31 julho, 2012

Ser feliz?


A felicidade não é, vai sendo, porque se sente diferente a cada momento
Neste de agora, e para mim, ser feliz é saber olhar para trás, saborear a memória
e olhar o relógio apenas para não causar desconforto a quem me espera,
sabendo que tenho alguém me esperando...
 O resto são pequenas (e grandes) crises de egoísmo, 
que passam de seguida, depois de uma noite bem dormida.

30 julho, 2012

Geração sentada, conversando na esplanada - 8 (direito ao SPA)

(Ler conversa anterior)
«Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos, não tanto por virtude, mas por cálculo. Controlar essa loucura razoável: se formos razoavelmente loucos não precisaremos desses sanatórios porque é sabido que os saudáveis não entendem muito de loucura. O jeito é se virar em casa mesmo, sem testemunhas estranhas. Sem despesas.» 
Lygia Fagundes Telles
.
De regresso à esplanada, tomei consciência 
de que tinha sido sentida a minha ausência 

Primeiro chegaram elas, uma a uma, e todas, à medida que iam chegando, me sorriram. Nunca recebi tanto sorriso. Depois chegou o senhor engenheiro, o seu cão rafeiro, o melro e o pombo, por esta ordem, pois o cão, pela primeira vez, vinha atrás do dono. O melro e o pombo, por norma, chegavam sempre depois dos dois. Pareceu-me que todos, de certo modo, me cumprimentaram, sem contudo soltarem uma única palavra a sublinhar o acto. O cumprimento mais efusivo foi o do cão que se veio roçar nas pernas, farejando-me os pés, agitando a cauda, visivelmente satisfeito com o meu regresso. Como é possível formar-se uma comunidade sem outros laços que não sejam a troca de olhares e, agora, de sorrisos e rosnanços mansos? 
Entre elas, logo a conversa começou. A Teresa colocou o DN em cima da mesa. A Zita pegou no suplemento, uma revista, e provocou o grupo:  "Vocês queriam era estar aqui", o mostrava a capa onde se viam, à beira de uma borbulhante piscina, uma espreguiçadeira de madeira e uma mesa de apoio com uma toalha enrolada. "Saúde e bem-estar", lia-se, sob o titulo do magazine "Negócios". A Gaby, respondeu com os olhos postos no Tejo, que se via através duma nesga da folhagem. 
- "Ó filha, eu gosto é de mar... metida entre quatro paredes?, nem mesmo com todas essas comodidades.... nesses ambientes só se encontram velhos..." 
- "E que mais querias tu senão um velho rico, meio afanado e prestes a bater a bota?..."
- "Essas coisas custam uma nota..."
- "Não é o que diz aqui, queres que te leia?" E passou a ler: "Hoje em dia é possível conseguir ter acesso a tratamentos de spa de marcas de topo a preços perfeitamente acessíveis"
- "Dá para deduzir no IRS? Caso não, esquece... E depois, precisava de estar doente..."
- "Andas sempre stressada... e isso é uma doença que se combate com relaxe, num bom resort..."
Desliguei-me da conversa e passei os olhos pelos títulos da referida revista que acompanhava o meu jornal, que era igual. Não li nenhum artigo, nem mesmo o de Maria de Belém Roseira que falava sobre "A saúde e o turismo de saúde em Portugal" e ao que parece, do pouco lido, que tal negócio era o que nos safava se para tal tivéssemos golpe de asa. 
Concentrei-me no jornal e detive-me na noticia "42% dos portugueses sem dinheiro para a Saúde"(*), embrenhei-me na sua leitura ainda com o pensamento disperso e uma frase a moer-me a mente: todos deveríamos ter direito a um bom spa
Depois de ler e por tudo o que ali se passou concluí que a loucura atingiu níveis incontroláveis...

(*) O link refere noticia idêntica, publicada no "Económico"

