Sérgio Ribeiro nasceu em Lisboa, a 21 de Dezembro de 1936, tendo crescido, segundo palavras suas, «num ambiente de não aceitação do regime fascista e de defesa da democracia e da liberdade». A tomada de consciência de que «não gostava» do que via e a vontade de «querer mudar as coisas» fizeram de Sérgio Ribeiro um defensor activo dos valores de Abril.Militante do PCP, era «Zeferino» no dia em que o artista plástico José Dias Coelho, que ia ao seu encontro, foi assassinado pela PIDE. Por duas vezes foi atirado para os cárceres do fascismo, no Aljube e em Caxias, de onde saiu na madrugada de 27 de Abril. Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, de cuja associação de estudantes foi vice-presidente, entre 1958 e 1960, Sérgio Ribeiro levou ao II Congresso Republicano de Aveiro, em 1969, a tese intitulada «Reflexões de Economista a Partir das Palavras e Mágicas». Ainda nesse ano, nas eleições legislativas, Sérgio Ribeiro foi candidato da Comissão Democrática Eleiroral (CDE), em Leiria. Em 1973, o economista fez parte da comissão nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro.Foi membro do Comité Central do PCP, deputado à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu, tendo sido também fundador e membro do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) e consultor-chefe de missão BIT/OIT em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique. Sérgio Ribeiro destacou-se também na escrita, sendo Crítica da Economia Política o seu último título e Não à Moeda Única - um Contributo um dos mais reconhecidos.in AbrilAbril
30 abril, 2024
SÉRGIO RIBEIRO PARTIU? QUEM DISSE? (Os nossos mortos não morrem!)
29 abril, 2024
"O MEU 25 DE ABRIL DE 1974" - II
De seguida, como o alerta incidia sobre a possível reação da Polícia de Choque foi para lá que me dirigi. Chegado lá, apenas meia dúzia de populares entre eles alguns vizinhos. Um veio ter comigo “Olá Rogério, estamos aqui há mais ou menos duas horas e nem um movimento. Acho que não está lá ninguém lá dentro. Posso entrar?”
E sem esperar resposta entrou-me no carro e desafiou-me “Queres ir até à sede da Junta de Freguesia? É lá que fica a sede da ANP...” e respondendo com um “bora lá”, lá fomos. Passámos frente à Câmara onde estava um pequeno ajuntamento. A multidão, essa, concentrara-se na Rua Marquês de Pombal. Estacionei por ali e chegámos no exato momento em que a fechadura fora forçada.
Deu-se então a ocupação. Foi esse o momento histórico do 25 de Abril em Oeiras e eu... Eu vivi-o, participando vivamente. O resto da tarde e depois noite fora já não é novidade...
Rogério Pereira, 29 de Abril de 2024
A ANP - Ação Nacional Popular era a organização política que foi criada durante o regime Marcelista, cuja sede em Oeiras foi ocupada por muita gente conhecida (e entre a qual eu me encontrava). Logo no dia seguinte, a 26 de Abril, passou a ser a sede do MDP de Oeiras.
A ANP foi dissolvida pelo Decreto-Lei n.º 172/74, de 25 de abril, tendo a sua liquidação sido regulada pelo Decreto n.º 283/74, de 26 de junho
e eu no meio deles, em frente ao edifício da Câmara. Esta viva manifestação consta nos arquivos da RTP que pode ser visitado no seguinte endereço.
28 abril, 2024
"O MEU 25 DE ABRIL DE 1974" - I
Há muito que não me levantara tão cedo. Tinha combinado deixar o carro à porta da oficina para revisão e a chave na caixa do correio, com a indicação da matricula. Isso feito, fui apanhar o comboio na estação de Oeiras com destino a Alcântara onde tomaria a camioneta da carreira de Lisboa- Setúbal e, a meio desse trajeto, tomaria a que me levaria ao destino final as instalações da Siderurgia Nacional, em Paio Pires. No comboio, entre gente sonolenta, de nada de anormal me apercebera. Mal sabia eu que, poucas semanas depois dessa alegria de se ter aberto a uma carreira profissional que fez de mim o que sou agora, outra alegria estava guardada e esta se estenderia ao povo e que fez dele o que ele é agora. Em Alcântara, depois da passagem subterrânea, no quiosque que por ali havia, parei para beber o meu café da manhã entre um pequeno aglomerado de gente operária que comentava, de modo agitado, que de onde tinham vindo terão visto carros blindados e muitos, muitos soldados. Desvalorizei, associando tal conversa às movimentações da NATO, cuja esquadra ainda há pouco tinha, da janela do comboio, avistado não longe do Bugio.
