15 julho, 2018

Um conto ao Domingo - XVII ("A Pipoca")

«Tal como com um cão, na prosa há a possibilidade de evolução: progride-se e aprende-se na escrita, treina-se a caneta como se treina um rafeiro e eventualmente vemo-la fazer truques, mas percebemos sempre como é que o cão fez aquilo. A magia da poesia é a oposta, é nunca percebermos como é que o gato se contorceu para se enfiar no buraco, através duma estreiteza em que não podia caber; não se ensina ninguém a ser poeta
tirado do texto "Prosa cão, poesia gato"

Estava, como é meu estar, a salvar o mundo quando chegou a minha Teresa.
"A Pipoca desapareceu. Deixaste a porta aberta?"
"Seguramente que não. Nem a porta nem a janela!"
 Arrumei apressadamente a tralha, aquela que uso para salvar o mundo e fomos para casa. 

A Pipoca chegara ontem, sábado, ao fim da tarde trazida pela minha-mais-nova que de partida para duas semanas de férias a deixara  por guarda. Do tempo que faltava para a noite e depois durante esta a Pipoca, esquiva e arisca, ia mudando de canto em canto alternando lugares da casa, para ela desconhecida. Comida, nada. Bebida, nada. E também nada quanto a outras necessidades básicas. Se miou, mal se ouviu. Já noite dentro, lá se roçou na Teresa, num roçar carinhoso. De mim, fugia a quatro patas, mal me ouvia a voz ou os passos. Esta manhã, a Pipoca, postara-se à porta do nosso quarto. Andou por aqui e ali, um pouco por todo o lado, já mais afoita. Sai, para ir salvar o mundo, tendo o cuidado de fechar a porta. Agora desaparecera.

A Teresa ligou à nossa-do-meio que em menos de meia hora se juntou às diligências da procura. 
"Será que se esgueirou pela fresta da janela?" - alvitrou lembrando-se do Gato que, daquela mesma, tinha caído duas vezes à rua.
Continuámos a busca abrindo máquinas e armários procurando por detrás, por cima e por baixo. Nada.  

Foi por descargo de consciência que subi ao patamar de cima e desci à rua. Nada. 

Como se diz que os gatos pressentem o stress dos humanos, e talvez por isso, ela se deu a mostrar. Miou, como se estivesse a dizer aqui estou. Disse-o pregando seus grandes olhos em mim, e depois passou-se-me por debaixo da perna, impávida e serena.

A Pipoca é imprevisível ou não fosse ela... poeta.

continua no próximo domingo 

1 comentário:

  1. Que aflição... andar a procurar a bichana e ela simplesmente a gozar do panorama! :)))

    E eu que já a imaginava envolvida na aventura de descobrir o caminho para casa!

    (^^)

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