29 julho, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 92

Numa qualquer homilia, das verdadeiras e usadas nas igrejas, suponho nunca um padre ter metido o nazareno e um simples terreno no mesmo saco. Não sei se seria sacrilégio se um desacato de mau gosto por parte de quem fizesse tal anormalidade dentro da liturgia. Mas eu fiz isso numa homilia minha: citei palavras de Saramago e a seguir citei-me a mim próprio. Não virá daí grande mal a esta casa virtual, onde, a titulo de se avinagrar a realidade, tudo me é permitido e aceite. Referia, nessa oportunidade, o que Saramago dizia dos actos tresloucados de privatizar tudo e, até, todos. Referia eu os actos, não menos ensadecidos, de se estar a cortar tudo a (quase) todos. Entre o alertar para o desbaratar o serviço público e a denuncia de se estar a cortar a eito no seu acesso, fez todo o sentido o ter juntado palavras minhas ao do meu mestre. Mas faltava falar sobre a conjugação do corte com a privatização, coisa que está acontecendo ao Serviço Nacional de Saúde. Corta-se um pouquinho e privatiza-se uma pinguinha. Mais um pouquinho mais uma gotinha. E, assim, lentamente, a coisa vai acontecendo. Há pois, na homilia de hoje, várias citações. E que me dizem, se numa homilia (daquelas de verdade), se juntasse às palavras do nazareno e do terreno as palavras do diabo?:

HOMILIA DE HOJE
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.» - José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148

«Corte-se tudo, corte-se o salário e por via dele corte-se tudo o que compõe a refeição: a sopa, o vinho e o pão. Corte-se na educação, no recreio, no ensino e na canção. Corte-se na saúde, corte-se na pensão. Corte-se na vida apressando a morte. Cortem-se as asas, os horizontes e os caminhos sobretudo aqueles que possam conduzir à felicidade dos povos. E se ainda assim a ditadura do mercado permanecer insatisfeita, esfaqueie-se a democracia. Será um corte indolor pois que ela há muito que entrou em coma… e, já agora, corte-se essa canalhada desnecessária à eutanásia pois, como sabemos, não está legalizada.» - Rogério Pereira – Neste blogue, em 3.Outubro.2010 
«Paulo Macedo executa um programa que defende o Serviço Nacional de Saúde.» - Correia de Campos, no DN de hoje

28 julho, 2012

Manta Rota: a Fernanda Câncio fez-me cair em mim, e regressei...


Tava eu jogando à bola, numa boa...
quando a Fernanda me fez regressar a Lisboa

Fernanda Câncio é uma jornalista. Uma boa, muito boa jornalista, daquelas que além de fazerem redacção, também  têm coluna de opinião. Não venho falar dela por ser bonita. Nem sequer de sua escrita. Venho falar da coincidência de ela ter colunado, um  texto marado que titulou: "Manta Rota". Não é que me acordou, a marota?  Estilo "Rogério, que fazes aí?". É que ainda tinha de fresquinho a leitura do excelente texto de Gonçalo M. Tavares...
Para melhor me explicar, decido citar. Transcrevo este pedaço, e admirem só o diálogo transcrito e vejam como ele tem a ver comigo:
"- Eu, por exemplo, quando estou prestes a dominar o mundo, a tê-lo por completo à minha mercê, quando estou a um segundo de ser rei, senhor, dono, mestre, chefe grande e máximo de todo o universo e de todos os bailes, sabe o que me acontece? Adormeço. Isso mesmo. Quando estou prestes a dominar o mundo, adormeço.
- Adormece?
- Sim. Bocejo e depois durmo.
- Isso é estranho.
- Pois não sei. Dominar o mundo sempre me aborreceu. Prefiro uma sesta."
Cito isto nem é por ser bonito. Nem sequer por ser bem escrito. É pela mera coincidência de o Gonçalo me ter apelado à consciência de eu, que quero mudar o mundo (e para tal, preciso de o dominar), estando quase, quase a conseguir, pimba!, ponho-me a fugir.
Não adormeço, mas vou de férias, com os netos, a ouvir contos da avó, com fadas e lérias...
O "herói" do Gonçalo adormece. Eu, vou para a Manta Rota. Assim o mundo não muda... Quando um gajo, como eu, decide mudar o mundo e se põe a cavar, o que é que vai mudar? Nada. E isso me alarma...
Mas o que é que isso tem a ver com o que a Fernanda foi escrever? Onde é que aconteceu o clique que me fez acordar e regressar? Eu passo a explicar. Explico com o texto dela, naquela parte em que chama salazarento ao salazarento e depois pede desculpa por ter chamado salazarento ao salazarento. Porque um salazarento só é salazarento se realmente o for e, para ela, não parece ser o caso do tal senhor... Um homem assim, como eu, não aguenta e tem de vir à liça dizer a coisa inteira. Diz a Fernanda, à sua maneira:
"...o uso deste qualificativo para um governante eleito democraticamente é um exagero e um insulto. Mas apelidar um discurso ou uma atitude de salazarenta não significa, é claro, dizer que o alvo da observação é antidemocrático ou visa impor uma ditadura; pode referir uma estética ou um referencial de valores. E muito mais relevante que a discussão sobre se Passos se inspira em Salazar é o que este seu discurso implica."
Com jornalistas assim, um gajo não pode ir de férias... Mas já cá estou!

