Mostrar mensagens com a etiqueta Conversas de Esplanada. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Conversas de Esplanada. Mostrar todas as mensagens

21 novembro, 2023

NUNCA ME TINHA APERCEBIDO DE SER ASSIM, TÃO CONHECIDO...


Estava eu, onde frequentemente estou, quando alguém se sentou numa mesa próxima da minha. Nem me dera conta pela sua chegada. E foi então que ouvi aquela voz bem colocada, com uma oralidade perfeita, ler algo que me era familiar. Então espreitei, e se não visse não acreditava. Uma avó lia um continho meu à sua atenta neta. Sem que dessem por isso fiz a foto que agora mostro, depois de lhes ter mostrado. 

"Sou eu o autor desse livrinho!" e ficámos ali, um bom bocado, eu a falar com a neta dela e a avó, sempre sorrindo, a acompanhar a conversa. 

Dirigi-me então à velhota, apontando o livro "Onde o encontraram? Quem vos ofereceu?" Depois da explicação que a vizinha do lado era professora e lhe tinha emprestado o meu "Contos Para Serem Contados" tendo de o devolver, pedi para esperarem ali e fui ao carro buscar um exemplar que logo à criança ofereci, com uma dedicatória que a criança beijou, na página onde a tinha escrito...
Foi tão giro...

 

26 novembro, 2021

CONVERSANDO COM A NOSSA SONETISTA...

ELA (atendendo, com voz dorida) - Olá, Rogério!

EU (em tom expectante) - Então? Como vai isso?

ELA (mantendo o tom) - Vou andando... Ontem, que julgava que a consulta era preparatória da operação ao outro olho, a médica descobriu que a lente de contacto, que me tinha sido posta no olho operado, estava a ser rejeitada. Terei que ser submetida a uma (e disse um nome imperceptível) e não sei quando terei visão em condições. Quanto ao resto, lentamente, vou recuperando... a médica, quando viu as análises iniciais até se admirou como é que eu conseguia andar, mas...

EU (atalhando) - Recuperando... ora aí está o verbo esperado! E quando é que tens a tal consulta de oftalmologia? 

ELA (em tom de enfado) - Só para o ano, Rogério! Só para o ano!

EU (encorajador) - Mas para o ano, é já aí!

ELA (rindo) - Dizes tu! Expressando-se a médica sem referir uma data...

UMA VOZ (gritando) - Chega já aqui!

EU (interrogando) - Quem é? Estão a chamar-te? 

ELA (rindo) - Não, não é comigo! É alguém aqui da mesa ao lado! É que vim beber um cafèzinho, aqui na esplanada! Está frio, mas um sol linnndo!

Mantivemos ainda a conversa por um bom bocado, falando de tudo e de mim. Lá foi dizendo que tinha escrito, a custo, mais um soneto, que não tinha visto nada do que temos escrito, que tem estado sem paciência para nada mas que hoje sentira um pouco de alento. Perguntei-lhe se autorizava a que desse conta do seu estado, aqui, hoje, neste meu espaço. Resposta pronta "Claro!"

09 junho, 2021

Geração sentada, conversando na esplanada - 94 ("O regresso")

Imagem cedida pela Catarina

Com o intuito de poder avaliar a surpresa do meu regresso fiz questão de chegar cedo. Fui buscar a "bica" e sentei-me na mesa onde era costume sentar-me. Àquela hora a esplanada estava como eu esperava, vazia. Desfrutei a paisagem e a brisa.
O melro, pareceu-me o mesmo, aproximou-se depenicando aqui e ali, até que surgiu o habitual pombo a disputar-lhe a migalha. Testei-lhes o arrojo e esbracejei. Voaram ambos, para de seguida regressarem.
Estava eu nisto quando me apareceu o primeiro sorriso, depois o segundo e de seguida o terceiro. Com pouco intervalo, chegou o engenheiro e o seu cão rafeiro. Foi uma festa pegada saudando o meu regresso à esplanada. Foram manifestações efusivas e de prolongada dura. Depois as professoras mergulhavam na tertúlia costumada e eu e o meu parceiro iniciávamos uma conversa como há muito não tínhamos. O cão rafeiro voltou ao que sempre fizera, pousando o seu focinho no meu joelho e com o seu olhar seguia ora um ora outro com uma concentração quase humana.
A páginas tantas, e depois de termos saltado de assunto para assunto, surgiu a pergunta que o engenheiro trazia engatilhada:
"Nas próximas autárquicas vai ser candidato?"
Ia a responder, quando a Gaby veio interromper: "Desculpe interromper, mas sei de tudo o que se passou e queria dar-lhe os meus mais sentidos..." Não a deixei acabar, levantei a mão num gesto enérgico e perguntei-lhe se lhe podia dar-lhe um beijo. Dei-lho, na ruborizada face e entendendo a situação a Gaby regressou ao convívio que tinha interrompido... de lá, esboçou um sorriso tímido com um olhar dorido,onde se adivinhava a lágrima.
Eu e o engenheiro ficámos por largos minutos em silêncio, para de pronto lhe responder à pergunta que me tinha colocado: "Sim, sou candidato!"


