31 janeiro, 2012

Sete-sóis e o mar


Sete, são sete os sois / céu e mar / Sete-sóis erguidos / perdidos / E a vela? / que olha? / É fixo o seu olhar / É firme o seu ir / Directo é seu navegar / Vai à bolina, / sem vento nem corrente, / parecendo infinita a rota... / Mas que importa / se o rumo é o do coração?
Havemos de chegar / Sem que me desenhem o destino / sei-o adivinhar: / algures em qualquer porto, / na transparência das marés / de todos os mares.
Rogério Pereira 

29 janeiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 68

HOMILIA DE HOJE

"Todos nós somos escritores. Uns escrevem, outros não"

---------------------------------------------------------José Saramago
Não é intrusão nem devassa deste espaço, que sempre foi dedicado a divulgar Saramago, colocar aqui um outro autor e a apresentação do seu primeiro livro. É que foi dito que o arrojo de este se fazer à escrita foi inspirado por essa figura de escritor e de Homem. Sentir-se o "jovem" autor um escritor que escreve, a ele o deve. Mas deve-o também a muitos, muitos amigos que apareceram e a muitos, muitos outros, cuja ausência só o foi por lhes não ver o corpo. O autor sentiu, a cada momento, que também eles estavam presentes e lhe sorriam, confiantes.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------Rogério Pereira 
E FOI ASSIM 


Numa sala, pejada de amigos, vizinhos, camaradas, ex-colegas e familiares, 
aconteceu o que Saramago inspirou. Mais de 100 pessoas ouviram e aplaudiram...


Joaquim Boiça, presidente da ESPAÇO E MEMÓRIA-Associação Cultural de Oeiras
 (a editora), abriu a sessão introduzindo os oradores... 


O coronel Barão da Cunha deu do livro o destaque que julgou ele dever merecer, 
quer na narrativa quer nos personagens, situando-o como singular no 
panorama da vasta produção literária sobre a guerra colonial.


Informal, irónico e poético o abraço, de um amigo, Eufrázio Filipe (Mar Arável)
Suas palavras se dividiram entre a emoção causada pelo escrito, o que o livrara da farda
 e o momento em que conheceu o... conversa avinagrada. 


Um momento onde a escrita e a voz de Jorge Castro  (Sete Mares) se juntaram. 
Não leu, disse, como só ele o sabe fazer.
 Foram ouvidas passagens, que fizeram sentir ao autor que valeu a pena escrever...


A expressão da emoção do autor, no momento de agradecer.


Seguiu-se o continuar de dedicatórias e autógrafos  
(que tinham também acontecido no inicio). 
A assinatura, trémula, se fosse colocada sobre um cheque, o banco o devolveria.


Na plateia dos afectos assinalaram presença os netos (o Diogo, a Maria e a Marta) 
mas também as filhas (a Andreia, a Maria João e a Sandra). O autor ficou feliz.

28 janeiro, 2012

Intermezzo... entre trabalhos de mares e o que farei amanhã.


Tão belo quanto estes acordes, foi o trabalho dos mares (eram sete os mares e mais um, este, um mar arável). 
A sala? Estava cheia de sorrisos, uns surpreendentes, e de outros até ausentes. 
Falarei disso depois... Estou ouvindo estes acordes de uma nova amiga. Estou de ressaca, curtindo...

27 janeiro, 2012

Há pouco mais de um ano...

Era assim a imagem do outro blogue, onde ia publicando páginas do meu livro 
Fechei-o. Quando o queria abrir, não consegui. O que eu perdi...

Em Novembro de 2010 iniciei o livro que vai ser apresentado amanhã. O texto que hoje publico integrava o prefácio provisório. O nome ainda estava em dúvida e hoje é conhecido. O projecto, esse mantém-se em aberto e ainda não decidi o que vou de seguida fazer. Fica a promessa: vou continuar a escrever.
"(...)As viagens sobre as quais vou escrever, estão no mapa. São viagens impostas e não escolhidas de entre a oferta turística para destinos de veraneio ou de cultura. São viagens impostas por desígnios que outros consideraram sem me ouvir, replicando-se, assim, a viagem que conduziu à minha própria existência (“eu nem se quer fui ouvido no acto de que nasci”). Não farei reclamações por ter sido introduzido por esses caminhos pois, como parece ter ficado claro, encaro normal no meu passado que me tenham condicionado horizontes. Outra coisa é a forma de navegar. Aí sim, tenho responsabilidades. Sobre como o fiz, o que fiz e o que deixei de fazer. Significa então a minha aceitação por imposições externas na direcção que deve seguir um homem? Sou contrário ao princípio de que cada um deve poder escolher o seu caminho? Claro que não. Mas escrever sobre isso seria escrever sobre a utopia. Não sei se o farei ou se guardarei para outro dia…"

26 janeiro, 2012

O sucesso escolar... o amor aos livros... e o (muito) mais que adiante se verá...

