A
partir do início da tarde de terça-feira, milhares de pessoas
concentraram-se junto ao Palácio de Miraflores, em Caracas,
testemunhando o seu apoio ao governo legítimo da Venezuela, dirigido
pelo presidente Nicolás Maduro, e repudiando uma nova tentativa de golpe
de Estado que envolveu dirigentes da oposição fascista e um grupo de
militares desarticulados de qualquer unidade específica, com apoio
específico dos Estados Unidos, Colômbia, Argentina e do secretário-geral
da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro.
A Lei Ingersoll estipulava 8 horas de jornada diária. O capital não a respeitava e os trabalhadores desencadearam uma luta para a fazer respeitar. Convocaram uma greve geral. Foi no primeiro de maio de 1886.
O que amanhã se celebra não é apenas essa luta, mas todo o seu significado. Os "mártires de Chicago" permanecem na nossa memória...
A celebração do 45º Aniversário da Revolução continua, com esta imagem de rua.
Há muitas, de Sophia.
Ela própria, ou a sua poesia, ou a sua luta...
Hoje, destaco aspectos menos referidos da sua coerência. Sophia abominava a demagogia e não foi fácil ver-se livre dela.
Fê-lo, não apenas por (com) poema, mas por gestos.
E estes estão datados:
- em 1976, escreve o poema com fúria e raiva
- em 1978, desabafa em carta a Jorge de Sena
- Meses depois de tal carta, demite-se do PS
- em 1988 divorciar-se de Francisco Sousa Tavares
de tudo isto se fala, por insuspeitos testemunhos, que nem de tal se envergonham, como se tudo fosse natural... e foi.
A um texto escorreito e sério (que abaixo transcrevo) foi dado o título "Cumplicidades socialisto-privadas" e a ilustrá-lo uma imagem com a legenda "Tens a certeza de que queres fazer isto? - Sim!"
Pela oportunidade e pela preocupante afirmação daquele "Sim!", foi o texto replicado por muito lado o que testemunha o alarme e o espanto pelo PS ter chegado a tanto...
Deixo como comentário que presumo que a maioria dos socialistas, a terem uma leitura de que o processo histórico se deve as rasgos individuais, deveriam respeitar a memória de António Arnaut.
Este, ele próprio, o negava subliminarmente, que relativamente a reconhecer ser o pai do Serviço Nacional de Saúde, ter-se-ia de aceitar haver uma mãe. E assim dizia:
(...) Eu sou o autor da lei que criou o Serviço Nacional de Saúde, mas se a
lei tem progenitor, tem sobretudo a mãe. A mãe é que conta e a mãe é a
Constituição. Se ela só tivesse o pai há muito tempo que tinha sido
revogada e o Serviço Nacional de Saúde destruído. O que lhe tem valido, o
que a tem amparado neste percurso acidentado de quase 40 anos é a
Constituição da República.(...)
António Arnaut
O que para aí vai, trai mãe e pai.
Eu que tenho uma outra visão da marcha da história, deixo dito, que é Abril que sai traído.
Sim, outra correria.
De manhã, estava eu descansado quando alguém alertou para ligar para a escola. Liguei. Liguei e confirmei que a Chaimite iria ser retirada nessa tarde. Perguntei ao director se podia passar a recolher imagens. "Claro que sim!" foi a resposta depois de lhe ter explicado que iria produzir um vídeo sobre a sessão programada para a próxima terça-feira, dia 30.
De tarde fui à ala norte da Prisão de Caxias assistir à cerimónia do descerramento da placa comemorativa dos 45 anos da libertação dos presos políticos. Vibrante, aquele "Acordai".
Memoráveis reencontros. Calorosos, os abraços.
Bom discurso, o da Ministra.