Foi no percurso para Paio Pires que desvaneci aquela primeira impressão. Nas camionetas, numa e noutra, eram vários os passageiros que portadores de pequenos rádios portáteis iam seguindo as notícias: “Houve um comunicado a alertar para não sairmos de casa!”; “Essa notícia foi dada por um tal posto de comando das forças armadas; “Algo de importante se está a passar, a rádio só passa marchas militares.”; “Isto é golpe, mas de que lado?”
Já nas instalações da fábrica, no pavilhão central, não me dirigi ao meu gabinete mas sim à sala ao lado onde já se tinha iniciado uma entusiástica e ruidosa conversa. E entre um ambiente de tertúlia e o estilo de comício, as notícias iam surgindo acompanhadas de compreensível especulação de pronto desmentidas por quem citava as fontes ou pondo o rádio em som bem elevado sempre que havia novo comunicado do Movimento das Forças Armadas fazendo calar os comentários mais pessimistas e os que não escondiam o desejo de que tudo corresse mal.
Era eufórico o clima e era quase generalizada a alegria. Alguém fez o ponto-de-situação: O Terreiro de Paço está dominado; os Ministros em fuga “pela porta do cavalo”; a fragata da armada foi neutralizada; o Quartel do Carmo estava cercado pelo MFA e pelo povo apinhado”... A sala onde estávamos seria espaçosa se não se tivesse juntado tanta gente. Engenheiros, desenhadores, preparadores de trabalho e um ou outro operário todos falavam, uns com os outros em tom tão alto que só se baixava quando acontecia ser lido mais um comunicado.
Ia a manhã por aí fora, quando na sala entra de rompante o encarregado da Oficina de Moldes que, ainda ofegante pela correria, fez apelo desesperado: “É preciso que alguém vá à CUF do Barreiro, outros à Mundet, no Seixal. Há receio que a GNR e a Policia de Choque façam trapalhada!”
Fez-se silêncio absoluto, mas de pronto foram-se organizando e saindo. Ficaram poucos e entre eles eu. Senti um toque nas costas e virei-me. Dei com uma cara conhecida que me interroga “Tem carro? Se não tem, dou-lhe boleia pois vou para Cascais e sei que mora lá para Oeiras”.
E lá fomos, conversando sobre o sonho que se estava tornando em realidade. Deixou-me à porta da oficina onde a tempo, praticamente em cima da hora do almoço, levantei o carro não sem deixar de comentar, a quem me atendeu, o que estava acontecendo deixando-lhe o espanto estampado no rosto.
Continua
Siderurgia Nacional - Nave de vazamento de aço líquido. |
27 abril, 2024
"O MEU DIA 25 DE ABRIL" FOI TEXTO COMEÇADO... MAS AINDA NÃO ACABADO
Tinha planeado ser este o dia de deixar escrito "onde estava no 25 de Abril. Mas tal faria depois de assistir, junto ao Memorial da Libertação dos Presos de Caxias, da celebração da libertação que a data de 27 de Abril assinala. O memorial, que se vê na foto, é uma criação estilizada de gosto discutível e, por isso, concentro mais a atenção nos discursos de dirigentes da URAP - União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses e, como não consigo estar quieto, percorri a assistência distribuindo sorrisos, abraços e beijinhos...