17 julho, 2012

METAMORFOSE (sinopse)


A "Metamorfose" integrará a antologia... 
Sinopse: Tudo começa com "Ele" a acordar num dia ímpar, em que tudo se resolve para os dois. "Ele" e "Ela", enamorados, rendem-se à paixão e, a partir daí, durante 40 semanas, os acontecimentos sucedem-se numa vertigem de ocorrências e fenómenos que o mundo cientifico, mobilizado, não consegue explicar. O mundo vai ficando diferente, não só para os personagens, mas para toda a gente. Deus, não sendo maltratado, não fica bem neste retrato por mim contado. Uma história impossível? Impossível é apenas aquilo que ainda não aconteceu...
NOTA: Se alguém quiser concorrer visite esta página no face book  

13 julho, 2012

O Estado da Nação e o futuro nacional... (4)


No prédio do Rogérito, a Dª Esmeralda e a vizinha do 4º andar, a conversar..

Vizinha do 4º andar (muito nervosa) - Sabe lá, ontem foi a minha filha a pedir-me para vir para cá, que a escola não tem lugar para ela e o marido... olhe nem percebo. O que sei e que os dois estão sem trabalho... e hoje, ainda agora... (e desata a chorar)
Dona Esmeralda - Ó vizinha tem de se acalmar!
Vizinha do 4º andar - Acalmar, acalmar... como me posso acalmar se o parvo do meu marido acabou de dizer ao meu cunhado que o vai ajudar a pagar o IVA, lá daquilo, que ele abriu... e que o que ganha nem dá para mandar cantar um cego...  Eu bem disse que aquela coisa, lá do turismo, lá no meio do mato, só iria ter procura de gente humilde e sem poder dar o dinheirão que eles estão a pedir...
Dona Esmeralda (para a consolar) - Deixe lá... isto tem de mudar. Isto vai mudar!
Vizinha do 4º andar (parando de chorar) - A sério? Acha mesmo? Mas como? Mesmo que o governo acerte as contas eu fico com uma casa cheia de gente desempregada, sem pé-de-meia, só com dívidas...
Dona Esmeralda (agora com voz convicta) - Isto vai levar uma volta. A dívida vai ser renegociada. Vai ser renegociada nos montantes, nos prazos e nas condições... vamos pagando um valor que não se ultrapasse o valor de uma determinada percentagem das exportações. Isso já foi feito quando a Alemanha, depois da guerra, estava de tampanas. Só assim será possível evitar o descalabro da sua vida, da dos seus filhos e da dos seus netos. É que só assim é possível libertar os recursos necessários ao crescimento do país, à criação de emprego, ao desenvolvimento.
Vizinha do 4º andar (pensativa) - Quem disse?  Isso de ir pagando à medida do que formos produzindo, faz sentido. Quem disse isso?
Rogérito (gritando da janela) - Quer ouvir? Quer ouvir? Então oiça... oiça até ao fim (e pôs o computador à janela, para que o som chegasse até ela)



12 julho, 2012

O Estado da Nação e o futuro nacional... (3)


Menos do que a situação justificaria, mas sem surpresa...
"Agora, mais do que de revolta, a sensação é de esmagamento"
"A Fenprof prevê a extinção de 25 mil horários, o que significa o desemprego de "praticamente todos" os professores contratados e a criação de "milhares de horários zero". Manuel Pereira confirma que "a situação é aflitiva". "Este ano, em cada agrupamento são dezenas e dezenas de horários zero de pessoas com muitos anos de carreira, com uma vida estável, numa escola, e que de um dia para o outro se apercebem de que têm de ir a concurso por falta de componente lectiva", confirma.
(...)  "Vamos assistir à situação absurda que é ter turmas de 30 alunos e professores na escola sem componente lectiva"  -  in "Público"
"Quanto aos agrupamentos, explico: agora agrupam as escolas de uma zona (1º, 2º,3º e Secundário) todas num bloco e os professores tem um horário e aulas quer numa escola básica como na secundária. Imagine, tenho aulas na escola secundária até às 10:00 e no intervalo tenho de ir a todo o vapor para a outra escola (básica) dar a das 10:30. À tarde já volto a estar na inicial - uma correria, desorganização,reuniões aqui e ali, regras e funcionamento diferentes... É de malucos, mas o que se havia de esperar de gente a quem deram alta dos hospitais psiquiátricos??? Quanto ao "MEGA-AGRUPAMENTO" é que estamos 7 000 profs do Quadro para ir para a rua (não há componente letiva) pois aumentaram o nº de alunos por turma (de duas faz-se uma) e 9 000 contratados sem emprego.Duma vez só, vamos ficar no desemprego 16 000. Este é que é, de facto, um mega-agrupamento!" - comentário de Laura Abrantes, no facebook