Ontem desloquei-me à Assembleia Municipal do meu concelho (Oeiras). Entrei já ia a sessão adiantada e o Prof. David Justino estava no uso da palavra (*). Sentei-me, estava num tema estimado. O ex-Ministro dizia com amargura (que me parecia sincera) que uma pequena escola de um pequeno concelho e aprazível lugar, como é a vila de Contãncia, não conseguia fixar 70% dos professores. Estes, quando estavam adaptados e com a cultura da escola interiorizada, partiam. Partiam mesmo querendo ficar... Fiquei mais um pouco e logo decidi que o post seria dentro do tema... Metendo hoje as mãos nessa massa, fui ao blogue Terrear (coisa que sempre faço, quando os temas andam por onde este anda). Claro que me comoveu o que lá vi, mas não arredei um milímetro do que lá me levou e trouxe isto: 
"Há uma fórmula para o sucesso? Embora todos gostássemos muito que houvesse, o facto é que não há! Hoje, nas duas conferências sobre o mesmo tema (que aqui já referi) houve mil evidências de que não há uma fórmula. Há, certamente, uma combinatória de geometria variável que é preciso procurar, testar, monitorizar e avaliar. Há algumas certezas. Não precisamos de estar sempre a inventar a roda. Mas uma resposta de tamanho único, não há. Isso foi sempre o "sonho" do sistema burocrático e hipercentralizado. Que parece persistir (para mal dos nossos pecados)... "
O texto citado foi afirmado num fórum e lá, no Terrear, está escrito o resto (que vale a pena ir ler)... Mas o que me pergunto é porque é tudo tão complicado quando me parece tão simples se visto isto: 


Ah, o livro?... vejam como essa escola ensina a dar-lhe estima...

(*) David Justino apresentava, à Assembleia Municipal de Oeiras, as conclusões do estudo ESCXEL

25 janeiro, 2012

Entre o sonho e o pesadelo, a fala do guerreiro negro...

























A fotografia, que julgava perdida, apareceu.
É referida no livro e nela, agora,
inscrevi a passagem onde, "Entre o sonho 
e o pesadelo", o guerreiro me fala.


in "Almas que não foram fardadas"/pág. 186


(ver)

24 janeiro, 2012

Ofereceram-me um selo... Tento, hoje mesmo, começar a merece-lo

Ofereceu-me este selo por me considerar criativo. É muito agradável que ela me ache assim, até porque o pouco que sei dela é testemunho que, embora viva num mundo cor de rosa, não se trata de uma jovem daquelas que mais parecem adultos em férias (como um palestrante, me convidado de ontem tão bem dissertava). Mas tem uma coisa: seria contraditório que, tendo-me considerado criativo, não acrescentasse criatividade a tão honrosa oferta. Faço-lhe a imaginativa "maldade" de romper com o processo em cadeia e com as condições de multiplicar o endosso... Coisa feia essa? Talvez, mas está-me na maneira de ser não o fazer. Também não falarei da minha música preferida, das sobremesas que me agradam, do que me tira do sério... não que queira fazer disso um mistério, mas porque, de mim, é o que mais falo aqui.
Apenas respeito, ao meu jeito, dar conta dos sete factos aleatórios sobre mim: 1- Estudo ciências politicas todos os dias, gostava de fazer algo pelo mundo! 2- Gosto muito de fazer voluntariado, manter este blogue não coisa a que esteja obrigado. 3- Sou muito sensível, choro por tudo e por nada! 4- Sou apaixonado pela minha família e pelos amigos e por ela! 5- Detesto brincos, malas, sapatos, roupa! 6- Sou muito saloio (nasci perto da Malveira), e adoro isso! 7- Sou do Benfica, mas não me importo de perder, desde que no final... seja o campeão nacional! 

Cometi a maldade de praticamente a plagiar? Claro que não... só que somos... parecidos!

22 janeiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 67

Mais saramaguiana que qualquer outra frase ou lugar comum que associa a criação literária ao acto de ter um filho é a citação que suponho já ter feito, do próprio, de que "Todos somos escritores. Só que alguns escrevem, outros não". Em data próxima, talvez repita pela enésima  vez esse seu sentir que quase desafia e incentiva a que todos escrevam, faltando apenas a quem não escreve a vontade de o fazer. E o deveria, pois eu sempre digo que cada vida, mesmo sem questionar se sim ou não foi intensamente vivida, dava um livro. Mas voltando ao lugar comum, que também não enjeito, ocorre-me (porque ela fez com que me ocorresse) um texto da Gisa (esse alguém que, do outro lado do Atlântico, me quer bem)
"O ato de escrever é voluntarioso. Ou você escreve ou você escreve, não há plano B. Uma vez o texto nascido, e com o mérito de não ter se tornado mais um bolinha com a tarefa de enfeitar o mundo reciclável, ele ganha a maioridade. Assim só lhe cabe abrir a porta, dar-lhe um beijo na testa desejando-lhe boa sorte no mundo lá fora. E lá se vai ele impresso ou virtual para desbravar as temidas fronteiras. O seu filho, o seu filhinho que ainda há pouco você tentava organizar ajudando-o a por-se de pé e dar os primeiros passos, já é maior de idade. Ele saiu de casa com uma missão: procurar novos amigos ou inimigos, despertar paixões ou iras, conceitos ou preconceitos. Você, respira aliviado pois sempre confia na educação que lhe dispensou, nos conselhos que se esmerou em dar e em toda estrutura que lhe possibilitou este voo autônomo, mas ele não é mais seu"
Este texto, é mais ou menos o que Saramago escreveu, não sobre um livro seu, mas sobre o que um filho é e onde afirma que "os filhos são do mundo". Gisa é, talvez sem o saber, saramaguiana, coisa que, aliás, acontece a muitos de nós...