26 abril, 2024
25 abril, 2024
24 abril, 2024
ABRIL, CELEBRADO E NÃO FESTEJADO
23 abril, 2024
HOJE, DIA MUNDIAL DO LIVRO ... FICA O MEU EDIFÍCIO
22 abril, 2024
O´NEILL E EU - DOIS POEMAS SOBRE O MEDO
Rir? Sorrir?Sorrir de um medo?Desse medoque resultado nosso próprio enredo?Em criança, nesse tempoo medo fazia parte do crescimentoVencíamos o medo, íamos crescendo
Hoje, ao certo, não sei definir o medoSó sei que gostariaque o medo pudesse serqualquer coisa de tangível,de apalpar, de cheirar e de se ver
E se o fosse, que fosse redondo,que ao rolar o fizesse com estrondoE que se tivesse cheiro,que fosse o do sebo salazarentoE que ao tacto se sentisse a impressãodo fogo vivo das fogueiras da inquisição
Depois, o medo podia ser apontadoe, sei lá, esmagado ou até cortadoVer-se-ia que o medoNão tendo nada dentroSe libertaria o Mundodeste medo tão profundo
Rogério Pereira
21 abril, 2024
ENTRA-ME A PRIMAVERA PELA JANELA...
20 abril, 2024
BALSEMÃO, O DESESPERADO
A cunha presidencial de 4 milhões de euros por causa da gémeas nada é quando comparada com a cunha que Balsemão desesperado anda a pedir a Montenegro que meta ao Macedo da Caixa Geral de Depósitos para a compra da dívida de 141,8 milhões do grupo Impresa que inclui a SIC e o semanário Expresso. O jornal Tal&Qual coloca na edição desta semana o título interior em letras gordas com o Balsemão a dizer Salva-me, Luís. Em Junho o velho patrão do Imperio Impresa tem de pagar 50 milhões e não tem um euro a mais para fazer pagamentos, no início do próximo ano terá de pagar mais de 40 milhões e depois o resto. Todos os bancos foram contactados e ninguém quer sequer escrever uma carta de conforto quanto mais emprestar. O grupo não vai pagar a primeira tranche da sua dívida atual, pelo que entrará logo em falência.
19 abril, 2024
"POR ABRIL, PELA DEMOCRACIA, VENHAM MAIS CINQUENTA (E FORAM QUINHENTOS)
18 abril, 2024
COM ABRIL NA ALMA, HOJE FUI AO TEATRO
17 abril, 2024
COM ABRIL NA ALMA, AMANHÃ VOU AO TEATRO...
16 abril, 2024
LIBERDADE TEM NOME DE MULHER!
E AGORA... ABRIL Muitas vezes julguei não poder perdoar
os ultrajes sem fim causados às gentes que somos,
um país como casa abandonada e só,
um modo vil de pisar, doutrinar, perseguir, injustiçar.
Inteligência sem verso nem reverso
e poderes sem limites a governar.
E diz o inteligente que acabaram as canções.
Mas estas vieram e ficaram
e nos campos, nas praças e avenidas
floresceu, primeiro a esperança
e depois os cravos e, nos rostos, os sorrisos.
Nas asas de uma gaivota mil sonhos a voar.
Já não há canções p’ra calar.
Voltaram diferentes, embora iguais?!
Mas não no medo, na treva e no silêncio,
hoje, as gentes desiguais.
E, então - Abril Sempre.
Voltaram iguais, embora
evidentes de mais!
Lídia Borges, in Searas de Versos
15 abril, 2024
14 abril, 2024
TALVEZ DESTA OUTRA MANEIRA ALGUÉM ENTENDA... E SE MEXA
Não façam nada, depois queixem-se:
"O estado do planeta é realmente terrível, temos hoje amplas provas científicas de que estamos numa emergência planetária, temos uma crise climática global, mas também temos uma crise ecológica global, e a crise ecológica mina a resiliência de todo o planeta, o que significa que quando continuamos a emitir gases com efeito de estufa, a queimar combustíveis fósseis e a degradar ecossistemas, estamos a chegar muito perto de pontos de rutura que levariam a mudanças irreversíveis que comprometeriam todas as gerações futuras num planeta à deriva irreversivelmente em direção a um estado cada vez menos apto para apoiar os meios de subsistência humanos.»
In "Sustentabilidade é Acção"
"Não está claro, neste momento, o quanto a última mensagem do governo Biden afetará os cálculos dessa posição, mas os meios de comunicação social estão relatando que funcionários da Casa Branca estão preocupados com a possibilidade de Israel estar a preparar-se para fazer algo extremamente imprudente, que pode levar os EUA para uma guerra que preferem evitar."