17 janeiro, 2020

Geração sentada, conversando na esplanada - 93 ("Precisamos... sobretudo, de ideias")

«Marx ganhou uma nova vida, renascido das cinzas para onde foi (precipitadamente) remetido com a implosão do regime soviético. A sua dimensão emancipatória e utópica continua poderosa.»
in "O “espectro” de Marx", por Elísio Estanque

Não querendo arriscar o acontecido da última vez que lá tinha ido, fiz questão de chegar cedo. Fui buscar a "bica" e sentei-me na mesa onde era costume sentar-me. Àquela hora a esplanada estava como eu esperava, vazia. 
O melro, pareceu-me o mesmo, aproximou-se depenicando aqui e ali, até que surgiu o pombo a disputar-lhe a migalha. Testei-lhes o arrojo e esbracejei. Voaram ambos, para de seguida regressarem.
Estava eu nisto quando me apareceu o primeiro sorriso, depois o segundo e de seguida o terceiro. Com pouco intervalo, chegou o engenheiro e o seu cão rafeiro. Foi uma festa pegada saudando o meu regresso à esplanada. Foram manifestações efusivas mas de pouca dura. Minutos depois as professoras mergulhavam na tertúlia costumada e eu e o meu parceiro iniciávamos uma conversa como há muito não tínhamos. O cão rafeiro pousara o seu focinho no meu joelho e com o seu olhar seguia ora um ora outro com uma concentração quase humana. 
A páginas tantas, e depois de termos saltado de assunto para assunto, surgiu a pergunta que o engenheiro trazia engatilhada:
"Acha que o Jerónimo vai mesmo sair no próximo Congresso?"
Ia a responder, quando a Gaby veio interromper:
"Acabámos de ir ao seu Conversa e deparámos na sua frase Não precisamos apenas de palavras dirigidas à alma, que nos arrepiem a pele, nos emocionem... Precisamos de palavras-adubo, palavras-semente e, sobretudo, de ideias. Tem tanto de belo como de profundo.
De pronto respondi precisarmos mais de tudo isso do que saber se Jerónimo continuará a ser Secretário Geral. Gaby não entendeu, mas o engenheiro percebeu o sentido da minha resposta. 
E a conversa continuou trocando impressões sobre aquele oportuno artigo publicado no Público...
Esquecidos do tempo, por ali ficámos como há tanto já não estávamos.

12 março, 2017

Geração sentada, conversando na esplanada - 92 ("Fascismo? Ná!... Não há riscos disso...")

“O [Donald Trump] esteve estupendamente. Os americanos voltaram a controlar o seu país e ofereceram uma nova era ao mundo. Oxalá cá chegue”.
Rafael Pinto Borges, dirigente da Nova Portugalidade 
"Mas, felizmente, não vejo a acontecer aqui um fenómeno do estilo Marine Le Pen. Não há indícios. Não sei a que se deverá isso, mas é uma sorte. Os portugueses não gostam de arriscar, receiam que qualquer mudança os vá prejudicar. Se nos mantivermos numa temperatura média, talvez escapemos.
Maria Filomena Mónica,  entrevista à Visão

Quando julgamos ir ser recebidos com cumprimentos efusivos, "olás" festivos ou mil sorrisos, esqueçam. Nada disso aconteceu com o meu regresso à esplanada. Foi como se lá sempre tivesse permanecido ou nunca lá tivesse ido. Ia eu pensando nisso, sem saber como satisfazer o ego, quando a Gaby deu por mim.
- «Seja bem vindo! Como tem passado?» E sem esperar resposta, «Sabe? o seu "Conversa" tem sido, domingo a domingo, tema para a nossa tertúlia, aqui na esplanada. Há pouco recebi uma mensagem da Teresa a alertar-me para o post de hoje e a dizer que não ia poder estar. As outras já se foram e o Engenheiro não tem aparecido...» Ia eu a dizer já nem sei o quê, a Gaby não me deu espaço - «Sabe o que eu penso? Se não fosse o seu Partido a extrema direita já estaria aí  em peso!» e continuou, atrapalhando-se nas palavras, como se estivesse a recuperar tempo perdido - «Também estou a lê-lo no jornal Tornado! E só lhe digo, sou professora de Português e nunca tinha ouvido falar de Maria Lamas!» e continuou, sem se calar. 
Para mim próprio repetia palavras acabadas de lhe ouvir, "se não fosse o meu Partido..." E nada de águas tépidas, como previne a Filomena Mónica. É nelas que a besta cresce!