HOMILIA DE HOJE

«Contamos histórias, pois claro. Contamos a nossa própria história, não a da vida, não a história biográfica, mas essa outra que, em nosso próprio nome, dificilmente teríamos a coragem de contar, não por dela nos envergonharmos, mas porque o que há de grande no ser humano é grande de mais para caber em palavras, e aquilo em que somos geralmente pequenos e mesquinhos é a tal ponto quotidiano e comum que não levaria qualquer novidade a esse outro grande e pequeno que é o leitor. Talvez por tudo isto alguns autores, entre os quais me incluo, favoreçam, nas histórias que contam, não a história dos que vivem e vêem viver, mas a história da sua própria memória. Somos a memória que temos, e essa é a história que contamos.»

Citação de Saramago, que abre o livro "Almas Que Não Foram Fardadas", de Rogério Pereira

21 janeiro, 2012

Ontem, tive uma "Noite com poemas" e de descobertas...

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Poema da Malta das Naus 
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Jorge Castro, já vosso conhecido, convidou-me para uma "Noite com poemas". Fui. Ofereci-lhe o meu livro com uns dizeres reconhecidos pois aceitou ler, dele, palavras minhas, como ele as sabe dizer. A sala, diversa e repleta, alinhou-se para um serão de emoção. A filha de Rómulo de Carvalho, Cristina, falou sobre o pai e leu passagens comoventes. Outros disseram poemas e falaram da obra, do homem, do cidadão. Alunos seus deram testemunho do pedagogo, do professor. Outros lhe sublinharam a dimensão do homem apaixonado pelo conhecimento... Um serão que pareceu talhado para nos despertar a sua lembrança e o seu exemplo, para além do amor à palavra, ao verso, à poesia. Hoje revejo o que lá vi o ouvi, procurando elementos para documentar o que queria eu dizer. Encontrei não tanta documentação quanto Gedeão merecia que tivesse, pois foi obra imensa. O site, dá uma ideia. Uma ideia aproximada e recomendo que seja visitado. De lá, recomendo a apreciação critica que lhe faz Urbano Tavares Rodrigues, sem adjectivar tal escrito. De lá, retiro esta quadra. Do porquê de o fazer, não digo nada. Não necessito de o fazer, digo apenas que me reconheço nela (tal como Meu Contrário e Minha Alma)
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 « Chamei o meu ser que pensa 
para ralhar com o que sente 
Sempre que os ponho em presença 
sorrio, piedosamente.»
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-------------------------------------------------------António Gedeão


As fotos do evento, aqui

20 janeiro, 2012

Os ratos elegem os gatos... Lembram-se?


Nuno Ramos de Almeida, escreveu hoje no  jornal i
talvez inspirado pelo que eu escrevi aqui...

A iniciativa dos "dissidentes" do PS


Nós, para não dizer eu, gostávamos que as coisas desta vida fossem simples, directas e transparentes. Que o complicado fosse simplificado ou, no mínimo,  fosse pouco esforçado o seu entendimento e a inteligibilidade do que está a acontecer fosse imediata ou, ainda, por detrás do que se diz ir fazer, fosse mesmo feito, sem outra intenção do que o fazer acontecer... Nada, ou pouco é  como à primeira vista parece ser. Por desgraça dos ocupados em fazer face a um dia-a-dia sem pausas para pensar e também dos preguiçosos mentais, quase tudo tem inconfessáveis desígnios, mas a ideia mais forte que fica e permanece não os reflecte... Vem tudo isto a propósito da iniciativa dos "dissidentes" do PS e de um texto que começo aqui, mas que recomendo que seja lido, na integra, num outro lado. Está no POLITEIA...  é extenso? Paciência... Começa assim:
"Por razões que pouco ou nada têm a ver com as da bancada parlamentar do Parido Socialista, é muito discutível que a iniciativa dos “dissidentes” do PS – que pretendem submeter ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva, abstracta, das disposições do Orçamento que “cortam” os subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas – deva ser apoiada pelos partidos de esquerda. 

.Tanto quanto se sabe pela leitura dos jornais, parece que a adesão de deputados do PCP, BE e Verdes àquele pedido estaria apenas dependente do texto preambular que antecede e fundamenta o pedido. Um texto- diz-se- que para ser apoiado teria de acomodar na sua redacção as diferentes sensibilidades políticas de quem o subscreve. 

.Há, porém, razões de outra ordem, umas meramente tácticas, outras substantivas, de incidência estratégica, que se prendem com a própria natureza da luta a travar contra hecatombe neoliberal em curso, que podem desaconselhar aquele procedimento. Começando pelo princípio (...) (continuar a ler aqui)

16 janeiro, 2012

Eus de mim, no meio de nós


Em tons escuros
me descubro    me revelo
Novelo de mim
Eu
de tantos eus
Um eu de ser e de estar
Um eu de amar
Um eu de ouvir
Um eu de não calar
Um eu de cantar
hinos de ir
e canções de embalar
Um eu que pensa
Um eu que voa   que tem proa
tem ré   bombordo e esse outro lado
e o por cima da quilha
guiada por um leme
Eu assim   barco
Eu forte    por vezes fraco
Um eu que treme
Outro que se agita  e que reclama e que grita
Um eu que luta  outro que ironiza
Um eu que pensa  julga  ajuíza
Um eu que me ampara
e recolhe a lágrima de esse outro eu
que sou eu
humano
como tu no meio de nós

--------------------------------------------Rogério Pereira


Tela de minha colecção - autoria de Guma Kimbanda


"...não são partes de um todo, mas um todo que repartes." me disse Guma, num comentário...

