14 novembro, 2015

Paris - "não tenhamos ilusões: a matança continua e irá continuar porque há quem lucre com ela, parasitas do ser humano, vampiros de sangue humano


Pelas entranhas maternas e fecundas da terra
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó Paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Natália Correia*
«Paris, noite de 13 de Novembro de 2015; depois de Paris em Janeiro de 2015, Nova Iorque, Madrid Atocha, Líbano centenas de vezes, enquanto se arrastam as tragédias da Palestina, Afeganistão, Síria, Iraque, Líbia, Iémen, Egipto, Somália, Mali, Nigéria. A matança continua através da mais bárbara das formas de guerra, a que vitima preferencialmente civis, famílias nas suas casas, cidadãos nos seus momentos de lazer, trabalhadores nas suas actividades, camponeses nas suas terras, crianças e professores nas escolas, doentes, médicos e enfermeiros nos hospitais, socorristas nos escombros. Guerra cega, selvática, conduzida por governantes, traficantes, negociantes da morte, impérios económicos e financeiros, militares, paramilitares, mercenários movidos a dinheiro, também marionetas da intoxicação religiosa e ideológica. Uma guerra sem quartel onde conceitos trapaceiros e expansionistas de democracia se combinam com o irredentismo da fé e a ganância fundamentalista dos agiotas, umas vezes em aliança, outras em dissidência, mistificação sanguinária onde os “chocados” de hoje, os “horrorizados” de ontem podem ser os algozes de Gaza, de Alepo, My Lai ou Haditha, Odessa, Sabra e Chatila, Kandahar ou do hospital de Kunduz, Tripoli ou Bahrein.

Em que se distinguem os massacres de sexta-feira em Paris e as matanças recorrentes em Gaza? O terror à solta em Abu Ghraib, Kandahar ou as bombas sobre o hospital de Kunduz e as chacinas de Odessa, Nova Iorque, no Charlie Hebdo ou quotidiana nas águas do Mediterrâneo? Que não se responda em função da dimensão, da cobertura mediática, do tom da pele ou do grau de “civilização” das vítimas. Uma morte é uma vida humana que se perde, a vida de alguém sem qualquer responsabilidade nas acusações invocadas, nos alibis expostos para eternizar a carnificina global, para atordoar a comunidade mundial através do terrorismo, a mais ignóbil das formas de violência.

Escutámos as primeiras reacções ao drama da noite parisiense: como se o fundamental fosse conhecer quem reivindica a autoria dos crimes, a que horas e de que maneira o faz. Reacções onde se exige mais segurança, mais espionagem sobre os cidadãos globalmente espiados, mais investimento em armas e exércitos, mais limitações à vida quotidiana e aos movimentos de quem já sofre as agruras da vida em crise permanente, em suma, mais guerra sobre a guerra. E poucas palavras ou simples alusões de raspão sobre as cada vez mais comprovadas colaborações entre o radicalismo islâmico e o fascismo, patentes no atentado contra o Charlie Hebdo e, na Ucrânia, na coligação armada para “libertação” da Crimeia; ou invocações por alto, quase sempre invertidas no contexto, das situações na Síria, no Iraque, na Líbia Bem alto na trágica noite parisiense, o secretário-geral da NATO mandou dizer que o terror não vencerá a democracia. Belas e promissoras palavras, pensarão os incautos ou quem ignora a responsabilidade institucional de quem assim fala nas tragédias em curso na Síria, no Afeganistão, na Líbia, na Ucrânia, na multiplicação de muros e barreiras por esta Europa afora.

Depois chegou a reivindicação: o Estado Islâmico, ou Daesh, ou ISIS, ou Al Qaida, ou Al Nusra, ou isto, aquilo ou aqueloutro, grupos financiados por entidades estatais de países da NATO, treinados em campos criados em países da NATO, como a Turquia, ou aliados da NATO como a Jordânia, armados e sustentados de mil e uma maneiras por íntimos da NATO como a Arábia Saudita, o Qatar, Israel. Aqui avulta o sentido humanitário do chefe do governo israelita, que enquanto planeia os próximos ataques a Gaza cede o território sírio ocupado dos Montes Golã para acoitar os terroristas do Estado Islâmico – os que se dizem autores da selvajaria de Paris - e oferece os hospitais israelitas para tratar os mercenários desse bando que forem vítimas da “ditadura bárbara” de Assad. O mesmo chefe de governo, Netanyahu, que foi dar o braço ao presidente Hollande na manifestação encenada por ocasião do Charlie Hebdo e que agora está, como não podia deixar de estar, entre os mais “chocados” e horrorizados”.

