05 julho, 2016

Destino (pequeno conto, a duas mãos)

 
Aquele corpo tão falsamente provocante que caminhava para o abismo, era o seu, e ela por mais que tentasse não conseguia aliená-lo.
Detestara-o naquela noite e em todas as outras noites em que o usava. Queria que ele não lhe pertencesse, sentia a maldição que pesava sobre si e desejava ser uma pessoa normal, que se entrega, que recebe, que aceita e nada receia.
Só via falência na sua vida. Não existia nenhuma razão no mundo que a pudesse impedir.
A quem poderia interessar que ela vivesse, que trabalhasse, que amasse. Para quê? Para quem?
A desculpa da euforia permanente produzida pelo álcool era mais razoável, pois conseguia afastar a falta do amor que não conheceu, dos beijos que não deu, dos livros que não leu e da vida que não viveu.
Mas hoje estava sóbria!
Eram precisamente seis horas e dezoito minutos quando ela decidiu o seu destino.
Assim decidida procurou o sítio propício e para lá se dirigiu.
Um homem de olhar indefinido, mas de onde irradiava estranho brilho, a passo decidido veio barrar-lhe o caminho. Não lhe perguntou a onde ia, fez-lhe uma pergunta inesperada."Há quanto tempo morreste?" e sem esperar resposta o homem continuou "Aposto que decidiste morrer há muito, talvez quando eras muito nova... acontece quando nos consideramos mortos, vamos morrendo, morrendo, ao longo do tempo..."
Surpreendida já não tanto por o desconhecido lhe ter interrompido o caminho mas por aquelas palavras lhe terem dado uma visão diferente ao seu percurso de vida, interrogou-se se não teria alguma vez desistido antes de começar.
Sem pensar que o fazia, sentou-se numa pedra que por ali havia. O homem acompanhou-a e sentou-se noutra. E por ali ficaram a conversar até a noite chegar. Depois (e porque há sempre um depois) sentiu-se ressuscitar.
Eram precisamente vinte e duas horas e cinco minutos quando lhe aconteceu o seu primeiro beijo.
Escrito a duas mãos, a mão dela e esta minha

17 comentários:

  1. Quando duas mãos se unem em sintonia, só pode haver esta magia !

    Emocionei-me ver aqui no seu espaço este nosso "DESTINO".

    Um beijinho grato

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  2. Também eu gostei muitíssimo deste texto a duas mãos!

    No tempo já longínquo em que eu escrevia exclusivamente poesia pós-modernista, ocorreu-me poder, um dia, pegar numa obra que ficou prometida pelo meu avô, "O Regresso de O Encantado", acrescentar-lhe alguns dos meus poemas de então e publicá-la, acrescentando-lhe o sub-título "Poemas a Quatro Mãos e Um Sonho"... mas muito, muito longe vão esses tempos...


    Abraço grande!


    Maria João

    (Como sabes, estou completamente impossibilitada de me mover no Google+...)

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  3. gostei de ver estas duas mãos, mas eu diria a quatro mãos, as da Fê e as tuas...
    muito bom!
    :)

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    1. Se não fosse escrita
      mas uma peça para piano...

      Duas mãos, duas escritas
      bonitas

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  4. Era uma hipótese romanesca; eu decidi-me
    por uma solução mais segura...
    Haja criatividade!
    Uma tarde excelente.
    Beijo.
    ~~

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    1. Li
      mas arrumar o passado dentro de um armário e deitar a chave fora julgo que é ficar com um mono em casa... eu podia o armário à venda no olx

      o final ficaria, igualmente, feliz

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  5. O conto funcionou muito bem a duas mãos. Parabéns aos dois! :)

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  6. Adorei!Parabéns! valeu! abraços,chica

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  7. Não acredito no Destino. Estamos zangados há tanto tempo que, creio, possa já ter morrido.

    Gosto sempre quando as histórias acabam bem.

    Lídia

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