O Estado da Nação e o futuro nacional... (2)



11 julho, 2012

O Estado da Nação e o futuro nacional...

Enquanto decorre a discussão sobre o estado da Nação, afigura-se já, que as perspectivas tidas há uns tempos atrás, estão ultrapassadas. De facto a regionalização não terá como objectivo a alienação de qualquer parcela nacional, como resultado da desertificação de infraestruturas de desenvolvimento e bem estar social, nem por consequência do encerramento (ou fusão) de freguesias. Não, não haverá aquela alienação. Haverá outra. Estão em curso soluções que permitem recuperar o território abandonado para desenvolver uma indústria cujo sucesso é promissor e sem que a necessária matéria prima se preveja ver extinta, nos tempos mais próximos.
Só em Trás-os-Montes, há montes... 



Em Tribalhadouro, está em curso um projecto duradouro...
segue-se a replicação, por igual, em todo o interior de Portugal


...e a oferta se diversificará. O nórdico, por preço módico, pode aguardar a viagem
ficando hospedado... em Vale de Cambra (ou noutro lado)

Não, não é romantismo não... É o estado da Nação!


Até abandonamos quem não quer tal abandono... 

10 julho, 2012

Gimonde? Gimonde, fica onde? Traz-me os montes? Quais montes?...

Não sei. Não sei, se à semelhança de outros lados, esses também ficam sem cuidados. Sem médicos, sem centros de saúde, sem escolas, sem transportes e outras sortes, dessas de quem vive (e diz-se que viveu) acima das sua possibilidades. Nesta ignorância confessada, fico pois sem saber o que responder ao pedido de quem me pede para lhe trazer os montes, com uma súplica: saudosa de sua infância "Traz-me os montes". Medito na forma de resposta ao pedido e lembro-me do ditado, tantas vezes por mim citado: "Se Maomé não vai à montanha, que vá a montanha a Maomé". Assim, pego em mim, e procuro que montes lhe levar. É que dá para escolher: Desde o da "venda" de uma réstia de esperança  à real desesperança, passando por um inqualificável abuso de confiança , conduzido por um maestro conhecido:

Vá meu amigo, destes montes escolha o que mais lhe aprouver.
 Sortudo, hein?, dá para escolher:


Escolha isto...  assim ouvido.. é um paraíso



Ou escolha esta outra versão... tem um "porém": não está lá (quase) ninguém...



... ou embarque no gozo promocional de uma aldeia global....

<>O<>

Senhor maestro Vitorino, esse hino é um enxovalho e um desatino.
Pelo sim, pelo não, mobilize-se pela Petição...

09 julho, 2012

Geração sentada, conversando na esplanada - 7 (a insurgente)

(ver conversa anterior)
"Aprendi a não tentar convencer ninguém. O trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro." ;José Saramago
"A aceitação do outro e da sua essência enriquece e fortifica a nossa identidade, ao contrário do que mentes obscuras defendem." Lídia Borges, do blogue Searas de Versos

A Gaby destinou a manhã a explorar todas as funcionalidades do novo brinquedo...