07 junho, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 90 ("...nós somos aquilo que lemos")

«O homem passou a mão ao de leve sobre o lago. Num jeito de carícia a um animal adormecido. E a água começou a escorrer-lhe de manso nos braços, inundou-lhe a garganta, coou-se-lhe nas espáduas, ressumou no torço, doeu-lhe no ventre em turbilhão. Foi punhais e remoinho. A espaço trespassava-o em cachão e galgava-lhe as veias, depois de novo um movimento quase estagnado, um arfar de bicho esfalfado insaciável.»
Fiama Hasse Pais Brandão, in Em cada pedra um voo imóvel. 
«Ontem, ao passar por uma livraria, reparei que Prometo Falhar, de Pedro Chagas Freitas, saído em  2014, atingiu já cem mil exemplares de tiragem. Vou ali à estante, e retiro, Em cada pedra um voo imóvel, de Fiama Hasse Pais Brandão, que lançado em 2008, com uma tiragem de mil e duzentos exemplares, da última vez que verifiquei (há segundos) ainda é fácil encontrar na edição original. Ou seja, sete anos não chegaram para esgotar mil e duzentos exemplares de um livro maior de Fiama, mas Pedro Chagas Freitas vende, num ano (ou menos), cem mil exemplares.»
Era tal a atenção que um dava ao outro, era tal a conversa de um com o outro, que resolvi não interromper. Abri o livro na página onde ia e preparei-me para ler. Mas a primeira frase ao cimo da página a atrapalhou-me a concentração. E fiquei a olhar, o engenheiro e o cão e a lembrar que "nós somos aquilo que lemos" (e, se não soubermos escolher, seremos aquilo que nos derem a ler...) 

24 maio, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 89 ("Não se pode fazer da Educação um acordeão de romaria que se abre e se fecha ao sabor das ideologias e dos interesses dos "pensadores" de meia tigela sedentos de eternidade.")

(ler conversa anterior)
«...A escola tradicional azedou, passou à história, está longe das exigências das sociedades de hoje e mais longe dos ideais de uma Escola inclusiva, uma Escola para todos. Os defensores do mito do passado, sabem bem o que fazem, o que querem...
Não se pode fazer da Educação um acordeão de romaria que se abre e se fecha ao sabor das ideologias e dos interesses dos "pensadores" de meia tigela sedentos de eternidade. É um crime!»

Lídia Borges, num comentário à "Redacção do Rogérito..."
"Os socialistas já não vão acabar com os exames nacionais para os alunos dos 4º, 6º e 9º anos de escolaridade. A introdução de exames no fim de cada ciclo escolar (4º, 6º e 9º anos) foi uma das medidas tomadas por Nuno Crato que os socialistas mais criticaram, desde que entrou em vigor em 2012. Por várias vezes, o PS teceu duras críticas aos exames e chegou mesmo a acusar o ministro da Educação de querer voltar "à escola elitista". O ex-ministro da Educação Augusto Santos Silva defendeu várias vezes o fim dos exames no básico."
Ana Petronilho, no "Económico
 

O filho da Rita veio à frente, só depois ela apareceu para se juntar ao grupo das professoras. "Então, correu-te bem a prova?" O miúdo respondeu com um "mais ou menos" distraído mas sublinhado com um encolher de ombros significativo, para de seguida abraçar o cão. Eu e o engenheiro ficámos olhando a cena, sem a comentar. Já nos conhecíamos o suficiente para sabermos que ambos estaríamos a pensar no  acordeão de romaria a que se referira a Lídia.

12 abril, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 88 ("A Joana fez-lhe um pedido e até hoje nada lhe foi respondido!")

(ler conversa anterior)
«Se o País sair do Euro corre o risco de falir como a Islândia»
- Título do DN, Maio de 2010

«Islândia baixa desemprego para 4% e economia cresce 3,5% em 2015»
- Título do Jornal de Negócios, Março de 2015

A Teresa dominava as conversas na sua mesa. Ao lado estava um casal, calado. Depois compreendi-lhes o silêncio, interessava-lhes o tema da Teresa. Ela, depois de ter percebido a atenção que lhe era dada, elevou o tom da fala: «...e estes estupores farão com que haverá mais candidatos que eleitores... presidenciais, presidenciais. Irra, que é de mais!...»  A Gaby interrompeu-a erguendo o tablet «Já leram este gajo que apanhei comentando o "Conversa Avinagrada"? O gajo deve ser "anarca", mas tem marca. Ora oiçam: 
Eu, Rei dos Leittões e de Áquem Tejo, que não falo de presidenciais, afirmo solenemente, que não serei candidato à presidência da república. Eu, que não falo de presidenciais, afirmo solenemente que não votarei em nenhum candidato que fale de presidenciais. Eu, que não falo de presidenciais, afirmo solenemente, que sei o que eles todos querem. Eu, que não falo de presidenciais, acho que as presidenciais deviam ser antecipadas. Eu, que não falo de presidenciais, acho normal esta chuva de candidatos. Pudera!  A seguir ao Cavaco, qualquer um brilha!»
O engenheiro, até aí também calado, questionou-me com um ar de quem me censurava,
«A  propósito, você também embarcou em falar só das presidenciais. Por acaso já respondeu ao que a Joana lhe pediu, num comentário que lhe deixou?»,
 «Não! Estava a aguardar que mais argumentos ter, depois disto acontecer»,
e estendi-lhe o convite.