Só há liberdade a sério quando houver A paz, o pão habitação saúde, educação Só há liberdade a sério quando houver Liberdade de mudar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir
Sérgio Godinho
25 DE ABRIL,
45 ANOS
DEPOIS
Todos temos a liberdade de ler o que quisermos,
só que cada vez são menos os livros que se vendem
Todos temos a liberdade de escolher os jornais que lemos,
só que todos dizem ou omitem o mesmo
Todos temos a liberdade de escrever,
só que há cada vez menos quem leia
Todos temos liberdade de nos associarmos,
só que há cada vez menos quem se associe
Todos temos a liberdade de aceder ao SNS,
só que este se tornou tendencialmente pago e caro
Todos temos a liberdade de acesso à cultura,
só que não que chega para tanto o orçamento
Todos temos a liberdade de escolher uma carreira,
só que abunda o trabalho precário e é magro o salário
Todos temos a liberdade de ser ricos,
só que cada vez mais empobrecemos
Todos temos a liberdade de votar,
só que cada vez se vota menos
Todos somos livres,
só que não há liberdade a sério
A mancha de texto
parece alguém?
Se sim, sou eu
e talvez tu também
___________________ Fiquei neste estado, impedido de estar naquele outro lado
- Olá!, respondi-lhe eu, surpreendido pela presença inusitada passeando por cima do tejadilho do meu carro e olhando-me como me olhava aquela outra que não me sai da memória mas com diferenças que não deixei de assinalar
- Tu não és... A pequena gaivota não me deixou acabar a frase.
- Não, não sou. A mãe-gaivota falou-me de ti e quis conhecer-te. Contou-me como lhe deste de comer. Contou-me a despedida e o agradecimento que agora renovo...
- Agradecimento?
- Sim! Não são muitos os homens que alimentam a liberdade nestes dias em que ela continua em perigo.
Contrariamente ao que fizera sua mãe, ficou quieta disfarçando a emoção. Eu também fiquei assim, olhando-a. Foram largos segundos, ali parados, mudos, até que a pequena gaivota quebrou o silêncio.
- Vai! Quero te ver voar.
Percebendo que eu hesitava, insistiu como só as gaivotas o sabem fazer. Só então obedeci e voei para me juntar ao meu bando.
_______________
Podem julgar que este diálogo é inventado. Não contrario tal julgamento mas a imagem é prova de que, se não existiu, bem podia ter existido depois daquele outro a recordar o primeiro.
Nesta Páscoa, repito o já antes dito pelo Papa Francisco "Sustento que estamos já numa terceira guerra mundial, aos bocadinhos" e ocorre-me que tal só é possível por já estarmos todos mortos. Assim, deixo-dos dois apelos.
Um, meu:
Ressuscitai-vos uns aos outros
Outro, de Sophia:
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos A paz sem vencedor e sem vencidos Que o tempo que nos deste seja um novo Recomeço de esperança e de justiça. Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos A paz sem vencedor e sem vencidos Erguei o nosso ser à transparência Para podermos ler melhor a vida Para entendermos vosso mandamento Para que venha a nós o vosso reino Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos A paz sem vencedor e sem vencidos Fazei Senhor que a paz seja de todos Dai-nos a paz que nasce da verdade Dai-nos a paz que nasce da justiça Dai-nos a paz chamada liberdade Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos A paz sem vencedor e sem vencidos
Foi na passada quinta-feira, na Biblioteca Municipal de Oeiras, ouvimos
Mário de Carvalho responder a José Mário Silva, do Expresso.
As
perguntas, bem alinhadas com a finalidade implícita de dar o conhecer o
escritor e a obra, iam tendo respostas com a simplicidade de quem não
tem (não sente) a necessidade de provar o quer que seja.
Desde o
seu último livro ao primeiro, o diálogo foi-se fazendo perante uma
(numerosa) assistência atenta e plena de cumplicidades.
Passou-se depois ao diálogo com o público e aqui surge a nossa pergunta
oportuna, pois tem a ver com um texto que a Desenhando Sonhos tomou para
ser divulgado nas escolas celebrando o 25 de Abril.
"DENEGAÇÃO POR ANÁFORA MERENCÓRIA", ora explique lá o sentido de tal título.
