Ela acordou com um acordar dentro de um número par. Ele já tinha saído sem o beijo 29 e ela reagiu com o encolher de ombros 32, da tabela dos afectos. Apurou-se no trajar 112 a condizer com o dia, tomou o pequeno almoço do menu, o 9 habitual. Saiu. No emprego, o mesmo desvelo nas tarefas 6, 12, 28 e 42 e também nos procedimentos depois. Na pausa para o almoço, fez as compras da tabela do dia festivo, e comeu a correr. A tarde, como a manhã, as mesmas tarefas, mas por ordem inversa. Há hora regulamentar, saiu. E a correr, sempre a correr, comprou-lhe a prenda 79 do catálogo das ofertas. Em casa, pôs a mesa, as velas, as flores e foi preparar o jantar com a receita 108, que já antes fizera e ele tanto gostara. A mesa estava bela e foi experimentar as luzes e a música a tocar, regulando o som à altura do falar. Findo tudo, esperou... estava na hora que o catálogo do tempo indicava para o seu chegar.
Ouviu-lhe os passos. A chave a rodar. Levantou-se, segundo o gesto 52 da rotina das chegadas. A porta se abriu, mas ele não entrou. Com os olhos pousados no chão, disse: "Anda, vamos ali, temos que falar". Sem pensar em nada, atordoada, saiu como estava. No percurso que ensaiavam para algures, junto ao mar, ele lhe contou a conversa tida com o encarregado e da incerteza quanto à indemnização. Depois não mais falaram. Sentaram-se no paredão com o olhar a se suicidar no mar. Deram-se as mãos, numa ternura de gestos, pela primeira vez sem numeração no catálogo dos afectos...
Muito belo e original.
ResponderEliminarParabéns
Um abraço
O imprevisto a trocar-lhe as voltas dos números dos afectos...
ResponderEliminarGostei. Afinal não há presente nem comida nem velas nem música que sejam mais doces que um dar de mãos...
E foram felizes pela primeira vez...
ResponderEliminarUm bj querido amigo
Caro Rogério
ResponderEliminarSabe, enquanto ia lendo imaginava um ser humano transformado em robot com todos os gestos préviamente programados. A parte final é dum realismo impressionante.
Há sempre um momento na vida em que "há tempo tambem para amar".
Um abraço sensibilizado.
Rodrigo
Penso que a sua ironia, num texto primorosamente bem escrito, veio ao de cima, se não fosse trágica a situação de tantos casais que vivem sem se esquecerem que devem namorar todos os dias.
ResponderEliminarBeijo
Este é um texto que faz mesmo kudikular a alma!
ResponderEliminarEscreve-se bem aqui, com um toque de Eça, o que melhor se sente.
Na ternura dos gestos que não negoceia afectos...
Se não fosse quase trágico, seria lindo.
ResponderEliminarGostei muito da forma como revelas as tristes rotinas que enfeitam os nossos dias, a excepção é obviamente o seu despedimento.
Beijo e feliz dia dos namorados.
Felizmente tu ainda tens uma amante, a tua Teresa ...
Enche-a de beijos, hoje e sempre ;)
Ná
Que Dia dos Namorados mais inusitado.
ResponderEliminarNão fora a beleza do texto a que já nos habituaste e seria muito mais dramático. Felizmente o amor aconchega o coração e, havendo cumplicidade, tudo se resolverá, né amigo?
Feliz dia com a tua Namorada
Excelente texto e, ademais, tristemente actual.
ResponderEliminarBom namoro para si e para a Teresa, rrss
Muito bem. Assim, sim, vale a pena.
ResponderEliminarAcho de devia também escrever um romance... com certeza não perderia por nada tão belas palavras, que me parece, saber junta las tão fácil e espontaneamente. A bela poesia corre lhe nas veias e ainda bem que sou uma sortuda por poder conhece la.