30 março, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 87 ("A Igreja, os comunistas e os silêncios em Dia de Ramos")

(ler conversa anterior)
"procurou(-se) a identificação daquilo que a Igreja e o PCP procuram no sentido de um país melhor, com mais justiça social, menos pobreza e menos desemprego, não se ficando apenas pela contemplação dos problemas, mas com intervenção concreta, junto das pessoas, dos cidadãos"
Jerónimo de Sousa, após encontro com D. Manuel Clemente

“O problema mais grave é não ter a possibilidade de levar o pão para casa, de o ganhar! E quando não se ganha o pão, perde-se a dignidade. Esta falta de trabalho rouba-nos a dignidade. Devemos lutar por isso, devemos defender a nossa dignidade de cidadãos, de homens e mulheres, de jovens. Este é o drama do nosso tempo. Não devemos permanecer em silêncio.”
Papa Francisco, citado hoje por Frei Bento Domingues

Não era a primeira vez que na esplanada bastasse uma pequena réstia de sol para que tudo se transformasse. A roupa foi pouca, a língua foi solta e não havia quem não conversasse. O rafeiro, estirado, abanava o rabo mesmo sem ser por agradecimento por qualquer festa ou atenção. O melro saltitava e o pombo procurava, insistente, o acasalar com uma pomba vistosa que por ali pousara. As flores, ao fundo, completavam o quadro.
"É dia de Ramos" lembrou o velho engenheiro para de seguida lembrar, com detalhes históricos, o significado do dia e que na versão sua determinaria a ocorrência de sexta-feira enquanto dia santo. "O poder sentiu-se tremer, com aquela aclamação à entrada de Cristo na cidade. O povo, ao tempo, era dócil e raramente se manifestava. O episódio da expulsão dos vendilhões do templo apenas foi a gota de água". Não respondi, apenas abanei a cabeça para lhe reforçar aquela certeza. A Gaby, que ouviu, não se conteve. "Acho que D. Clemente treme com as manifestações de rua e não percebo porque o secretário geral do seu partido valorizou o que lhe terá dito". Fiquei um momento calado, era pertinente a afirmação que, aliás, sublinhava o que eu próprio pensava de D. Clemente. Depois resolvi responder: "Não fossem os milhares de católicos que militam no meu partido, não fossem as palavras e os gestos de Francisco e, sim, teria sido uma visita desnecessária."

22 março, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 86 ("vemos, ouvimos e lemos/não podemos ignorar")

(ler conversa anterior) 
«...não ouvem, não vêem, não falam e quando falam não sabem».

«Vemos, ouvimos e lemos / Não podemos ignorar»


Todos estavam como se a Primavera estivesse presente, mas o sol mostrou-se pouco colaborante... a manhã não estava a correr de feição, nem para o cão. O senhor engenheiro atrasara-se e os bolos estavam já esgotados. O último, aquele que estaria destinado ao rafeiro, uma das professoras o comprara e o que se passou a seguir entraria para a história da esplanada. Quando a professora se preparava para a primeira dentada, o cão entrou não se sabe se em pranto se em uivo de reclamação e só se calou depois de obter seu quinhão. Depois, recompensado, recolheu-se debaixo de uma cadeira para não mais se ouvir, nem ver, a manhã inteira.
Ficamos depois a comentar se o que tínhamos assistido não seria uma metáfora ao vivo...
___________________
Actualizado, pelo comentário deixado pelo Bruno:
«O cão, ao contrário de muitos outros mamíferos, primatas inclusive, conhece e pratica a máxima: "quem uiva nem sempre ganha, mas quem não uiva perde sempre". »

15 março, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 85 (José Gil, o pensamento doméstico e o seu inconfessado sebastianismo)

 (ler conversa anterior)
«...Não tratei da identidade portuguesa, penso sobre mentalidades que são transitórias por natureza. Não sei qual é a identidade portuguesa.(...) Sim, [deixei o marxismo] na juventude (...) A saudade não passa de uma beleza literária.»
José Gil, extratos de uma longa entrevista ao jornal i

A manhã clamava por um bom soltar de língua, mas parecia que ninguém se atrevia a tal iniciativa. As professoras, silenciosas, gozavam o sol. O velho engenheiro ficara-se de mão estendida com o pedaço de bolo pronto para quando o seu rafeiro se resolvesse a aceitá-lo. O cão teimava em trocar aquele mimo, que tinha como certo, pelos raios de sol que sabia irem ser efémeros. Eu lia o jornal.
O velho pousou o bolo, olhou para o que eu estava a ler e não se pode conter: "Profundo, o Gil". Sorri-lhe sem lhe responder. Ele percebeu que eu queria continuar e esperou até que acabasse. Aí, insistiu: "Profundo, não acha?" Respondi-lhe então, que não. Como ser profundo?, se ele reduz as coisas do mundo ao pouco que do mundo se dá a conhecer. É como se o pensamento se confinasse aos temas das primeiras páginas do jornais, e li-lhe algumas passagens para depois ser eu a interrogar. "Que pensa de um pensador que caracteriza as elites políticas pelo que dizem Passos e António Costa? E ainda por cima se retrata como um (mais um) sebastianista! Sobre ele, disse um dia que não se atreve a dissertar sobre valores, desafio-o a encontrar em tão extenso texto uma só ideia que não seja vaga", e sem esperar resposta, pedi à Gabi o iPad emprestado e procurei o que há pouco alguém me dera a conhecer.
"Emana do que lhe vou mostrar, um outro Mundo e esse é o do verdadeiro conhecimento, do saber, daquele saber que os filósofos deviam conhecer e que deriva da dialéctica da natureza. Ora veja:"

23 fevereiro, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 84 («Esta classe média é uma merda!»)