O Julho começava ventoso e, assim, aliando-se o vento a temperaturas tão baixas ninguém desertara da esplanada, onde era melhor o estar do que a ida para a praia. Todos apareceram: a Teresa, a Rita, a Ana, o senhor engenheiro, o seu inseparável cão rafeiro. Também, e por outras razões por ali estavam o pombo e o negro melro, agora já acompanhado de outros melritos, por os filhos crescem e aparecem...
- "Olha para isto!, nem acredito... mais oito pedidos de amizade.. por este caminho chego aos 4000 amigos antes de Agosto!" A explosão de alegria partia da Gaby, que encantada com o seu tablet tivera a ideia de alargar essa explosão à multiplicação de cliques dados em muitos "gostos" e pequenos ditos, tais como: "que lindo", "és o máximo" e mais um ou outro truque de multiplicar amigos no facebook. E continuava - "A esta parva não digo nada, é uma pirosa com manias"...
- "Já  deixaste de vez o teu blogue?", perguntou inesperadamente a Teresa, do outro lado da mesa.
- "Não... mas vou lá colocar qualquer coisa muito raramente... mas conheces?, que desse por isso, não me segues...", e sem esperar por resposta entrou no blogger. "Pois é, não estás cá"
- "Pois, sigo vários, mas não me exponho... visito, leio e saio. Há gente interessante..."
- "Olha-me esta... Esta que era engraçada, falava sobre moda e coisas com piada agora vem com a politica... a  sonsa... eu acho é que ela ia chamando as incautas  e agora entra numa de lavagem ao cérebro. Que nojo..."
- "O que é que ela diz?", perguntou a Teresa com um ar aparentemente distante.
- "Vou-te ler só uma parte, depois, se quiseres vais ler o resto lá no teu computador", e começou a ler:
"Passado um ano dos queridos homens de negro terem chegado a Portugal não se vêm melhorias, antes pelo contrário. Não há crescimento económico, não há mais emprego, basicamente não existe nada. Só mais dividas e dividas aos alemães que devem esfregar as mãos de contentes com os juros que JÁ estão a receber (nada é de borla meus caros, e esta 'união' europeia não é excepção). Quanto a Portugal, se me perguntarem se está a fazer um bom ou mau trabalho, se já me conhecerem um bocadinho sabem que, na minha opinião está a fazer um péssimo trabalho. (...)
- "Dá-me lá o endereço dela..." e a Gaby lho deu. No meu canto, sem que dessem por isso, também eu registei:: "Meu mundo cor de rosa". Quando chegasse a casa iria conhecer o texto dessa insurgente e tentar perceber como se emerge de um mundo assim para o mundo real, com uma linguagem tão clara e consciente... O senhor engenheiro trocou comigo um olhar. Conivente, pareceu-me... 

08 julho, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 91

Estive tentado a falar do valor real dos licenciados e do canudo, não para redobrar enxovalhos aos enxovalhados, mas para reflectir na pacóvia crença de que quem não tem titulo académico não merece ser escutado com o devido cuidado, ou por se julgar não ter coisas a dizer. Desisti, por apelo a que se fale de coisas urgentes, mais prementes. Por diversidade de assuntos, escolhi o valor da coerência politica. As duas dimensões dela: a nossa e a de outros. Compreendendo isto, que é básico, estamos em condições de fazer opções. Opções de esquerda, pois a esta ainda resta um caminho para, morta que está, ressuscitar. É que, contrariamente ao que acontece com os corpos, as ideias têm essa capacidade de voltar a ter vida... 

HOMILIA DE HOJE

"A direita nunca deixou de ser direita, mas a esquerda deixou de ser esquerda. A explicação pode parecer simplista, mas é a única que contempla todos os aspectos da questão. Para serem participantes mais ou menos tolerados nos jogos do poder, os partidos de esquerda correram todos para o centro, onde, infalivelmente, se encontraram com uma direita política e económica já instalada que não tinha necessidade de se camuflar de centro. Entrou-se, então, na farsa carnavalesca de denominações caricaturais com as de centro-esquerda ou centro-direita. Assim está Portugal, a Itália, a Europa."
José Saramago, in 'La Republica (2007)'

07 julho, 2012

Pelo que aconteceu, nestes dias, me lembrei de competências desaproveitadas... Quem sabe se não poderia obter os créditos necessários...