In "Estátua de Sal"
13 abril, 2024
A VERDADEIRA OCIOSIDADE
12 abril, 2024
ASSIM VÃO OS TEMPOS QUE VAMOS VIVENDO
11 abril, 2024
10 abril, 2024
ARTE... COM OVO A CAVALO
09 abril, 2024
08 abril, 2024
UM CORO COMUNITÁRIO... FUI AO ENSAIO
07 abril, 2024
FUI CONVIDADO! E QUANDO CONVIDADO, NUNCA FALTO!
Em sala simpática, cheia de sorrisos, à sua chegada abraço-mo-nos.
Todos tinham um poema na memória,
ou lembravam uma prece antiga.
Todos tinham no peito um rio
sem margens a alagar o sonho.
Em cada esquina um amigo, cantara o Zeca.
Verdade irrefutável, premonição,
senha indicada à boca da vertigem,
um ímpeto no espanto há muito pressentido.
06 abril, 2024
SAQUE CONFIRMADO: PORTUGAL PERDEU 14 HOSPITAIS PÚBLICOS E GANHOU 29 PRIVADOS
"Em 2022 existiam 243 hospitais em Portugal, dos quais 112 públicos e 131 privados. O crescimento dos privados começou após a chegada do PS ao poder."
Ler tudo em AbrilAbril
05 abril, 2024
DONA ESMERALDA E A VIZINHA DO 4º ANDAR, A CONVERSAR (ONDE É QUE ESTAVAS NO 25 DE ABRIL?)
04 abril, 2024
DUAS BOAS NOTÍCIAS NUM SO DIA? É OBRA!
"Após a reunião da semana passada e parecer do Sr. Vereador, o Município irá avançar com a aquisição de sessões do espetáculo “Quando a cabeça não tem Juízo, o futuro é que paga”. Pretendemos disponibilizar o espetáculo no âmbito do Programa Oeiras Educa+"
A segunda, veio pelo telélé através de uma chamada de um militar de Abril, que assim me disse:
"Rogério mande-me o seu livro em formato DOC, ainda não são "favas contadas" mas a aprovação da 2ª edição está quase garantida!"
03 abril, 2024
QUEM TEM VERGONHA DA SUA HISTÓRIA? (QUEM ALDRABA PARA PEGAR DE ESTACA?)
02 abril, 2024
01 abril, 2024
EM DIA DAS MENTIRAS, MÁRIO DE CARVALHO BATE O RECORD, NUM MENTIREDO QUE ATÉ METE MEDO
"Eu nunca fui obrigado a fazer a saudação fascista aos «meus superiores». Eu nunca andei fardado com um uniforme verde e amarelo de S de Salazar à cintura. Eu nunca marchei, em ordem unida, aos sábados, com outros miúdos, no meio de cânticos e brados militares. Eu nunca vi os colegas mais velhos serem levados para a «mílícia», para fazerem manejo de arma com a Mauser. Eu nunca fui arregimentado, dias e dias, para gigantescos festivais de ginástica no Estádio do Jamor. Eu nunca assisti ao histerismo generalizado em torno do «Senhor Presidente do Conselho», nem ao servilismo sabujo para com o «venerando Chefe do Estado». Eu nunca fui sujeito ao culto do «Chefe», «chefe de turma», «chefe de quina», «chefe dos contínuos», «chefe da esquadra», «chefe do Estado». Eu nunca fui obrigado a ouvir discursos sobre «Deus, Pátria e Família».
Eu nunca ouvi gritar: «quem manda? Salazar, Salazar, Salazar». Eu nunca tive manuais escolares que ironizassem com «os pretos» e com «as raças inferiores». Eu nunca me apercebi do «dia da Raça». Eu nunca ouvi louvar a acção dos «Viriatos» na Guerra de Espanha. Eu nunca fui obrigado a ler textos escolares que convidassem à resignação, à pobreza e ao conformismo; Eu nunca fui pressionado para me converter ao catolicismo e me «baptizar».
Eu nunca fui em grupos levar géneros a pobres, politicamente seleccionados, porque era mesmo assim. Eu nunca assisti á miséria fétida dos hospitais dos indigentes. Eu nunca vi os meus pais inquietados e em susto. Eu nunca tive que esconder livros e papéis em casa de vizinhos ou amigos. Eu nunca assisti à apreensão dos livros do meu pai. Eu nunca soube de uma cadeia escura chamada o Aljube em que os presos eram sepultados vivos em «curros». Eu nunca convivi com alguém que tivesse penado no Tarrafal. Eu nunca soube de gente pobre espancada, vilipendiada e perseguida e nunca vi gente simples do campo a ser humilhada e insultada.