«O que é isso de bater numa miúda à frente dos amigos? E na televisão?
O que leva um fedelho de 20 anos, que mal segura as calças nos ilíacos, a dar uma tareia na namorada, com instintos de macho alfa, entesuado por exemplos domésticos, quiçá inocentes, permitidos socialmente através das televisões e comentários na internet?...»
Perguntava a Uva-Passa

A Teresa nem se levantou da mesa, inclinou a cadeira e toda inclinada debruçou-se sobre o meu ombro com o iPad estendido: "Foi você quem escreveu isto?" E eu li o que tinha escrito "Nem é amor, nem é violência/É inaptidão para a relação/É incompetência/Tudo começa na construção do edifício que eles são/Quem os constrói, quem?" respondi-lhe ter sido eu quem o escreveu e ela disparou-me que se eu tinha sido célere a colocar a pergunta é porque tinha alguma ideia da resposta. Ao principio não tinha percebido e confirmei:
- "Quer mesmo saber quem edifica a adolescência que bate na namorada?"
- "Isso mesmo!"
- "Sabe? A cultura dominante e os comportamentos são determinados pela classe média, e esta é uma merda!"
Indignada, menos pelo vernáculo usado mas pelo que considerava uma não resposta, lançou-me um "Como assim?" desafiador. Eu peguei-lhe no iPad com um "Posso?" e procurei o estudo que não há muito tinha lido. Procurei a página 113 e apontei-lhe o que ela devia ler e ela leu "A grande maioria
dos adolescentes (79,7%) refere não se ter magoado a si próprio
", donde mais de 20% atentam contra si mesmo, concluí. "E agora leia aqui na página 121", e ela leu "61% dos adolescentes não gosta ou é-lhes indiferente as aulas e 46,1% não gosta ou é-lhes indiferente os professores" de seguida apontei a página 157, e ela continuou a ler "48,4% sentem que o ambiente da escola tem problemas e 40,2% têm a percepção que isso acontece às vezes" e, para finalizar, li-lhe eu que apenas 11,3% dos alunos do 10º ano consideram que os conteúdos têm interesse, donde mais de 80% acham que a matéria é uma "seca". 
A Teresa olhou para mim, destroçada "Posso ficar com esse estudo guardado?"
"Claro! Tem aqui o link, mas, já agora um quadro que lhe vai ficar gravado, ora veja":


- "E isso, explica que um adolescente bata na namorada?"
- "Na verdade não sei, mas juntando tudo o que é referido no estudo, o que é que acha?"

15 fevereiro, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 83 (The Tide Is Turning)

(ler conversa anterior) 
«Quem é o mais forte? Quem é o melhor?
Quem segura os ases? o leste ou o oeste? 
Esta é a merda que nossas crianças estão aprendendo 
Mas...
Oh, oh, oh, a maré está virando 
Oh, oh, oh, a maré está virando»
Roger Waters, "The Tide is Turning"
«As reuniões de Modi, à margem da cúpula de julho de 2014 dos BRICS em Fortaleza, Brasil, com o Presidente Putin da Rússia e com o Presidente Xi Jinping da China, segundo todos os noticiários, foram notavelmente calorosas e cordiais. Ali, Modi aprovou entusiasticamente a ideia de o Banco de Desenvolvimento dos BRICS terem sede em Xangai, com um indiano na presidência. Modi também se recusou a seguir Washington, nas sanções contra a Rússia; disse que sanções econômicas são assunto que têm de ser decididos no Conselho de Segurança da ONU – ideia que Washington absolutamente não gostou de ouvir. E Modi também melhorou dramaticamente as relações há muito tempo tensas com o Paquistão, aliado muito íntimo da China.»
«aumenta diariamente» o círculo de parceiros e instituições com quem são mantidas consultas, garantindo que o governo «permanece firme na sua meta de aplicar o programa de salvação social, aprovado pelo voto do povo grego».
in Jornal Avante, "Grécia recusa chantagem

A música soava baixinho e eu ia cantarolando enquanto ia lendo o jornal. Inadvertidamente, talvez por impulso de Minha Alma, a voz elevou-se na esplanada "Óh, Óh, The Tide is Turning".
As professoras pararam para dar atenção àquele "Óh". O velho engenheiro não conteve um comentário,
"O seu óh, está como o mundo, completamente desafinado!"
"The Tide is Turning, meu caro, mesmo que ainda um pouco desafinado"

08 fevereiro, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 82 (...e se a Jangada de Pedra for a Grécia?)

