bem contado! E com certeza que a rã está bem :)

    ResponderEliminar

  10. Obrigada pela partilha!
    No meu caso, o caracol é bem mais fácil de agarrar! :))

    ResponderEliminar