... e a explicação surgiu servida, acompanhada de um largo sorriso (quase gargalhada)... Eis a súmula, assim:
“Forma irónica de escrita num modo de negação cadenciada, que reforça a
relevância do facto através da repetição da negação no início da
descrição dos factos (ex: “eu nunca…”) transmite melancolicamente os
factos, conferindo realidade e intensificando a triste realidade
(de)negada.”
É sem dúvida a Biblia um manual de maus costumes, como me lembram as palavras de Saramago (e que eu oiço aqui). A Bíblia diz que Jesus terá dito "Perdoai-lhes Pai, pois não sabem o que fazem". Tal não é expressão de cristão digna de um cristo que com seu gesto violento expulsa os vendilhões do templo. Eles sabem sempre o que fazem...
Contradições? Sim, daquelas que levam os povos à resignação. Bem fizeram os escravos e plebeus que não ligaram ao então dito, mas ao feito, ao se terem revoltado e três séculos depois terem imposto o fim do esclavagismo e a queda do Império Romano. De Cristo, prefiro recordar as últimas palavras, as humanas: "Meu Deus, porque me abandonaste?", sabendo que eu, enquanto parte do meu povo, não tenho perdão se aceitar os vendilhões do templo...
Escrevi, numa outra quinta-feira, que ao analisar a nossa existência racional, que como sabemos é inferior à nossa idade biológica, sempre me interrogava (e interrogo) sobre o porquê de uma traição ser apresentada sobre a forma e a expressão de um afecto. Judas beija Jesus, como sinal de que o traiu e de que traiu um colectivo. Nem mais, nem menos: um beijo. Nada de mais afectuoso. Tivesse a história (e as escrituras) colocado o focos do odioso na transacção, nos trinta dinheiros e talvez o Mundo fosse diferente...
“Atrás de Judas estavam os que lhe deram dinheiro, para que Jesus fosse
preso e atrás deste gesto estão os que fabricam e
traficam armas, que querem o sangue e não a paz, querem a guerra e não a
fraternidade”
A realidade, partida a meio, é sentida pela parte que sente mais uma que outra, e perde a visão do todo que devia provocar dor com igual intensidade.
O incêndio em Notre Dame é (já) uma enorme perda para a Humanidade. Mas há outras perdas, que quando ocorreram não fizeram correr tanta tinta, tanta imagem nem tanta lágrima.
Lembram-se do saque dos museus iraquianos após a ocupação militar das principais cidades do país?
Lembram-se do saque e o incêndio da Biblioteca Nacional do Iraque?
Não se lembrarão pois as parangonas dos jornais, as que então houveram, voaram rápidas e breves foram as notícias e as reportagens. E até, agora mesmo, consultado o google quase parece nada ter acontecido.
É verdade, França é aqui logo. Até se dizia que todos os bebés vinham de lá. E, assim, perda de Notre Dame é, por aqui, bem sentida. O Médio Oriente, é longe... e os povos de lá jamais esquecerão.
«No futuro, existirão mais ciclos de atividade na vida. A previsão é de
que, daqui a não muitos anos, mas com certeza depois de 2030, as
reformas passem a situar-se e um nível bastante superior aos 65 anos que
até aqui se conheciam. Fala-se mesmo que, perto de 2050, as reformas
passem a situar-se não muito longe dos 80 anos».
Neste compromisso assumido de, domingo a domingo, fazer uma liturgia citando Sophia não podia passar ao lado da sua dimensão integral, de mulher.Esgravatando quem já esgravatou a memória dou com uma tese de doutoramento que disserta pela sua militância antifascista a partir da crise do Estado Novo
(1958- 1974), pela análise do conto "O jantar do bispo" (já aqui publicado) e pela atuação da poeta na Assembleia
Constituinte (1975-1976).
Na Constituinte, Sophia teve um papel
de destaque na sua configuração política, porque foi presidente da Comissão para
a Redação do Preâmbulo daConstituição*. Só se surpreende quem nada conhece de Sophia, para além dos (belos) poemas que configuram a sua obra.