(ler conversa anterior)
«Ou seja, para além de deter enormes reservas de petróleo e gás, a Grécia possui todos os outros atributos para operar como um nó logístico estratégico no transporte e distribuição dos hidrocarbonetos do Levante: portos para GNL e localização geográfica para a instalação de um gasoduto.» in "Expresso, Fevereiro de 2013"
«BRICS alteram a Ordem Mundial, mas ninguém fala em tal.» Eu, "aqui, em Julho passado"
«Durante a recente visita a Moscovo do dirigente chinês Li Keqiang, chefe do Conselho de Estado da China, as partes confirmaram o desejo mútuo de aumentar ao máximo o pagamentos de suas contas em rublos e yuans, referente as trocas comerciais entre os dois países.» in "Rússia e China abandonam dólar americano", Nov. 2014

Desdobrei o pequeno papel e coloquei-o sobre a mesa. Peguei na chávena, dei um pequeno sorvo e enquanto a pousava ia lendo as pequenas notas que tinha alinhado. O velho engenheiro, ouvia-me atento. Quando achou que eu tinha acabado, comentou, "A única surpresa não é surpreendente, porque será que a imprensa se cala?" Achei que aquele comentário era um estímulo. Meti a mão no bolso e tirei um papel papel maior, este impresso, e estendi-lho e ele leu atentamente. No fim, comentou assim "Neste Mundo feito de mudança, não me admirarei se a Jangada de Pedra vier a ser a Grécia. Posso guardar este escrito?"
(se o meu leitor o quiser guardar também, aqui o tem)

25 janeiro, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 81 (Depois de Clístenes, foi Sólon a aderir ao KKE)

(ler conversa anterior)
«Poderemos designar este período como Os Anos Pavlov da Europa.
É um belíssimo nome.
Ou talvez melhor A DÉCADA PAVLOV da EUROPA.
A questão é esta: em vez de colocares um único cão a salivar sem alimento à sua frente, só por causa do toque da campainha… condicionamento clássico…colocas milhões com medo também só com o toque da campainha.
- Mas pode um continente comportar-se como um cão?
- Pode.»
Gonçalo M. Tavares, de um texto editado na imprensa grega

«Clístenes, um aristocrata da época, liderou várias reformas em Atenas, e ao invés de ficar ao lado dos tiranos, preferiu ficar ao lado do “povo” e se tornou soberano, precisamente no ano 507 a.C., sendo sensível com a pressão social que reivindicava participação nas decisões públicas e no poder. Não foi fácil Clístenes tomar o poder, a população teve que o tomar pela força...»
Luciano Baptista, in "A Democracia Ateniense Clássica"

Soalheira, a manhã trouxera à esplanada uma frequência rara. Do outro lado, as professoras mantinham uma conversa agitada, sem que conseguisse perceber o tema da desavença. "Estão assim há tempo", dizia-me o velho engenheiro desfiando o bolo que ia dando ao rafeiro, que pela gulodice abanava a cauda e passeava a língua pelo focinho inteiro. "Com que então voltou a editar o Gonçalo, pensava que o tinha arrumado!" disse  para me picar e iniciar a tertúlia. "Quem o arrumou foi o jornal, meu velho. Foi o jornal. Não sei se reparou, mas um redator batido ocupou-lhe o espaço. Veja..." e estendi-lhe o Noticias Magazine.
- Não posso crer... mas voltando ao que hoje escreveu, acho que nunca falou da Grécia!
- Até me assumi grego. Já fui Clístenes. Já fui Sólon... a eles se deve a Democracia. Hoje seriam militantes do KKE...
- KKE?
- É um partido. Se não o sabe localizar, deite-se lá a adivinhar: Clístenes, instituiu que o poder deve pertencer a um colectivo e que quem ameaça a Democracia deve ser condenado ao ostracismo, Sólon produziu lei que além de perdoar dívidas e as hipotecas que pesavam sobre os pequenos agricultores, aboliu a escravatura por motivos de dívida. Que tipo de partido defende hoje mais ou menos isso?
- Pois, entendi!, o Syriza tem a vitória assegurada? irá coligar-se com o Partido Comunista?, se for maioria absoluta, não precisa!
- Se o Syriza começa com essa aritmética... quem prescinde hoje de um Clístenes, de um Sólon?
- E ficam milhões com medo!
- Pode ser, vamos ver... a década de Pavlov na Europa está posta à prova.
- Basta uma pequena campainha, e a Europa ensaliva!
- Baba-se, não sei se de medo se de raiva!

04 janeiro, 2015

Geração sentada, conversando na esplanada - 80 (Muito mais que dois milhões, mais de 63% de share)

(ler conversa anterior)
«A gala final da «Casa dos Segredos 5» arrasou a concorrência, registando uma audiência média de 15,9% e um share de 45,1%. Pelas 01h20, o reality show da TVI atingiu um pico máximo de audiência instantânea com 2 milhões e 22 mil telespectadores (63,3% de share).»