Ele mo deu. É meu...

Ele escreveu: "O que ali está é um “boneco” mal amanhado. Eu sei! Mas, arte me faltou para melhor fazer. Elaborei-o com toda a perícia de que fui capaz. Pouca ela foi, como se vê. Fi-lo, ainda assim, para o oferecer a amigas e amigos, companheiros e visitantes da minha cubata.(...) E dizendo isto, ele mo deu. Trouxe-o comigo e comparei-o a outro, semelhante, que me ocupa a estante entre outros objectos queridos e que me levam a terras distantes. O tal boneco é "O Pensador", e é só o que Angola escolheu para sua imagem nacional. Ele me deu aquilo que, estou certo, lhe anda na alma e na memória.

Obrigado Carlos Albuquerque por mo ter dado

15 janeiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 66

Alguns dos rostos que estão a orientar, com um aparente interrogar, 

Os rostos da foto e o link colocado na legenda, poderiam dar desenvolvimento diferente às reflexões de hoje. Voltarei a essa gente e ao que dizem e fazem, depois de completar a experiência por que estou a passar e às dificuldades sentidas em fazer chegar o meu livro às livrarias. Hoje mostro-os e dou-os apenas como enquadramento de uma questão que há muito ocupa o meu pensar e que é a questão do papel do intelectual enquanto cidadão e a sua influência (ou ausência dela) na marcha dos povos e da sua própria cultura.
Em homilia passada transcrevi um texto onde se dizia: "A morte de José Saramago é o fim simbólico de uma geração politicamente comprometida" e salientava o que dizia Rosa Mendes sobre o panorama da criação literária: "A criação portuguesa é muito virada para si própria, onírica e introspectiva". Nesse sentido há "um défice de real", e a realidade torna-se "sempre aquilo que estamos a viver dela"... Acrescento eu, com desalento: Saramago hoje não tinha qualquer hipótese de sobreviver como escritor, e digo-o com o sentimento de que há quem trabalhe para evitar que outros saramagos possam aparecer e a assegurar esse "défice de real" de que fala aquele jovem escritor.

HOMILIA DE HOJE 
“…queiramo-lo ou não, somos já parte culpada do nosso tempo, e inevitavelmente seremos julgados daqui a cinquenta anos por essa culpa. Bem mais sábio seria, propunha, examinarmos esses erros que estamos cometendo, e corrigi-los, se para tanto temos forças e coragem, ainda que a mesma sabedoria nos vá dizendo, como diz, que o erro é inseparável da acção justa, que a mentira é inseparável da verdade, que o homem é inseparável da sua negação. (...) parecia-me que muito mais necessário que «um novo enfoque pluralista, mas teoricamente coerente, das relações entre política e cultura, tecnologia e valores morais, ciência e complexidade, compromisso e solidão criadora», como reclamava o «Documento Fundador» – mais urgente do que todas estas aparentes urgências seria um exame rigoroso do estado actual do mundo, e também o lugar, a parte, a culpa ou a responsabilidade que nele têm os intelectuais de hoje – de hoje, meus senhores, de hoje. Afinal, os intelectuais dos anos 30 tinham muito menos dúvidas do que nós, que aparentamos tantas certezas. É graças a elas, suponho, que nos reunimos em congressos para definir «espaços culturais» e «fundar estratégias do fazer intelectual». Quando melhor faríamos em proclamar a necessidade duma insurreição moral dos intelectuais, sem distinção de alvos ou de épocas, e sem hierarquização absolutória ou condenatória dos crimes, e de quem os praticou ou está praticando. Sob pena, seja-me perdoada a banal metáfora, de lançarmos fora a criança no mesmo movimento com que nos dispomos a despejar a água suja do banho.
 José Saramago, in "Uma página, antes que esqueça..." 23.Abril.1994

14 janeiro, 2012

Guma Kimbanda

Já transformei, em tempos, este meu espaço em galeria de quem me pintou lugares de infância e, também, de quem desenhou figuras que me povoaram (e povoam) a mente. Para o trabalho de Guma opto por coisa diferente. Faço convite a que o visite. Porquê? Porque ele pintou parte da minha memória. Visite Guma e delicie-se, também, com as palavras que lá tem... Vá à Serra da Leba... Não precisa me agradecer. Vá, vá lá ver...
««»»-««<>»»-««»»
.
a escuridão vestiu o céu 
os astros trocam de lugar 
dançando 
e cantando à capela 
ecos de imensidão . 
.
uma pequena estrela 
longínqua e sem graça 
voltou a brilhar 
imune ao tempo que passa 
-reflectindo o beijo nela-
---------------------------Guma Kimbanda


Aqui as telas, se aconchegaram ao espaço... 
Tivesse eu parede e era assim que minha memória se arrumaria.


13 janeiro, 2012

Que se pague a hemodiálise...


Na sua última sessão, os necrófagos terão discutido
a pertinência da contestada medida
Apesar de se gerar unanimidade, a decisão foi adiada
 por haver despojos suficientes... e ainda quentes.

12 janeiro, 2012

A honra de figurar...

A antologia, onde estou e antes de estar não sabia...
Concorri com três textos e um foi seleccionado. Concorri porque achei a ideia bonita. Porque uma antologia assim era uma iniciativa simpática. Porque me dar a ler é uma obrigação que tenho de ter, a partir da altura em que aceitei escrever... Só espero é que me leiam aí, como no livro em que tal página está inserida:  como um testemunho, um bocado da minha vida, do meu... do nosso passado.... .