Fica, para nossa memória, que a ela (em grande parte) se deve o tão combatido parágrafo:
A Assembleia Constituinte
afirma a decisão do povo português de defender a independência
nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de
estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o
primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma
sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em
vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
*Recomendo a leitura integral do documento e a referida alusão pode ser lida na página 149. A entrevista que se segue integra o trabalho da investigadora
Vizinha do 4º andar - Ai D. Esmeralda,
a nossa pensão corre mesmo o risco de ser cortada? Todos jornais e televisões falam disso...
D. Esmeralda - Mas... então... não percebeu nada do que o Rogerito deixou escrito... leu aquela parte em que ele desvaloriza as ameaças fazendo link para o tal assunto que já tem barbas?
Vizinha do 4º andar - Ler li, só que não percebi...
D. Esmeralda - Bom, então é assim, antes do 25 de Abril a esperança de vida era de pouco mais de 68 anos, hoje quase chega aos 81 anos... vivemos muito mais tempo... e, depois, há muito menos nascimentos...
Vizinha do 4º andar - Pois, isso é o que oiço... há menos a descontar e muito mais pensões a pagar!
D. Esmeralda - Bom essa é a base do enredo que vem espalhando o medo. Mas note, desde o 25 de Abril que o desenvolvimento não tem parado, a automatização, robôs por tudo o que é lado, desde as fábricas às máquinas do supermercado. A tecnologia tem vindo a substituir muita força de trabalho humano...
Vizinha do 4º andar - Ah! Já percebi. A solução é por os robôs a descontar para a previdência...
D. Esmeralda - Não é bem isso... trata-se é de obrigar as empresas a descontar pela riqueza gerada pelas máquinas... juntar ao progresso técnico o progresso moral...
Vizinha do 4º andar - Mas é possível apurar-se com justeza essa riqueza?
Rogérito (grita da janela como se estivesse num comício) - Chama-se Valor Acrescentado Bruto e não há ministro que ignore tal assunto, nem deputado eleito que desconheça tal conceito!
A minha stora cá da escola escolheu este tema porque ela é nova e não está certa de quando for velha irá ter reforma e eu acho que ela tem razão para ter tal apreensão pois andam para aí a falar e quem fala em barcos quer embarcar e fazer com que todos embarquemos em todos esses enredos mentiras e medos.
Esta redação bem podia ter sido escrita quando eu era muito mais pequenino pois o assunto tem barbas e eu recordo aquelas palavras acertadas que um senhor que sendo careca ainda não era velho e com o que disse meteram então todos a viola no saco até que agora voltam com investida nova a ver se a coisa pega e a previdência é mesmo privatizada.
Eu sei destas coisas pois lido com quem sabe e os desenhadores de sonhos sabem bem desarmar os desenhadores de pesadelos e assim assumi a missão de ir ao centro de dia contar o que andam para aí a propalar de que aos idosos vão cortar a pensão que tendo levado um avançozinho continua magra e que daqui a pouco passa a não valer nada.
A reacção nem foi inesperada pois foi igualzinha à daquela outra visita que eu fiz àquele mesmo centro de dia o que faz prever que são gente de mais quebrar que torcer e pronta para a luta.
Diz-se que Trump terá lá dentro "o buraco negro". Duvido! Seria um elogio e além disso uma falsidade:
- elogio, porque ninguém garante que tal descoberta cientifica não abra portas de melhor augúrio sobre o futuro;
- falsidade, porque, no sentido de ter um grande buraco no cérebro, não é verdade que seja o único.
É por isso
que não desisto
fazer-lhe um dia
uma rogeriografia
Para isso, tenho que regressar ao meu laboratório de fisiologia. E, neste momento, não tenho tempo.
Ali Primera, foi um cantor, compositor e militante do Partido Comunista da Venezuela que nasceu em 31 de outubro de 1941. Embora tenha falecido em 1985, as suas canções continuam a ser bandeira de luta do povo venezuelano... (e esta é bela).
Depois de conceber o convite, outra correria foi a preparação do vídeo, o meticuloso trabalho de recolher as imagens e, de seguida, pensar o guião.
Depois de escrito enviei-o ao Levy.
PROJECTO DE GUIÃO
Inicio
5 Segundos – Sobre imagem ainda a
selecionar: Título “25 DE ABRIL, SEMPRE!”