A Rita trouxe o filho. Há precisamente dois anos que não o trazia mas o rafeiro logo o reconheceu. O reencontro deu-se com alegria reciproca e o abraço foi demorado. A Teresa, "Então, então, nós não somos ninguém?" e não foram. A criança nem nos olhou, depois do cumprimento correu para o longe com o rafeiro atrás, ladrando, enxotando o melro e o pombo. Elas não comentaram e nós também permanecemos silenciosos. 
"Então? A tua passagem de ano?"
"Não saímos, o miúdo queria ver a Gala e o frio também não convidava..."
"Ver a Gala?!... da casa dos segredos? E deixas o miúdo ver aquilo?"
"Quê?, ele disse-me que os colegas lá da escola todos veem!"
O engenheiro, com ar alarmado, virou-se para mim "Sabe? Ainda me recordo de uma longa frase sua, em que dizia:
"Podemos, se queremos, carregar na mochila da escola tudo o que ela pode levar. E a criança leva. Leva até não poder carregar e se cair pode-se levantar. Ou não. Depois vamos aliviar a carga. Só nessa altura percebemos que não levava nada que lhe fosse útil. É nessa altura que ficamos alarmados. Mas já aconteceu a queda"

28 dezembro, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 79 ( "Mata-me com os mesmos ferros/Com que a Lira morreu")

(ler conversa anterior)
“o recluso pode receber, através do correio, uma encomenda por mês remetida pelas pessoas que estejam registadas como seus visitantes, com o peso máximo de 5 kg cada”
- artigo 127, n.º1 do Regulamento Geral dos Serviços Prisionais, Governo de José Sócrates
«Se esse regulamento existe, ele é absolutamente contra natura, não tem qualquer senso. Isso é uma violação dos direitos fundamentais. Eles não podem condicionar o recebimento de uma correspondência ou de uma encomenda. Por isso, se esse regulamento existe, ele é arbitrário, é inconstitucional e tem de ser revogado porque foi elaborado por uma pessoa que não tem o mínimo de senso comum. Isso não se faz!»
- António Arnaut à TSF.

A Gaby ia comentando o que ia lendo, mesmo se as outras a não estivessem ouvido. "Lindo". O rafeiro olhava-a com aquele olhar com que os cães olham as pessoas de quem gostam.
O engenheiro, tirou os olhos do jornal para me perguntar se eu já tinha preparado o meu balanço do ano. Respondi-lhe que nada havia que se tivesse passado que merecesse ser assinalado.
"Não me diga... nem as lutas por que luta?, nem o BES, nem o descalabro?, nem os zigue-zagues  do Costa?, nem a detenção do Sócrates? Nem..."
Interrompi-lhe a longa enumeração para lhe fazer sentir que eram coisas antigas, que já aconteciam antes deste ano e que terão continuação.
"A detenção do Sócrates, não!"
"Jamais falarei disso, como já em tempos disse, citando o Jerónimo!"
"Mas começou o post a falar no assunto!..."
"Se ler bem, reparará que é das suas leis parvas o que de facto falo!"
"Quem com ferros mata, com ferros morre?"
"Ocorreu-me a canção, esse ditado não!"

07 dezembro, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 78 (90 anos de um homem que ficará na história, não pelo que fez mas pelos resultados dos seus feitos)

(ler conversa anterior)
«A televisão mente porque quem vê não decide a direcção que o olho toma em relação aos acontecimentos. Essa decisão está já tomada por outros - e é essa a decisão que é colocada à nossa frente. Ver televisão não é ver o acontecimento, é ver uma visão (uma outra visão, uma visão de outro).»
Gonçalo M. Tavares, hoje, no Notícias Magazine
«A Europa e o mar em frente
mapa de desdém e ranço,
olha para as mãos terrosas
deste povo que já não chora lágrimas de nuvens no céu,
bicho cálido
semeador de pátrias
que trava em fim sua batalha
num desafio
de querer dar terra a quem trabalha
para destruir o frio.

Entretanto
a Europa, na indiferença lilás
das civilizações melindrosas
- que faz?

Espera
que o terror do inverno disfarçado de rosas
atraiçoe a primavera»
José Gomes Ferreira, "Entretanto"
in Seara Nova/Outono 2014

A ponta de sol deu para aliviar a roupa. Se estava frio só um ou outro o sentiu. O velho engenheiro mexia vagarosamente o café, tão vagarosamente que até se esqueceu de o beber, certamente perdido em mil pensamentos. Levantou a cabeça para olhar o rafeiro mas foi a mim que se dirigiu - «Sabe? Só a má história se perde em todos os detalhes. Na História séria, o que ela regista são os resultados considerados marcos. Só eles interessam aos povos e aos vindouros. Os pormenores dos feitos, os discursos ditos, os livros escritos, são meras ilustrações a documentar o caminho trilhado para cada resultado... Hoje é aniversário desse homem e, para já, é esta Europa que nos deixará como legado, e esta democracia apodrecida, quando partir». Eu, que tinha interrompido a leitura do poema que estava a ler a ele regressei e bem alto li a parte final:
«Entretanto
a Europa, na indiferença lilás
das civilizações melindrosas
- que faz?