11 janeiro, 2012

O tempo, que o tempo tem...

Minha filha, parece procurar no tempo coisas que eu dela bem lembro... Com ela partilho a minha memória, no dia do seu aniversário:

80 – O telefonema para casa. – A operadora da Marconi quebrou a curta espera: «O número pedido vai atender, não desligue por favor», seguiram-se três, quatro toques de chamada e, depois, a voz querida e esperada. Precipitados, dois olás simultâneos, dela e meu, um por cima do outro, tornaram mais evidente o nervosismo e a distância dos corpos. Vozes, a custo claras, porque embargadas, venciam a custo a emoção de um reencontro de palavras em tons tão familiares e íntimos, para dizerem coisas de circunstância, repetindo o que já tínhamos dito e repetido em centenas de cartas durante a tão longa ausência de oito pesados meses. De quando em quando era o silêncio, a pausa, cada um esperando a iniciativa do outro para se repetir o falar conjunto, em atropelo. Rimos de uma das vezes em que tal aconteceu e isso soltou mais a conversa. Ela falou sobre as nossas filhas, as suas últimas graças e traquinices. Falava e eu escutava. Falou da sociabilidade da João («ela mete conversa com toda a gente, com tudo dito e explicadinho») e a sua relação com a irmã, a Sandra, contando como imitava, ora com esta ora com a boneca, gestos maternais. Como ela queria também dar o biberão, mudar a fralda, dar banho, coisas que testemunhavam uma relação normal e a resposta também normal da Sandra (que acabara de fazer um anito) e de como esta era muito alegre, calma e meiga. Ouvia tudo, num esforço vão da minha memória ali reconstituir as feições e de mentalmente ir reconstruindo as situações que iam sendo descritas. Depois foi a fase mais dolorosa, com a rejeição, da minha pequena João, em falar. A recusa era muda, perante a insistência da Teresa: «Fala, fala, é o papá. Diz-lhe olá, vá… ele vai gostar.» Os segundos pareciam eternidades e o apelo não a demoveu. «Deixa lá», atalhei eu, percebendo que a emoção a inibia mais que o aparelho, que bem lembrava eu de ela usar com destreza e prazer e onde falava imitando os gestos adultos de quem conversa com coisas importantes de serem ditas. Íamos reatar a conversa, quando pancadas repetidas e zangadas se fizeram ouvir nas minhas costas. A fila era grande, outros, muitos, esperavam para falar para casa, para também exorcizar a saudade. A despedida foi assim precipitada e é-me difícil lembrar um beijo de despedida, de um beijo falado. Recordá-lo-ia se fosse dado…
Rogério Pereira In "Almas que não foram fardadas", pág. 97 
Parabéns Maria João

10 janeiro, 2012

Teorias da conspiração, a parte prática dessa questão - 2

Exigindo-me a mim próprio competências para blogar e hesitante sobre saber se as tinha, submeti o meu projecto ao escrutínio de amigos que vieram a considerar que se construísse um blogue não teria que me envergonhar... Em finais de 2009, durante cerca de três meses, todas as semanas massacrei-os com textos em word, devidamente ilustrados. Sua missão era a critica... Fiquei aprovado, mas com quase unânime recomendação de que não deveria basear-me em teorias da conspiração. Não liguei e arranquei. Disse, afirmei, escrevi, busquei testemunhas que testemunhassem que o PIG existe (*)... Não era grande a novidade nos que me liam. Eles sabiam e, assim, passei, em vez de fazer disso denúncia, a publicar as omissões da imprensa: na economia, na politica e até, na educação e em outros temas. Eu próprio começava a admitir que os media, servindo embora interesses instalados, não haveria entre esses interesses um fio condutor ou algo de mais estruturado que desse uma orientação ao quarto poder. Retorno agora ao meu ponto de partida e verifico que a coisa é bem como eu inicialmente pensava. E as ramificações são imensas... Acho que estamos na mão de poderes ocultos e nem a sua denúncia lhes reduz a eficácia...

E se as redes sociais estiverem inquinadas por estas práticas?
Um ex-espião do SIS perito em guerras de informação criou centenas de contas de Twitter com nomes falsos para espalhar boatos na Net - "De uma assentada, quase 300 contas de Twitter entraram em atividade na Internet na primavera de 2011, passando a produzir tweets (frases curtas, com 140 carateres) exatamente iguais em momentos cirúrgicos e praticamente em simultâneo. O objetivo era divulgar informações favoráveis à Ongoing e espalhar boatos sobre figuras diretamente relacionadas com as lutas de poder do grupo de Nuno Vasconcellos no seio da PT e da Impresa (grupo proprietário do Expresso)..."  (ler aqui)

E se os partidos do arco-do-poder fossem meros marionetas e nós patetas?