(...) O tom de voz que me saiu tê-la-á feito perder os receios de qualquer possível ira, que ela, certamente supunha ser comum entre os militares. Voltou a sentar-se, não directamente no chão, mas sobre os calcanhares e de forma a disponibilizar o regaço para aí colocar o bebé, virado para mim. Minha Alma, que até aí se mantivera calada, arriscou uma piada: «Com que então, seu maroto, tens uma criança e não dizias nada.» Como costume, não liguei e dei mais atenção a outra voz, a do cabo, que me remeteu para a possível explicação do que se estava a passar: «Meu furriel, essa não é a mulher a que assistiu ao parto em que o puto estava a passar-se, lá na sanzala da Lemba?» Não, não me lembrava da mulher e, entre um recém-nascido e aquela criança já de meses, não haveria quem se lembrasse. A mulher falou palavras que não entendi ao mesmo tempo que elevava o bebé, para o pôr de pé sobre as coxas, exibindo-me o menino que palrou baixinho e sorrindo, por certo agradado pela posição. Acariciei-lhe a face e reparei que não só ela, também o filho, vinham trajados ao gosto europeu, um babygrow azul claro, cor rara num gosto africano, todo dado a tons fortes e vibrantes. «Veio mostrar-lhe a criança», sugeriu o cabo, tranquilizando-me perante um mundo de incertezas. Só nesse momento eu sorri. Ela, a mãe, sorriu também. O sorriso serviu para me dar conta de quão nova seria. Talvez dezasseis ou dezassete anos, não mais. Sem palavras dizer e, com a agilidade de quem faz o gesto mil vezes ao dia, encavalitou o filhote sobre as costas desnudadas, passando-lhe o pano de forma a protegê-lo nessa posição e atando-o à frente sobre os seios rijos. Ajeitou o lenço, mais uma vez sorriu e partiu, esboçando uma corridinha, parada um pouco à frente para se voltar, acenar um adeus, para voltar a correr até retomar o passo com que iria percorrer a jornada de regresso até à sua sanzala. Minha Alma confirmou o que todos já tínhamos entendido: «Veio dar-to a conhecer.» Fiquei ali até os ver desaparecer ao longe, como se perdendo no mar ondulado do capim verde sob um céu azul que cobria tudo…

Regressei sozinho, pois o cabo entretanto tinha já retomado os seus afazeres. No retorno, ia reconstituindo todos os acontecimentos daquele dia, sete meses passados, talvez um pouco menos. Lembrava-me a expressão aflita do mensageiro, não condizente com a comicidade do dito: «Furrié doutor, a mulher tá parindo e tem us filhu cum pé nus dentro outro nus fora.» Percebi a situação e a aflição fazia adivinhar um parto difícil. A todos os partos a que fora chamado, tinha chegado atrasado sem mais nada poder fazer do que constatar o óbito. Com o cabo e o mensageiro lá fomos, com a pressa de chegar a tempo, pois pelo recado a mulher estaria, há mais de duas horas, em trabalho de parto, como todos, complicado. Chegados, era grande o alarido, entre choros e vozes que pareciam rezas. Tudo mulheres, quase todas idosas. Ao ar livre, no chão sobre uma esteira uma mulher nova com esgar de dor, em sofrimento aflito olhava o recém-nascido, nu e inerte, entre as mãos de uma mulher que se abeirava de um de dois alguidares de plástico, prontos para a reanimação. Saltei do jipe parado próximo, quase rente àquele grupo de gente. Mandou a intuição que de pronto percebesse a situação e a forma de agir, sem desacreditar no insucesso do que me aprontei para fazer. Com uma rapidez que a mim próprio me surpreenderia se me estivesse a observar, mandei a mulher parar com um berro tão firme que parou, mesmo sem perceber o que eu estaria a dizer. Ao mesmo tempo, retirei da bolsa de maqueiro o kit de administração de soro. Cortei junto ao frasco de plástico, o tubo de calibre fino cortando também, na extremidade, o suporte de fixação da agulha, dispensável para a minha improvisada sonda de aspiração. Lembro-me que me pareceu um tanto grosso para aquela função, mas era o que havia. Colocado com o devido cuidado não lhe provocaria lesões. O que ia fazendo parecia fazer sentido à mulher que empunhava o menino, pois logo esta o pôs a jeito para ser entubado. Foi o que fiz, enfiando-lhe a sonda pelo pequeno nariz, penetrando a distância de menos de uma mão-travessa, não fosse ferir tão pequena criança. Suguei com força, quase demais, pois as secreções retiradas quase me chegavam à boca. Repeti depois a operação mas dessa feita pela garganta. Tudo em gestos muito rápidos mas com tal destreza que parecia ter feito, o que fizera, vezes sem conta. Ia começar nova tentativa, quando um soluço forte seguido do que me pareceu um espirro meio engasgado, me fez interromper. Tinha, assim, mais que os sinais vitais. Tinha a rejeição daquele corpito aflito àquela violenta intromissão. Tinha a vida inteira, pequenina e regressada. Chegara talvez no último segundo útil para lhe salvar a vida. Acho que suspirei bem fundo e o mulherio calou-se. Não me recordo se alguém agradeceu. A última imagem, foi a da mãe a abraçar o filho e julgo não lhe ter dito o quer que seja. Perdida a adrenalina perdi o senso de estar e do que fazer. De regresso, o cabo, que não se tinha feito sentir, vinha contando pelo caminho, eufórico, pormenores que me escaparam e que entretanto esqueci. Agora, naquele dia, a mãe tinha aparecido para me mostrar o filho e, de certa maneira, agradecer. Foi um dia bonito aquele último dia no aquartelamento da Roça da Fazenda Costa em que o capim parecia o mar e o céu continuava muito azul, cobrindo tudo… até aparecer a Maria do Sol. (...)
 