5 Segundos – Subtítulo sobre a
imagem inicial “PARTILHANDO A MEMÓRIA”
Enquadramento
30 a 45 Segundos – Sequencia de
imagens sobre alguns aspectos e factos que caracterizaram o regime: a Mocidade
Portuguesa; a saudação nazi; as celebrações do “Dia da Raça”; as cargas
policiais sobre a população; a censura; as prisões do Terrafal e do Aljube; a
tortura do sono; o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores; as
crises académicas; o simulacro das eleições; a guerra colonial
Sobre estas imagens, passagem da
legenda:
Porque somos idosos, somos a memória
viva desses tempos
Porque somos reformados e
pensionistas, temos a lembrança de não termos direitos, nem a liberdade para a
reclamar
Porque passámos por tudo isso que
vos queremos contar, estaremos a dar o nosso testemunho aí, na tua escola o
lugar certo para que conte a História
9 Segundos – imagem do programa
nas três escolas
Participação das Escolas/depoimentos dos alunos
5 Segundos – imagem do logotipo
do Centro Qualifica da ES. Luís de Freitas Branco
30 a 45 segundos – Depoimento de
aluno(s) do Centro Qualifica. Dá-se toda a liberdade para que o jovem construa
a sua intervenção. As palavras-chave que passamos a referir são meramente
indicativas: “Queremos que a vossa memória seja também nossa”; “contem-nos como
foi”; “Se não soubermos o que passaram, corremos o risco de um dia passarmos
por algo muito parecido”; “sem testemunhos, a história pode ser esquecida”,
“quero saber mais sobre…”; “dizem que quem dizia mal do governo, era preso”…
As cenas seguintes, seguem o
padrão anterior, quer para a ES. Quinta do Marquês, quer para a ES. Sebastião e
Silva, antecipando a intervenção dos alunos com a apresentação do logótipo da
Escola
Depoimento final com a intervenção da Presidente da
“Desenhando Sonhos”
Entre 45 e 60 segundos – texto a
construir com base nos depoimentos recolhidos
Li, onde muitas vezes vou ler, que há uma última sondagem sobre o brexit... Segundo o que leio lá, não há, por cá, notícia alguma na nossa imprensa.
O que o povo pensa não é notícia.
Recomendo a leitura. Dela apenas cito:
«confrontados com uma escolha clara entre sair sem acordo ou permanecer
na UE, são mais os que optam pela primeira hipótese (44% versus 42%). O
projecto do medo não está a resultar lá muito bem.»
A tarefa a que propus depois, foi encontrar a foto adequada. Ei-la
Todos tivemos nove anos. Nessa idade, eu, tal como Dante, conheci "a minha" Beatriz. Por isso, ao ler este conto de Sophia, sob o efeito da sua tão humana criatividade, sou lançado no sonho ingénuo, como se fosse menino, de nos ver passar a todos pelo inferno, pelo purgatório e pelo céu a fim de termos condições de podermos escrever, cada um, a nossa divina comédia. Escreve-la seria depois, tão só e apenas, uma questão de competências de escrita que, como sabemos, só Dante teria. Contudo, se assim fosse, seria melhor o mundo...:
[- Quando Dante tinha nove anos de idade viu um dia na rua uma rapariguinha, tão jovem como ele, e que se chamava Beatriz. Beatriz era a criança mais bela de Florença: os seus olhos eram verdes e brilhantes, o seu pescoço alto e fino, os seus cabelos leves e oiros, trémulos sob a brisa. E caminhava com ar tão puro, tão grave e tão honesto que lembrava as madonas que estão pintadas nas nossas igrejas. Dante amou-a desde essa idade e desde esse primeiro encontro.
Mas passados anos, em plena juventude, Beatriz morreu.
Essa morte foi o tormento de Dante. Então, para esquecer o seu desgosto, começou uma vida de loucuras e erros. Até que um dia, numa Sexta-Feira Santa, a 8 de Abril do ano de 1300, se encontrou perdido no meio de uma floresta escura e selvagem. Aí lhe apareceram um leopardo, um leão e uma loba.
