Hoje, como temos feito, assinalamos a libertação dos presos políticos, na madrugada do dia 27 de Abril de 1974.
Um ano antes, na campanha eleitoral de 1973 fui preso, e para esta prisão enviado juntamente com cerca de três dezenas de democratas e antifascistas da CDE (Comissão Democrát. Eleitoral) por distribuirmos nas ruas de várias localidades do Distrito de Lisboa um apelo ao voto.
Nessa ocasião, em plena época eleitoral, num período em que Marcelo Caetano queria mascarar a sua política repressiva, com o permitir a realização de eleições, estas prisões, deram brado especialmente na Comunicação Social estrangeira dado que, em Portugal, a censura, que passou a ser denominada de exame prévio, não permitia a divulgação destes acontecimentos.
A PIDE que, tal como a censura, mudou de nome, não mudando de objectivos, meios e formas de repressão, passou a designar-se DGS – Direcção Geral de Segurança.
O Forte de Caxias, foi a prisão por onde passaram mais mulheres e também celebrizada pela fuga de um grupo de prisioneiros comunistas que fugiu num carro blindado de Salazar que fora oferecido por Hitler.
Foi neste forte que estive preso, a meses do 25 de Abril de 1974.
Do pouco tempo que lá estive, recordo com mais emoção a solidariedade entre os presos, ao ponto de, perante as manifestações de apoio das nossas famílias e muitos democratas e antifascistas, no exterior, a PIDE querer libertar alguns de nós de forma discreta, isolada e espaçadamente.
Logo foi espalhada a palavra de ordem; ou saímos todos ou não sai ninguém! E assim acabou por acontecer.
Não saiu ninguém e, mais tarde, acabámos por sair todos juntos.
Recordo, desses dias na cela, ver das janelas pessoas ao longe acenando, carros buzinando em saudação e manifestações de solidariedade para com os presos. Sabia, por ter ido muitas vezes visitar ou acompanhar famílias nas visitas, que do lado de fora, se viam nas janelas fortemente gradeadas, os braços de prisioneiros que se agitavam.
Apesar do isolamento a que estávamos submetidos, verificava que havia formas de se obterem informações que, embora escassas partilhávamos muito cuidadosamente, no recreio e nos contactos que tínhamos uns com outros.
Senti no ambiente que havia, uma grande confiança em todos os que fomos presos. Éramos muitos e entre nós havia bastantes candidatos às eleições que o regime apresentava como eleições livres.
Vi que nos Pides havia nervosismo e alguma desorientação ou insegurança. Exigimos a presença de Advogados nos interrogatórios o que, contra todas as nossas expectativas, acabou por acontecer.
Provavelmente adivinhavam que o regime estava enfraquecido e com pouca esperança de vida. As prisões de um grupo tão elevado de pessoas incluindo muitos candidatos a deputados da Assembleia Nacional, em tempos de uma campanha eleitoral, não lhes augurava bons resultados.
O Forte de Caxias é mais um símbolo, para nós inesquecível, da luta que ex-presos políticos e muitos democratas e anti-fascistas tiveram e, por isso, queremos que este período negro da nossa história, não seja hoje esquecido, como coisa sem importância, para que as novas gerações compreendam os sacrifícios porque passaram, não só quem aqui esteve preso, mas toda a população trabalhadora do país que viveu reprimida e pobremente.
A liberdade que hoje temos foi uma liberdade conquistada, e terá que ser defendida.
O Forte de Caxias tal como Peniche, Tarrafal, Aljube, a cadeia da PIDE do Porto, e tantas outras prisões espalhadas pelo país, e nas antigas colónias, em territórios inóspitos, de Guiné e Angola a Timor e, muitas outras prisões, em postos da GNR e da Policia que mantiveram presas muitas pessoas e especialmente trabalhadores, operários e camponeses que defendiam seu direitos, a melhor vida, são todas elas, símbolos de um sistema de várias formas repressivo que foi vencido na Revolução de Abril.
Como já referido, Portugal foi uma imensa prisão, onde se viveu durante muitos anos, com mêdo, sem liberdade e de onde muitos milhares de portugueses fugiram, clandestinamente, para emigrar quer para trabalhar no estrangeiro, quer para escapar à miséria, à guerra, à perseguição da PIDE e à repressão.
O fascismo foi vencido mas não está “morto e enterrado”, espreita novas oportunidades para dominar e explorar como no passado.
Hoje as ameaças são reais e, as novas gerações que não conheceram esse passado, as situações que vivemos, precisam de conhecer e compreender a história para não se deixem iludir por saudosismos falsos ou contos, não de fadas mas, de lobos vestidos com pele de cordeiro.
Neste dia 27 de Abril, em 1974, dois dias após a gloriosa Revolução, foram libertados os presos políticos que, pela sua coragem e sacrifício - tal como o de muitos antifascistas, - ajudaram a alargar a luta pela liberdade.
Nesta luta não esquecemos também a Comissão de Socorro aos Presos Políticos, que muito apoiou não só os presos como a suas famílias e, mais tarde, já neste Portugal de Abril, deu origem à URAP que tem vindo a fazer um imenso trabalho de recolha de informação, desses tempos, base essencial para a nossa História.
É também preciso reconhecer a contribuição da Câmara Municipal de Oeiras, do seu Departamento Cultural, pelas diversas iniciativas que tem tido connosco para que a memória destes tempos não se perca e seja conhecida por todos e em especial pelas novas gerações.
A URAP continua a sua acção de pesquisa de todos os documentos que ajudem a fazer a História do fascismo. Realçamos que, por iniciativa da Câmara Municipal de Oeiras e da URAP foram gravadas entrevistas a ex-presos políticos do Forte de Caxias – num trabalho que vai continuar – para memória futura e, sobretudo, para que as famílias e professores, possam preservar a nossa História e transmiti-la aos jovens estudantes.
Este trabalho pelo registo e divulgação das memórias, para que nunca mais se repitam tempos como estes, da ditadura fascista de Salazar e Caetano, tem tido a contribuição de muitos que também não devem ser esquecidos.
Deve ser também referida a cooperação que tem havido com a Associação 25 de Abril, nomeadamente nas cerimónias de homenagem aos Libertadores e Libertados.
Falta um ano para as comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril. Temos que fazer dessas comemorações mais uma luta para que a Democracia e a Liberdade, valores que custaram muito a conquistar, continuem a ser defendidos.
O sonho de um mundo melhor porque lutámos não está cumprido, foi parcialmente suspenso.
Por isso, a luta continua, todos os dias, em casa, no trabalho e na rua, para que não mais voltemos a sofrer o que sofremos, não da mesma forma - certamente - mas, mesmo com formas mais ou menos habilidosas ou discretas, não nos possam retirar a liberdade alcançada e impedir de lutar por um futuro melhor, diferente deste presente, em que os portugueses empobrecem a trabalhar.
A luta continua!
25 de Abril Sempre, fascismo nunca mais!
Caxias, 27/04/2023