09 janeiro, 2012

Teorias da conspiração, a parte prática dessa questão - 1

Não me lembro bem dos dizeres da bíblia sobre o Apocalipse, mas segundo seus escritos haveria um dia para o juízo final. E já tendo havido muitos, aproxima-se outro, no próximo, 21 de Dezembro. Recordo, muito pequeno, de chegar a casa depois de ter escutado, em qualquer lado, que a fúria dos astros iria penalizar os mortais, pecadores e pecadores com as confissões e penitências atrasadas, acabando com este mundo terreno. Foi há muito, mas que me lembre mal cheguei a casa e perguntei a minha mãe, já não sei em que termos, se havia veracidade na coisa. Ela respondeu-me com a sabedoria de todas as mães que aceitam o pecado como uma inevitabilidade muito humana: "Sim filho o mundo irá acabar para quem irá dele desaparecer. Todos os dias isso acontece. Todos os dias morrem pessoas..."  Acho que ela nem tirou os olhos do que estava a fazer e a falta de solenidade na resposta ainda lhe deu mais veracidade. Saí e fui brincar, como naquela altura se fazia, na rua, todo o dia...
Na semana passada percebi que os anos passaram mas a teoria mantém-se em dia. No blogue octopus, na ausência da minha mãe para quem o mundo já há muito acabou, foi seu autor que me deu a necessária tranquilidade, me sossegou. No sábado veio o Expresso contrariá-lo.  O titulo era sugestivo: . "Fúria solar" e seguia-se os dizeres:"Em 2012 entramos num pico da actividade do Sol que pode afectar o nosso modo de vida demasiado dependente da tecnologia". O texto enumerava o que estava em risco e podia pôr em causa a nossa civilização: redes e centrais eléctricas; satélites; telecomunicações; transportes e um montão de serviços. Será então um pequeno ou médio Apocalipse, que alguns irão até lá divulgar, ampliando-lhe os presumíveis efeitos... sem deixar de os ligar ao castigo de Deus ou ao frigorífico e televisor que temos em casa... A foto "por acaso" até vai nesse sentido. E um filme também. O medo, sentimento difícil de explicar, tem múltiplas formas de ser espalhado. E todas serão tentadas...
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Os olhos não acreditam, mas o subconsciente... consente.

08 janeiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 65

Já fiz, há tempos, uma tentativa de juntar um texto meu ao seu, em plena homilia. Não voltei a fazê-lo pois parecia profanar um espaço que lhe era reservado, que tinha destinado a palavras suas. Passado todo este tempo, reflicto e resolvo-me pelo atrevimento de nem sequer o citar. Tento meter-me na sua alma, no seu sentir, no seu dizer... Na verdade, nem sei porque o faço. Talvez apenas por sentir a sua falta...

HOMILIA DE HOJE (sem qualquer citação)
Fechou-se muita coisa, lentamente, com dores locais de quem ia perdendo fábricas, barcos, searas, pomares, pequeno comércio, escolas, farmácias, urgências e atendimentos. O país reagia, mal se ouvindo as bocas que teimavam em não se fechar, por se terem fechado os acessos ao contraditório e à denúncia. Os telejornais não era a medo que passavam imagens de desgosto em cada rosto e focavam cada entrevistado para evidenciar a fraco argumento da alma que se não cala. As câmaras de reportagem recolhiam as imagens a mandar para o ar à hora de maior audiência, sem inocência, mas com a pedagógica missão de incutir que não vale a pena reclamar. Alguém determinou que era prioritário tornar a dor banal. Feito o treino inicial, passou-se a outra escala e dimensão agora: que se fechem mais fábricas, mais hortas, mais pomares, mais escolas, cresces, infantários, maternidades, urgências e hospitais. Que se fechem teatros, cinemas e óperas. Que se feche até esse ministério a que chegámos a chamar da cultura. Que se fechem universidades, aldeias, autarquias, que se mandem estaleiros para o estaleiro, que se fechem mais, muitas mais empresas, que se fechem carreiras de transportes, linhas de caminho-de-ferro, travessias marítimas e outros caminhos, para os adequar à procura pois é segura a tendência de não haver necessidade de ir a qualquer parte... Tudo tende a desaparecer. Até lá, que se fechem as bocas desses filhos da puta, para que não oiça a data em que anunciarão que o país vai ser fechado.
Rogério Pereira


NOTA : As partes  sublinhadas a bold são a resposta, contidas no próprio texto, a questões que vieram a ser colocadas no espaço dos comentários. 

07 janeiro, 2012

Os poemas, tal como as palavras, são como as cerejas....

Tudo começou com um poema de Joaquim Pessoa. Depois de uma discordância minha, vem AMCD (Trabalhos e os Dias) concordar comigo e assim dizer (transcrevo, porque é necessário de se ler):
"Há um capítulo dedicado a esta questão num famoso livro do Nobel Richard Dawkins, O Gene Egoísta, em que o autor defende que a transmissão cultural pode ser tão ou mais forte do que a transmissão genética. Por exemplo, Mozart é lembrado pelas suas sinfonias e por isso perdura; Sócrates, o filósofo, também é lembrado entre nós, e embora nunca tivesse escrito nada, a sua filosofia ficou registada nas obras dos seus discípulos que o recordaram, em particular Platão. Em suma, estaremos longe de ser nada se perdurarmos na memória dos vindouros, pela obra que deixamos. Mas mais do que isso, se vivermos uma vida plena, a vida já vivida ninguém no-la poderá tirar, mesmo que todas as memórias se apaguem. Essa é a mensagem do longo poema de Alfonso Canales, "Discurso de César às Legiões", de que tanto gosto, e que reza assim:
"Quando a mão cessar de agitar-se, e o lábio
de tentar falar; quando terminar
de organizar a minha destruição, e começar
a organizar meu esquecimento; quando for
coisa ou, menos ainda, a pegada de um gesto
ou, menos ainda, referência
de uma mancha muito zelosamente
apagada; quando acabem
as solúveis escórias, os destruídos
torrões, a fumarada,
de espalhar-se e afastar-se e ver-se
sumidos num fundo saco vazio; quando
nada estiver como está, como não esteve
nunca; quando já ninguém
entender nunca o que é nunca, e sempre
simule eternidades novas;
quando outros mordam o engano, ferido
o palato, e creiam a pés firmes
que estão e são, etcetera; e mais tarde,
quando já não haja nada que crer ou ninguém
que creia; quando não haja
ninguém; quando todas as récitas
acabem, se dispam os actores
de máscara e de pele, e o público
se retire e vá dormir, se apaguem
as luzes, e os ratos
busquem nas plateias
algum pedaço de chicle húmido; quando morrerem
também os ratos e os gulosos
vermes dos ratos e os pequenos
animais (ou plantas) que devoram
os vermes dos ratos; quando abatam
seu estríado prestígio os fustes; quando o brilho
se ensombre, e a sombra
se esfume; quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO."