Dante olhou então à roda de si e viu passar uma sombra. Ele chamou-a em seu auxílio e a sombra disse-lhe:
- «Sou a sombra de Virgílio, o poeta morto há mais de mil anos, e venho da parte de Beatriz para te guiar até ao lugar onde ela te espera.»
Dante seguiu Virgílio. Primeiro passaram sob a porta do Inferno onde está escrito: «Vós que entrais deixai toda a esperança».
Depois atravessaram os nove círculos onde estão os condenados. Viram aqueles que estão cobertos por chuvas e lama, viram os que são eternamente arrastados em tempestades e vento, viram os que moram dentro do fogo e viram os traidores presos em lagos de gelo. Por toda a parte se erguiam monstros e demónios, e Dante agarrava-se a Virgílio tremendo de terror. E por toda a parte reinava a escuridão como numa mina. Pois era ali um reino subterrâneo, sem sol, sem lua e sem estrelas, iluminado apenas pelas chamas infernais.
Depois de terem percorrido todos os abismos do Inferno voltaram à luz do sol e chegaram ao Purgatório, que é um monte num meio duma ilha subindo para o céu. Aí Dante e Vergílio viram as almas que através de penitências e preces vão a caminho do Paraíso. Neste lugar já não se viam demónios, mas em cada nova estrada surgiam anjos brilhantes como estrelas.
Até que chagaram ao Paraíso Terrestre, que fica no cimo do monte do Purgatório. Aí, entre relvas, bosques, fontes e flores, Dante tornou a ver Beatriz. Trazia na cabeça um véu branco cingido de oliveira: os seus ombros estavam cobertos por um manto verde e o seu vestido era da cor da chama viva. Vinha num carro puxado por um estranho animal metade leão e metade pássaro.
- Dante – disse ela -, mandei-te chamar para te curar dos teus erros e pecados. Já viste o que sofrem as almas do Inferno e já viste as grandes penitências daqueles que estão no Purgatório. Agora vou-te levar comigo ao Céu para que vejas a felicidade e a alegria dos bons e dos justos.
Guiado por Beatriz, o poeta atravessou os nove círculos do Céu. Caminharam entre estrelas e planetas rodeados de anjos e de cânticos. E viram as almas dos justos cheias de glória e de alegria. Quando chegaram ao décimo Céu Beatriz despediu-se do seu amigo e disse-lhe:
- Volta à terra e escreve num livro todas estas coisas que viste. Assim ensinarás os homens a detestarem o mal e a desejarem o bem.
Dante voltou a este mundo e cumpriu a vontade de Beatriz. Escreveu um longo e maravilhoso poema chamado «A Divina Comédia», no qual contou a sua viagem através do reino dos mortos.]
Foi uma promessa "facebuqueana", mas promessa é promessa e eu procuro cumprir as minhas, seja qual for o local ou a hora em que as produza. Comprei o livro na FNAC, na loja do Oeiras Parque e, na caixa, abri conversa com a jovem que lá estava, que não se dera conta ainda de que chegara este novo título. Palavra puxa palavra, tal como acontece com as cerejas, recebi eu promessa dela de se pudesse estar, lá estaria.
Chegado a casa, depois de outros pequenos afazeres, abri o livro, disposto a um primeiro reconhecimento. Li, um tanto à diagonal, a crónica que tem por título "Os maçadores" que conta a maçada que lhe deu um taxista-pregador. E termina a crónica com uma recomendação: "Ao entrar num taxi, deve verificar se há um postal suspeito no tabliê. Ainda que não haja, convém perguntar ao motorista, com voz soturna:«O amigo é pregador? Ai não é? Palavra de honra?»
Vem Minha Alma, que sempre se intromete nas minhas leituras, e segreda-me ela: «Pena o Mário nunca ter sido transportado pelo teu pai. Teria gostado da sua pregação».