Por falar em François Hollande, um dos principais titulares dos “amigos da Síria” inventados em Washington, atrás dos quais se escondem Estado Islâmico, Al Qaida, Al Nusra e os famosos “moderados” – todos eles brilhando como estrelas reluzentes do terrorismo internacional –, ficámos a saber que por causa da situação teve de cancelar a deslocação à reunião do G20, um desses vários “gês” que nos governam sob as ordens dos mistificadores da democracia. Reunião essa na Turquia, país onde ficou demonstrada a falsificação das recentes eleições gerais para reforço da ditadura islamita e que tem servido de base operacional da NATO e de grupos terroristas – entre os quais o Estado Islâmico – para as guerras impostas à Síria, Líbia e Iraque.

Assim sendo, não tenhamos ilusões: a matança continua e irá continuar porque há quem lucre com ela, parasitas do ser humano, vampiros de sangue humano.»
José Goulão, aqui

* Poema e vídeos editados em "Paris, e agora?"

12 comentários:

  1. Bom texto. Para além da justa indignação por estes atos de terrorismo que matam pessoas inocentes, há que pensar porque é que isto acontece para que assim possamos erradicar este flagelo. Que está a acontecer no Médio Oriente e porquê? Porque há milhares de pessoas a fugir que morrem na fuga? Crianças em especial. Porque milhões de pessoas inocentes estão a morrer nos países ocupados em grande parte por causa do Petróleo? Quem financiou e deu as armas ao Estado Islâmico e à Al-Qaeda? Quem se opôs a que a Rússia atacasse o Estado Islâmico e os outros grupos terroristas na Síria? Estamos num mundo capitalista que tenta tudo para se manter mesmo à custa de milhões de vidas. Desde os negociantes de armas para matar até às multinacionais como a Monsanto que para ganhar milhões afecta gravemente a saúde das pessoas, passando pelas multinacionais farmacêuticas que produzem e investigam medicamentos não para curar mas para manter a doença sem deixar morrer o doente, para não perderem o negócio, como foi denunciado pelo Prémio Nobel da Medicina, a tudo estamos sujeitos enquanto formos dominados pelo capitalismo.

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  2. Neste momento só peço um minuto de silêncio em memória das vítimas.

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  3. Um texto muito bom.
    Eu só consigo pensar naqueles que morreram e nas suas famílias
    Um abraço

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  4. Grande polémica estão a causar as novas declarações de Edward Snowden, ex-funcionário da Agência de Inteligência do Governo dos Estados Unidos, NSA (siglas em inglês), que acaba de revelar que os serviços de inteligência de EEUU, Reino Unido e Israel colaboraram juntos, através da Mossad (Agência de segurança de Israel), na criação do Estado Islâmico do Iraque e o Levante (EIIL ou também conhecido como ISIS). Foi a Mossad, quem formou uma organização terrorista que pretendia unir a todos os grupos extremistas do mundo a um sítio, usando a estratégia denominada “o ninho da vespa”.

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  5. Momentos tristes. Inconformidades! Não entendo nenhuma manistação de violência. Um beijo querido amigo!

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  6. Faltam-me as palavras ou será que já não há mais palavras para estes actos loucos ?

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  7. .

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    . haja o que houver . é certo que rumamos ao esvaziamento do mundo . tal qual o (des)conhecemos .

    .

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  8. Quando os inocentes abrirem os olhos em vida

    lutarão contra os donos dos mercados

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  9. São sempre os inocentes que sofrem infelizmente.
    Um texto muito revelador de uma realidade que por vezes teimamos em não ver.
    Não encontro palavras para o meu pesar.

    Um beijinho e boa semana !

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  10. Quanto vale uma vida humana? Quanto vale um americano ou um europeu? E quanto vale um palestiniano, um sírio, turco ou um iraquiano ou um nigeriano, ou, ou? Estes últimos não têm cotação na bolsa de valores que motivam os investidores, os fundos de investimento, os nababos dos sultões árabes. Os mortos são lapsos, danos colaterais, excedentes do sistema, da esquizofrenia em que todos vivemos. Exportam-se armas, revoluções, "democracia" e "liberdade", sonhos e ilusões e perpetua-se a exploração.

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