(Alfonso Canales)

06 janeiro, 2012

Aquilo a que chamamos destino...

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Somos o que sentimos e o que pensamos e, 
para além disso, somos a memória deixada!, digo eu.
Diziam-me amigas esperarem que eu pegasse num texto anterior para o tratar a meu jeito. Adivinhavam-me o intento, pois não é impunemente que um poeta fala como Minha Alma. Quis aquilo a que chamamos destino, que uma má noticia  desviasse a intenção. Regresso ao que tinha planeado e pego numa expressão usada: "Somos o que sentimos e o que pensamos e, para além disso, somos nada!", para discordar da parte final. É que só somos mesmo nada se de nós não ficar qualquer memória do que sentimos e pensámos, quando éramos a ideia de ser tudo... 
E que dessa memória fique a da gente boa, pois os falsos bons e o tiranos deixarão actos e seguidores que os hão-de bem lembrar...
imagem retirada da net e já repetida em post anterior  

Não sei o que dizer... um amigo partiu


A sua última obra, a derradeira...
 Orquestrações inesquecíveis, de poemas que também o são: Lisboa, meu amor (Joaquim Pessoa/Carlos Mendes). No teu poema (José Luís Tinoco/Carlos do Carmo). Estrela da Tarde (Ary dos Santos, Fernando Tordo/Carlos do Carmo)

05 janeiro, 2012

Mais um Pessoa, que fala como a Minha Alma...

Dia 127

"Sou a tua casa, a tua rua, a tua segurança, o teu destino. Sou a maçã que comes e a roupa que vestes. Sou o degrau por onde sobes, o copo por onde bebes, o teu riso e o teu choro, o teu frio e a tua lareira. O pedinte que ajudas, o asilo que te quer acolher. Sou o teu pensamento, a tua recordação, a tua vontade. E também o artesão que para ti trabalha, o medo que te perturba e o cão que te guia quando entras pela noite. Sou o sítio onde descansas, a árvore que te dá sombra, o vento que contigo se comove. Sou o teu corpo, o teu espírito, o teu brilho, a tua dúvida. Sou a tua mãe, o teu amante, o marfim dos teus dentes. E sou, na luz do outono, o teu olhar. Sou a tua parteira e a tua lápide. Os teus vinte anos. O coração sepultado em ti. Sou as tuas asas, a tua liberdade, e tudo o que se move no teu interior. Sou a tua ressaca, o teu transtorno, o relógio que me- de o tempo que te resta. Sou a tua memória, a memória da tua memória, o teu orgulho, a fecundação das tuas entranhas, a absolvição dos teus pecados. O teu amuleto e a tua humildade. Sou a tua cobardia, a tua coragem, a força com que amas. Sou os teus óculos e a tua leitura. A tua música preferida, a tua cor preferida, o teu poema preferido. Sou o que significas para mim, a ternura que desagua nos teus dedos, o tamanho das tuas pu- pilas antes e depois de fazer amor. Sou o que sou em ti e o que não podes ser em mim. Sou uma só coisa. E duas coisas diferentes."           

Joaquim Pessoa, editado aqui.

04 janeiro, 2012

Pingo Doce, loja de conveniência? Não é fácil...

Ainda muito se falará do que, efectivamente, está em causa. Em vários planos: no financeiro e fiscal; no plano moral e ético; no plano politico; no da responsabilidade social. A primeira reacção é de estupefacção. Estupefacção inusitada, como se pudesse esperar que o capital tivesse Pátria (ou Mátria) e fosse solidário... Pessoalmente reagi como o jumento, pronto a boicotar, retaliando. Pensei em transformar a loja, que me fica a cem metros de casa, em loja de conveniência e onde passaria a comprar o que me esquecesse de fazer em um outro lugar. Mas qual? Num raio de mil e quinhentos metros existem cinco lojas da Jerónimo Martins. CINCO. Cinco que secaram tudo à volta. O grupo não dá ponta sem nó e decide no momento certo. Não tem (real) concorrência e tem os fornecedores e a produção na mão... Entretanto percorri a área e dei com algumas lojas "sobreviventes". Fiz algumas compras e ...perco dinheiro. Mas não desisto à primeira... tenho que fazer bem as contas, compará-las num mês inteiro... Mas não vai ser fácil...

Uma loja que promete... fiquei maravilhado com a qualidade da peixaria... 


Um talho onde apetece comprar, perto do Pomar...