Vem Meu Contrário e censura-lhe a intromissão o que me permite continuar a ler. Salto para a última crónica. Título: "Um homem tranquilo" que conta a relação de Mário com Saramago. E dou comigo a reconhecer-me como "papagaio do pirata". Sim, fui um daqueles tipos que se atrelou à celebridade para me mostrar por cima do seu ombro. Eu fui o papagaio de Saramago. Contudo, tão diferente das araras e de tantas catatuas...
Que descanse quem me lê, o que deixo escrito não é definitivo. Vou continuar a ler o livro e já sei onde ir obter autógrafo...
Quando ouvi dizer que Cavaco sofreria de amnésia corri, à pressa, pimba, renovei o exame, fiz-lhe nova rogériografia.
Resultado, Cavaco tá igual, de Alzheimer nem sinal.
Desde 2010, aquando da minha primeira chapa regista a evolução que já registara e acentuou tudo o que tinha de manipulador e tenebroso.
Isto é, Cavaco sabe muito bem e não esqueceu quem mais desinvestiu. Cavaco não esqueceu tudo isto:
"Hospital da Horta perde três importantes valências: oncologia, urologia e cuidados intensivos." - Noticia de 13 de Maio de 2013
"O Centro Hospitalar de São João anunciou
hoje que, com efeito a partir de ontem, o atendimento pediátrico de
urgência do Hospital de Valongo passou a ser feito no Porto." - Noticia em 27 de Agosto de 2013
"O Hospital de Portimão vai perder a maioria das especialidades médico-cirúrgicas e corre o risco de se transformar numa espécie de centro de saúde."
- Notícia em 16 de Setembro de 2013
"O Hospital Padre Américo, Vale do Sousa (Centro Hospitalar
Tâmega e Sousa, EPE), vai perder várias valências, das quais se destaca a
especialidade de urologia e cirurgia vascular." - Notícia em 10 de Abril de 2014
"O Hospital de Guimarães foi desclassificado e perdeu três serviços: obstetrícia, urologia e cirurgia - Notícia de 10 de Abril de 2014
"O Ministério da Saúde propõe o fim da cirurgia cardiotorácia no hospital
de Santa Cruz, em Carnaxide, e no Centro Hospitalar de Vila Nova de
Gaia, segundo um despacho publicado em Dário da República." - Noticia em 11 de Abril de 2014
«Vivemos num mundo estranho, onde ninguém se atreve a olhar para além dos nossos sistemas políticos atuais, embora esteja bem claro que as respostas que procuramos não se encontram dentro da política de hoje.»
«...bem se pode dizer que é legítimo defender que o transporte público deveria ser crescentemente desmercantilizado e ter como objectivo ser, no essencial, gratuito, assumindo o Estado, e em particular o capital, os custos de funcionamento do sistema. Mas sobretudo porque uma política alternativa centrada no interesse público tem que ser desamarrada da estrita visão do transporte olhado a partir do “económico”, para o ver e garantir como um direito mais geral inerente à vivência social, ao acesso à fruição e ao acesso a bens culturais, com as suas inegáveis vantagens de melhoria das condições de vida e protecção ecológica e ambiental.»
O elétrico ia como sempre ia, àquela hora. Ia meio vazio e a nove-à-hora. Minha mãe ia enfadada porque não me dava calado pois eu ia lendo tudo o que era anúncio, letreiro ou aviso, de nariz encostado contra o vidro, vaidoso e exuberante pelos meus precoces conhecimentos de leitura
Chegando o revisor picou o bilhete* que minha mãe lhe estendera e quando ia para passar à frente, deu um passo atrás, questionando-me directamente:
- "E o menino que idade tem?"
- "A minha mãezinha disse-me para eu dizer que tenho quatro", e estendi de repelão a mão com cinco deditos trémulos, mas bem esticados...
Debaixo do bigode farto, de inspiração republicana, o revisor esboçou um largo (e cúmplice) sorriso.
______________
* Bilhete foi um título de transporte único até 1976. Foi graças à Revolução de Abril que apareceu o passe-social e foi preciso esperar 22 anos para que uma proposta fosse colocada e aprovada e o passe passasse a ser gratuito até aos 13 anos.