Espera
que o terror do inverno disfarçado de rosas
atraiçoe a primavera»

30 novembro, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 77 (A municipalização da educação e a escola pública destinada aos pobrezinhos)

(ler conversa anterior)
«Um professor é um decisor: alguém que, a partir do que se encontra determinado superiormente, tem a obrigação de escolher, em liberdade e com sentido de responsabilidade, de entre as possibilidades de acção aquela que, num determinado momento, se afigura mais adequada na concretização do que é o Bem em termos de educação formal. Negar-se esta faceta ao professor, que é a matriz da sua função, é negar a sua existência. Mais honesto seria acabar-se, de vez, com esta profissão!»
Helena Damião, in De Rerum Natura
«...E David Justino, (...) mostra-se entusiasmado com a municipalização do ensino, em experiência anunciada. Estou cansado de ver ex-ministros colarem-se, depois de saírem de funções, à bondade de políticas que poderiam ter executado. A descentralização de que o sistema carece é por via autonómica efectiva das escolas, que nenhum dos ministros de que falo teve coragem de promover. Mas não precisa de municipalização, metáfora do Estado Novo II para substituir um monolitismo por vários caciquismos. »
Santana Castilho, in Público

«Municipalização da educação? Digam-me uma única vantagem para a comunidade educativa, para os alunos, e eu terei de concordar com a solução.»
Director de um importante agrupamento escolar do Concelho de Oeiras

Tínhamos combinado, eu e o velho engenheiro, que não falaríamos nem de justiça, nem de detenções, nem de entronamentos e congressos, e, por isso, estávamos calados, rebuscando assunto. As professoras chegaram e falavam acaloradas. A Ana estava exaltada, a Gaby pousou a mala e elevava a fala. O rafeiro do velho engenheiro agitou-se a até ganiu, de incomodado com a enxurrada de palavras quase gritadas. Mais calada estava a Teresa, mas também ela transtornada. Eu e o velho trocámos olhar interrogativo como que questionando o que seria aquilo. Não foi preciso esperar muito. «O director deveria reunir connosco! Partilhar as preocupações, ouvir-nos...» dizia uma, para outra argumentar «Não o culpes, tudo isto tem sido tratado entre o Ministério e a Câmara, em segredo. Numas reuniões está, noutras nem é convocado». E lá fomos percebendo que se tratava da imposição da municipalização do ensino. A dada altura, sentencia a Teresa, com voz calma e firme: «Se não for afastada a essa ideia de as autarquias receberem prémios por conta da eficiência, dispensando professores a troco de uns apetitosos trocos; se os conselhos municipais de educação tiverem de ganhar um protagonismo novo, e se as suas competências forem conflituar com as dos actuais Conselhos Gerais; se passarem para a competência das câmaras, competências que hoje são atribuições da escola, conflituando com a autonomia que hoje detêm; se as Direcções da escola passarem a ter de reportar decisões que hoje não reportam a ninguém; se, de mansinho, as câmaras se apossarem da responsabilidade pelo pessoal docente; se o pessoal não docente for gerido à distancia, administrativamente, por autarquias sem a garantia de que essa tutela esteja habilitada para o efeito. se tudo, ou parte disso, acontecer, a Escola Pública vai morrer»
- «E tudo começou com a Milú»
- «Lá estás tu!»
Nesta altura eu e o velho engenheiro resolvemos romper com o nosso acordo e lá começámos a falar sobre o congresso e sobre o que lá se disse...

23 novembro, 2014

Geração sentada, conversando na esplanada - 76 (no limiar do Estado de Corrupção Geral)

(ler conversa anterior)
«Veio enfim um tempo em que tudo o que os homens tinham olhado como inalienável se tornou objecto de troca, de tráfico, e podia alienar-se. É o tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; adquiridas, mas nunca compradas - virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. - em que tudo enfim passou para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal"»
Karl Marx, in "Miséria da Filosofia", 1847

«João Cravinho não esconde a sua desilusão. Autor de um pacote legislativo que deixou no Parlamento antes de ir para Londres para a direcção do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, viu as suas propostas serem rejeitadas pela sua própria bancada, a do PS.»
Rogério Pereira, In "Reconstituíndo um post roubado...", 2011

«Recusamos comentários com componente de julgamento»
Jerónimo de Sousa, ontem in "Notícias ao Minuto"
 


Estávamos, eu, o velho engenheiro e o seu cão rafeiro, abrigados no alpendre. Chovia copiosamente. As nuvens negras eram dissuasoras de promessas de sol e já tínhamos desistido de nos sentar a conversar. Falávamos ali, de pé e sem desgrudar, como quem cumpre o ritual de rever as notícias da semana. Quando lhe disse o que pensava escrever, ele fez um silêncio prolongado, para depois comentar: "Citar Marx, Cravinho e Jerónimo?, faz sentido. Está tudo ligado". Depois, referindo-se ao post de ontem "Sabe?, uma televisão assim, ajuda muito. Ao seu post sem nome bem podia dar o título No limiar da Corrupção Geral. É com a destruição dos valores da educação, que a corrupção grassa e se instala"...