03 janeiro, 2012

A Dª Esmeralda e a vizinha do 4º andar, a conversar (7)

A Dª Esmeralda não alinha com a interrogação da vizinha

É claro que a vizinha do quarto andar começa a desconfiar, mas ainda crê naquilo que se diz e lê. Por todo o lado, dito e escrito por aqueles em que ela confia. Os em quem votou. Os que são convidados a falar antes do seu programa favorito ir para o ar. Os títulos de primeira página. O coro é unânime: "A crise se deve a termos   gasto mais do que podíamos". Quando a Dª Esmeralda lhe leu a tal carta, a vizinha calou-se. Mas não terá mudado de ideias. É que o senhor Presidente fez um discurso fazendo-lhe a cabeça reforçando-lhe a crença.... de que ela, coitada, era a verdadeira culpada.

COISAS QUE NEM A Dª ESMERALDA SABE:
“Milhões de € de rendimentos transferidos todos os anos para o estrangeiro agravam défice e divida externa. Entre 2000 e 2010, foram transferidos para o estrangeiro 147.083 milhões € de rendimentos, causando a descapitalização do país.” (ler tudo
“E com maioria de razão se se tiver presente que uma das causas importantes da destruição do aparelho produtivo nacional, que teve como consequência o crescente défice da Balança corrente e o vertiginoso endividamento do País, foi precisamente a politica de crédito do sistema financeiro, que tem privilegiado o apoio às actividades especulativas em claro desprezo pelas actividades produtivas. (...) Esta situação agravou-se ainda mais durante os quatro anos de governo de Sócrates. No fim de 2008, o crédito total concedido à Agricultura, Pesca e à Industria Transformadora somava apenas 16.455 milhões de euros, enquanto o concedido a empresas de construção, de actividades imobiliárias e à habitação totalizava 168.701 milhões de euros, ou seja, 10,2 vezes mais.” (ler tudo)

02 janeiro, 2012

Já se vão sentindo os efeitos...


"(...)Esta é uma crise que vai durar 10 ou 15 anos, porque o problema fundamental não é a dívida pública, mas sim os bancos europeus. E não estou a falar dos pequenos bancos portugueses ou gregos. O problema é que os grandes bancos – Deutsche Bank, BNP Paribas, Credit Agricole, Société Generale, Commerzbank, Intesa Sanpaolo, Santander, BBVA – estão à beira do precipício. Isso é muito pouco visível no discurso oficial. Só se fala da crise soberana, quando o problema é a crise privada dos bancos. (...)"- Éric Toussaint (ler aqui)"
"Tal como aconteceu com Alan Greenspan, ex-presidente da Reserva Federal dos EUA, cuja cegueira ideológica neoliberal o impediu de tomar medidas que evitassem a crise iniciada em 2007, também em Portugal a cegueira ideológica neoliberal que domina Passos Coelho e o ministro das Finanças está a impedi-los de ver que estão a destruir o país. A política de austeridade, assente na ideologia neoliberal, tem como objectivo garantir o pagamento aos credores, que são os grandes grupos financeiros, como afirma o Nobel da economia Joseph Stiglitz. E isto mesmo que seja à custa da destruição da economia e da sociedade.(...)" Acrescentado, já depois da edição inicial, a partir do comentário da Fada do Bosque (ler aqui)

01 janeiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 64



Ontem foram palavras, mais uma vez, de desassossego. Empreguei-as no dia de aniversário, com um balanço e um desejo. Este negava a palavra "feliz" e em troca, na formulação de votos, eu desejava QUE O ANO DE 2012 SEJA O ANO DA CIDADANIA, DA FRATERNIDADE E DA MUDANÇA. Não vejo outro caminho para chegar à palavra não dita e, assim, a esse estádio que, embora omisso, é desejado. Quanto ao balanço sobre 2011 (ontem apenas aflorado), socorro-me daquele que fiz sobre2010 o qual, por sua vez, é cópia do que Saramago fez sobre 2008. As coisas seguem um ciclo inevitável há muito traçado: 
 HOMILIA DE HOJE
"Valeu a pena? Valeram a pena estes comentários, estas opiniões, estas críticas? Ficou o mundo melhor que antes? E eu, como fiquei? Isso esperava? Satisfeito com o trabalho? Responder “sim” a todas estas perguntas, ou a mesmo só a alguma delas, seria a demonstração clara de uma cegueira mental sem desculpa. E responder com um “não” sem excepções, que poderia ser? Excesso de modéstia? De resignação? Ou apenas a consciência de que qualquer obra humana não passa de uma pálida sombra da obra antes sonhada. Conta-se que Miguel Ângelo, quando terminou o Moisés que se encontra em Roma, na igreja de San Pietro in Vincoli, deu uma martelada no joelho da estátua e gritou: “Fala!” Não será preciso dizer que Moisés não falou. Moisés nunca fala. Também o que neste lugar se escreveu ao longo dos últimos meses não contém mais palavras nem mais eloquentes que as que puderam ser escritas, precisamente essas a quem o autor gostaria de pedir, apenas murmurando, “Falem, por favor, digam-me o que são, para que serviram, se para algo foi”. Calam, não respondem. Que fazer, então? Interrogar as palavras é o destino de quem escreve. Um artigo? Uma crónica? Um livro? Pois seja, já sabemos que Moisés não responderá."
Balanço in Caderno de José Saramago/5 de Janeiro de 2009