Rogério Pereira, in "Almas que não foram fardadas", pág. 86/87

Depois de um "não assunto", esta "não noticia": “o Dr António José Seguro foi um dos professores (da Universidade Lusófona) que assinou a falsa Licenciatura do Dr Miguel Relvas”

Como se sabe Passos comentou a "atribulada" licenciatura do coiso como sendo um "não assunto". Possivelmente Seguro chamará à sua participação nessa "atribulação", uma "não noticia". Ler aqui (ou aqui.) 
Claro que só o meu estilo avinagrado me leva a editar este post, pois, como é sabido, está tudo "dentro dos conformes". 

06 julho, 2012

Metamorfose - XI I(em breve regressará à sua pele)

Vim dar com a pele
dela
liberta do corpo
dela
liberta da alma
dela
A pele, escrita
A pele, poema
A pele, prosa
A pele, a pele, a pele
E ela?
Apenas uma mensagem:
"…porque noutros lados
também há barcos e flores…
e uma vida
que é muito mais a minha !"


Em breve regressará à sua pele

(dedicado à Ná, da Casa do Rau)

04 julho, 2012

Solstício, perdi-lhe o significado e esqueci que existiu... Talvez os dias mais pequenos nos doam menos.


Sol nulo dos dias vãos
Sol nulo dos dias vãos,
Cheios de lida e de calma,
Aquece ao menos as mãos
A quem não entras na alma!

Que ao menos a mão, roçando
A mão que por ela passe,
Com externo calor brando
O frio da alma disfarce!

Senhor, já que a dor é nossa
E a fraqueza que ela tem,
Dá-nos ao menos a força
De a não mostrar a ninguém!
Fernando Pessoa

Arménio Carlos esteve com o Bispo do Porto. Depois, aquele outro veio-lhe elogiar o civismo da organização... será por ter citado o Gonçalo?


... durante a audiência terá dito que espera
que a Igreja cumpra a missão que a si própria se reserva  
e que impeça que se instale definitivamente a lei da selva. 
"A vergonha não existe na natureza. Os animais sabem a lei: a força, a força, a força. Quem é fraco cai e faz o que o forte quer. A inundação, as chuvas, o mamífero mais pesado e mais rápido e o mamífero pequeno. Os primatas, os répteis, os peixes maiores e os mais minúsculos, a cascata: já viste algum animal cair?, não há a mais breve compaixão entre os animais e a água, o mar engoliu milhares e milhares de cães desde o início do mundo. Não há a mais breve compaixão entre a água e as plantas, entre a terra que desaba e os pequenos animais acabados de nascer. A natureza avança com o que é forte e a cidade avança com o que é forte: qual a dúvida? Queres o quê? Não há animais injustos, não sejas imbecil. Não há inundações injustas ou desabamentos da maldade. A injustiça não faz parte dos elementos da natureza, um cão sim, e uma árvore e a água enorme, mas a injustiça não. Se a injustiça se fizesse organismo: coisa que pode morrer, então, sim, faria parte da natureza."
Gonçalo M. Tavares,
Post inspirado pelo Bulimunda’s Blog

02 julho, 2012

Geração sentada, conversando na esplanada - 6 (geração Wikipedia)

“Justificar tragédias como "vontade divina" tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas.”
“As pessoas nascem sempre sob o signo errado, e estar no mundo de forma digna significa corrigir dia a dia o próprio horóscopo.”
Umberto Eco (aqui)