ResponderEliminarFeliz São Valentim
Sem palavras... :(
ResponderEliminarUm beijo
Belíssimo texto! Às vezes é nos momentos difíceis da vida, que mais se sente o âmago da mesma e é sempre no amor que se encontra o essencial dos dias.
ResponderEliminarBeijos Rogério e dias felizes para si e para a sua Teresa, assim vividos a pensar nos outros, como aqui.
Branca
gostei muito. original e muito bem escrito.
ResponderEliminarabraços
Muito original. Muito atual, infelizmente. Refiro-me à tabela dos movimentos, claro... Quanto ao desenlace... infelizmente já passei por ele mais do que uma vez. E não tinha tabela de comportamentos...
ResponderEliminarJá passou!
Happy Valentine's Day!
Relato muito criativo e original na forma de olhar o mundo e as relações que se atam e desatam com dias e gestos marcados...
ResponderEliminar(A felicidade de ter um companheiro - amante - marido de longa data)
Beijocas
Um conto com muitos contos dentro, infelizmente cada dia mais actual. Pessoalmente irrita-me esta moda importada do S. Valentim.
ResponderEliminarQue coisa coisa mais linda!
ResponderEliminarAté na vida robotizada, há um momento de dar as mãos e sentir o prazer de desfrutar o enlevo dos afectos, sem tabelas nem padrões.
Assim se cimentam as relações.
Lindo!
Parabéns aos dois namorados, amantes, amigos.
Beijinhos
A espelhar, tão bem, um outro cenário para o dia, este em que o catálogo diz que é especial e diferente de todos os outros. Um cenário, infelizmente, bem mais real na finalização deste dia, que dizem ser especial.
ResponderEliminarUm beijinho, Rogério
Excelente. È essa rotina que acaba com um amor. Cada dia deve ser diferente e ter uma beleza única. Consegue-se naturalmente. Há quase 8 anos que os meus dias são diferentes e cheios de boas recordações. Continuamos a namorar todos os dias. Beijinhos
ResponderEliminarLi o teu "post" e, a seguir, peguei no "Correio da Manhã",eletrónico já se vê, e apercebi-me que o PR vai iniciar umas palestras, "Roteiros para o futuro", ali para os lados de Cascais. Ele anda muito preocupado com a taxa de natalidade dos Portugueses e quer incentivar as pessoas. Cumpre-me dizer que já fiz a minha obrigação: os meus dois filhos têm mais de quarenta anos. E quanto a fazer mais, adeus minhas encomendas, estou com setenta e dois anos...
ResponderEliminarContudo interrogo-me em relação a gente mais nova. Com o prolongamento dos horários de trabalho, a redução do tempo de férias,semanais ou anuais, a redução dos salários, os despedimentos, pior ainda se não há indemnizações,eu pergunto-me onde irá parar aquele "score" luso, ultimamente muito badalado, das "duas vezes por semana", agravado por todas as troikadas possíveis e imagináveis e ao que parece inesgotáveis.
É lindo dar as mãos ao fim do dia, mesmo quando as perspectivas são negativas, como o "post" refere.
Com alguma imodéstia disse que já tinha feito a minha obrigação. Mas pergunto-me se o PR estará a fazer a dele.
Um abraço,Rogério.
Jaime
Excelente o teu texto
ResponderEliminarAté o s. Valentim iria apreciar
Abraço
...e, infelizmente, estamos mais que tabelados só que a maioria nem se apercebe disso, todo o sistema está criado e preparado para nos transformar em máquinas bem oleadinhas ;)
ResponderEliminarBjos
Meu amigo:
ResponderEliminarEsta a realidade de tantos casais a quem a perspectiva de um futuro lhes está vedada.
Resta a mão na mão e o olhar a se suicidar no mar.
Lindo e veradeiro demais este seu texto que a mim tanto diz.
beijinhos
...resta apenas o mar, as mãos nas mãos...
ResponderEliminarLindo texto Rogério.
beijinhos
cvb