Eu nunca vi o meu pai preso e nunca fui impedido de o visitar durante dias a fio enquanto ele estava «no sono». Eu nunca fui interpelado e ameaçado por guardas quando olhava, de fora, para as grades da cadeia. Eu nunca fui capturado no castelo de S. Jorge por um legionário, por estar a falar inglês sem ser «intréprete oficial». Eu nunca fui conduzido à força a uma cave, no mesmo castelo, em que havia fardas verdes e cães pastores alemães. Eu nunca vi homens e mulheres a sofrer na cadeia da vila por não quererem trabalhar de sol a sol. Eu nunca soube de alentejanos presos, às ranchadas, por se encontrarem a cantar na rua. Eu nunca assisti a umas eleições falsificadas, nunca vi uma manifestação espontânea ser reprimida por cavalaria à sabrada; eu nunca senti os tiros a chicotearem pelas paredes de Lisboa, em Alfama, durante o Primeiro de Maio.
Eu nunca assisti a um comício interrompido, um colóquio desconvocado, uma sessão de cinema proibida. Eu nunca presenciei a invasão dum cineclube de jovens com roubo de ficheiros, gente ameaçada, cartazes arrancados. Eu nunca soube do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores, da prisão dos seus dirigentes. Eu nunca soube da lei do silêncio e da damnatio memoriae que impendia sobre os mais prestigiados intelectuais do meu país. Eu nunca fui confrontado quotidianamente com propaganda do estado corporativo e nunca tive de sofrer as campanhas de mentalização de locutores, escribas e comentadores da Rádio e da Televisão. Eu nunca me dei conta de que houvesse censura à imprensa e livros proibidos. Eu nunca ouvi dizer que tinha havido gente assassinada nas ruas, nos caminhos e nas cadeias.
Eu nunca baixei a voz num café, para falar com o companheiro do lado. Eu nunca tive de me preocupar com aquele homem encostado ali à esquina. Eu nunca sofri nenhuma carga policial por reclamar «autonomia» universitária. Eu nunca vi amigos e colegas de cabeça aberta pelas coronhas policiais. Eu nunca fui levado pela polícia, num autocarro, para o Governo Civil de Lisboa por indicação de um reitor celerado. Eu nunca vi o meu pai ser julgado por um tribunal de três juízes carrascos por fazer parte do «organismo das cooperativas», do PCP, com alguns comerciantes da Baixa, contabilistas, vendedores e outros tenebrosos subversivos. Eu nunca fui sistematicamente seguido por brigadas que utilizavam um certo Volkswagen verde. Eu nunca tive o meu telefone vigiado. Eu nunca fui impedido de ler o que me apetecia, falar quando me ocorria, ver os filmes e as peças de teatro que queria. Eu nunca fui proibido de viajar para o estrangeiro. Eu nunca fui expressamente bloqueado em concursos de acesso à função pública.
Eu nunca vi a minha vida devassada, nem a minha correspondência apreendida. Eu nunca fui precedido pela informação de que não «oferecia garantias de colaborar na realização dos fins superiores do Estado». Eu nunca fui objecto de comunicações «a bem da nação». Eu nunca fui preso. Eu nunca tive o serviço militar ilegalmente interrompido por uma polícia civil. Eu nunca fui julgado e condenado a dois anos de cadeia por actividades que seriam perfeitamente quotidianas e normais noutro país qualquer; Eu nunca estive onze dias e onze noites, alternados, impedido de dormir, e a ser quotidianamente insultado e ameaçado. Eu nunca tive alucinações, nunca tombei de cansaço. Eu nunca conheci as prisões de Caxias e de Peniche. Eu nunca me dei conta, aí, de alguém que tivesse sido perseguido, espancado e privado do sono. Eu nunca estive destinado à Companhia Disciplinar de Penamacor. Eu nunca tive de fugir clandestinamente do país. Eu nunca vivi num regime de partido único.
Eu nunca tive a infelicidade de conhecer o fascismo."
Denegação por Anáfora Merencória., titulo do texto de Mário de Carvalho