A Ana afastou-se do silêncio que havia na sua mesa, talvez para evitar rompe-lo 

Nunca a esplanada estivera tão sossegada. A Teresa olhava para nada, a Gaby, com a agilidade que lhe era gabada, dedilhava no teclado funções e letras formando palavras em múltiplas sessões do facebook, abertas nas páginas das amigas predilectas e a Rita folheava uma revista. A Ana afastou-se do silêncio que havia na mesa, talvez para evitar rompe-lo. Estava também operando o  computador, um note-book de muito bom aspecto. O senhor engenheiro e o seu cão rafeiro não tinham ainda chegado e sua mesa estava vazia, como há muito não acontecia. Calmamente eu lia o jornal.
- "Olá menina, posso sentar-me ao seu lado?" A Ana sem responder deslocou-se abandonando o centro do banco de jardim, quase de costas para mim. O velho que chegara, sentou-se no espaço deixado, e esse eu mal via. Contudo sua voz, límpida como se saísse de um corpo jovem, era nítida.
- "O que está fazendo?" A Ana não pareceu incomodada por ser interrompida. 
- "Estou a fazer um trabalho para a cadeira de Filosofia..."
- "E gosta de Filosofia?"
- "Nem por isso, mas faz parte do curso..."
- "Mas, então... gosta do curso e tem pena do curso a obrigar a estudar Filosofia?"
- "Para lhe falar a verdade, preferia Medicina."
- "Gostava então mais de Medicina?"
- "Não se trata de gostar, mas de poder seguir uma boa carreira... há muitos médicos na família"
- "Ah!", o velho calou-se um bom bocado e depois voltou a interromper "É difícil , isso?"
- "Não, não dá trabalho nenhum... a Wikipédia tem tudo... é fazer copy past, e pronto!"
- "Nem é preciso... matar a cabeça a pensar?"
- "Bom... sempre é... um bocadinho... é preciso saber escolher a palavra certa no motor de busca... e depois colar no texto, segundo a lógica que pretendo ou aquela que for saindo..."
- "Nem precisa, a menina, escrever nada?
- "Quase nada... a Wikipédia está muito melhorada... tem tudo. De certo modo estou contente. Se estivesse em Medicina, não podia ser assim... esse curso dá muito trabalho... este... assim, assim. O pior..."
- "O pior ?..." 
- "O pior é que ainda não sei se para o ano há dinheiro para pagar a matricula... meu pai está numa empresa à beira da falência... queira Deus, que tal não aconteça"
- "É pena, sendo tão fácil esse seu trabalho..." e dizendo isto levantou-se "Tive muito gosto. Como se chama a menina?"
- "Ana. E o senhor?"
- "Livre-arbítrio, à sua disposição!" - e no rosto, que agora dali via, assomou-se um sorriso que eu diria ser de ironia.Despediram-se. Ele, lentamente trôpego de velhice, lá se arrastou até desaparecer entre os arbustos e folhagens do jardim. Pensei na coincidência do nome e o dialogo estabelecido e pensei que o Livre-arbítrio lá vai sobrevivendo, embora bastante diminuído. Um dia destes, talvez a Ana descubra na Wikipédia a data em que tenha falecido...

01 julho, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 90


Por vezes os gestos nos traem e mostram,
não o que queremos esconder, mas o que não é urgente mostrar...


Dizia Saramago não ser um ateu total e todos os dias procurar um sinal de Deus, sem  infelizmente o encontrar. Não fosse a palavra "infelizmente" e diria estar-se perante mais uma sua ironia. Mas está lá a sua lamentação. Contudo não chega para provar que Saramago nos enganava. Acho que sua crença era no Homem e a sua lamentação, essa, era dispersa por tudo o que é adverso ao Homem. Até o próprio homem. 
Tive grandes hesitações na escolha da homilia de hoje. Não por falta de tema, mas pelo seu excesso (Saramago é um interminável rol de actualidade). A escolha acaba por recair no desconforto da nossa vivência neste mundo, no desconforto dos comportamentos de nós humanos e porque decidi escrever uma "história impossível" e submete-la a concurso. É uma história saramaguiana,  Levanto uma ponta do véu, antecipando que é uma história sobre esses desconfortos e sobre a ocorrência de uma profunda "Metamorfose" no universo. É uma metáfora. Aí escrevo que nenhum Deus aceitaria confessar que se enganara em sua obra, emendando o que estava mal e refazer tudo de novo. Até porque permitiu que em todos estes séculos falassem de si como se fosse infinitamente bom deixaram-lhe pouca humildade para confessar o erro e, assim, o reparar.

HOMILIA DE HOJE 
"Há uma pergunta que me parece dever ser formulada e para a qual não creio que haja resposta: que motivo teria Deus para fazer o universo? Só para que num planeta pequeníssimo de uma galáxia pudesse ter nascido um animal determinado que iria ter um processo evolutivo que chegou a isto?"
José Saramago em entrevista a "O Público"