30 junho, 2013

Oeiras, uma ilha de bem estar? - 5


Parece conversa solta e despreocupada, mas não é nada. Falávamos do que nos dizem as pedras, pedras com história e com alma. Quando se fala de Oeiras há a tendência para situar a história dos lugares ao Marquês e ao edificado Pombalino. Mesmo se tivéssemos essa visão redutora, perceberíamos a ignorância e a pouca valorização de factos e dos lugares que dão testemunho da sua ocorrência. Mas Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias (só para referir o território que me irá responsabilizar) têm muito mais que contar. Contar, manter e restaurar. "Espaço e Memória" estão ligados, e isso já eu tinha percebido. Na conversa, densa e preocupada, percebi que há quem se empenhe que o espaço não perca a memória. Que a monumentalidade seja respeitada e não esquecida e que o "passeio marítimo" não lhe passe por cima...

Amanhã estarei ouvindo outras inquietações e expectativas. Por mim, por nós, não serão traídas... Pressinto que saibam disso e que isso seja traduzido em confiança e reforço na CDU Oeiras

28 junho, 2013

A banalização dos dias, pela mão dos escribas

Olhar a realidade como se não se passasse nada, até que um objectivo gasto lhe entre em casa...

Depois de um dia de Greve muito se escreve. E qualquer titulo de jornal, comentário, colunista, politólogo, vai no sentido de desvalorizar a luta. Um, dos de referência; diz empertigado e logo por muitos citado: "os números, e talvez os objectivos estejam já todos gastos. O perigo que os sindicatos correm é mesmo este. O da banalização." 
Surpresa? Não!
Despidos de compromissos solidários gostariam. num gosto inconfessável, que fosse contemplada a realidade como se não se passasse nada, deixando banalizar o despedimento, banalizar a emigração como solução, banalizar a quebra no salário e o trabalho precário, banalizar a perda de mais um direito de qualquer jeito, enfim, a banalização do empobrecimento, metodicamente e a ritmo acelerado ou lento. Contra essa banalização dever-se-ia olhar como se não se passasse nada pois esses números, como os da greve, estão gastos. Caso contrário ter-se-á a greve banalizada, como se um dia de greve não custasse um dia de salário não pago. Há uma aparente razão: há muitos que olham a realidade como se não se passasse nada, até que um dia a banalidade lhes bata à porta e lhe deposite em casa um objectivo gasto...

25 junho, 2013

Poesia (uma por dia) - 45

As Bandeiras Vermelhas", óleo sobre tela de M. H. Vieira da Silva (1939)

O Elogio da Dialéctica (*)
A injustiça avança hoje a passo firme
Os tiranos fazem planos para dez mil anos
O poder apregoa: as coisas continuarão a ser como são
Nenhuma voz além da dos que mandam
E em todos os mercados proclama a exploração;
isto é apenas o meu começo

Mas entre os oprimidos muitos há que agora dizem
Aquilo que nòs queremos nunca mais o alcançaremos

Quem ainda está vivo não diga: nunca
O que é seguro não é seguro
As coisas não continuarão a ser como são
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados
Quem pois ousa dizer: nunca
De quem depende que a opressão prossiga? De nòs
De quem depende que ela acabe? Também de nòs
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aì que o retenha
E nunca será: ainda hoje
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
 Bertold Brecht 
 (*) Poema reeditado, post de 2011

23 junho, 2013

Na noite de São João em 56 minutos muita sardinha se come no pão...

O título do post nada tem a ver com o conteúdo, a não ser no tempo. Ou o gasta comendo e olhando a lua, numa qualquer rua, ou o despende, não comendo, mas aprendendo. Aqui está um video que lhe exige esse tempo. E se resolver ver e comer... pode-se limpar ao guardanapo, cuja imagem acima lhe estendo. Se for esperta ou esperto, pode ir directa ou directo ao 38º minuto. Até ao fim não gasta muito, mas o suficiente para perceber o que trama toda a  nossa gente. 

22 junho, 2013

Poesia (uma por dia) - 44


É certo a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo - de seu
Viscoso gozo da nata da vida - que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão?
Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus conluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?

Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?
Sophia de Mello Breyner Andresen
NOTA: Ocorreu-me este poema depois de ler Miguel Sousa Tavares e do que falou dos professores e de outros semelhantes horrores

20 junho, 2013

Nuno Crato e o que está em jogo, de facto.

Ele trás a loucura no olhar e no dizer (embora nem a todos tal possa parecer). Mas é no sentido do dito, na legenda escrito, que a loucura é evidente. O erro de ortografia vem, simbolicamente, evidenciar o facto de não haver excepções. Tocará a todos, aos professores e aos outros, se não se resistir.   

18 junho, 2013

Saramago: assinalo a sua presença, hoje, três anos depois de ter partido...


"Aceitemos então que estamos sozinhos e, a partir daí, façamos a nova descoberta de que estamos acompanhados – uns pelos outros. Quando pusermos os olhos no céu estrelado, com a furiosa vontade de lá chegar, mesmo que seja para encontrar o que não é para nós, mesmo que tenhamos de resignar-nos à humilde certeza de que, em muitos casos, uma vida não bastará para fazer a viagem – quando pusermos os olhos no céu, repito, não esqueçamos que os pés assentam na terra e que é sobre esta terra que o destino do homem (esse nó misterioso que queremos desatar) tem de cumprir-se. Por uma simples questão de humanidade."  
JOSE SARAMAGO
extraído do faceBook

Gonçalo M. Tavares, também contribuiu para que me decidisse... não me deixei estar

"...Eu, de facto, gostava de querer, simplesmente, não interessa o quê, gostava de ter vontade de algo, mas nada. Entende?
- Entendo, sim senhor.
- Diante do mundo frio ou quente, encolho os ombros. Diante dos baixos e dos altos encolho os ombros, diante dos convites e dos ataques encolho os ombros. Enfim, começo a ter dores musculares.
- Onde?
- Nos ombros.
- Entendo. Mas sabe, o meu problema é diferente do problema de Vossa Excelência. Vossa Excelência, diante de um caminho que vira para a direita e um caminho que vira para a esquerda... não vira para lado nenhum. É isso? Senta-se, por assim dizer, a meio do cruzamento. É assim?
- Mais ou menos.
- Pois, comigo é o inverso: quero ir ao mesmo tempo para os dois lados; tenho duas vontades exactamente opostas exactamente ao mesmo tempo.
- Como? Como?
- Vou repetir: tenho duas vontades exactamente opostas exactamente ao mesmo tempo.
- Agora entendi. Vossa Excelência fala muito rápido.
- Mas é isso. Bem que facilitaria ter agora uma vontade e dois minutos depois a vontade oposta. Se fosse assim, apesar de tudo, resolver-se-ia. Mas assim: ter duas vontades exactamente opostas exactamente ao mesmo tempo... assim, é impossível viver.
- Impossível.
- É que eu viro os meus olhos para um lado e os meus pés para o outro. Tropeço, claro, e acabo por não ir para lado nenhum. No fundo, acabo como Vossa Excelência: no meio do cruzamento, imóvel.
- Eu diria que ter duas vontades opostas ao mesmo tempo é o mesmo que não ter vontade nenhuma. Acaba sempre na imobilidade.
- É isso, excelência. É uma questão de matemática: duas acções com sinal contrário igual a... zero. Mais sete menos sete igual a zero.
- Portanto, como o final é o mesmo eu diria que a minha não acção é mais sensata: não faço força nem para um lado nem para outro, deixo-me estar.
- E está bem assim."
Gonçalo M. Tavares (aqui)

16 junho, 2013

Carta aberta, dirigida aos meus vizinhos e aos meus amigos, explicando (algumas) razões porque aceitei ser candidato.

Tudo começou nesta foto (Comissão de Moradores da Medrosa, 1975). Depois continuou quando os filhos destes, e seus amigos, a editaram e comentaram (no facebook, em Janeiro de 2010). Ontem aceitei ser candidato, mas as razões são fáceis de entender. Os que se surpreendem também terão razão, mas os tempos que vão correndo.exigem que à generosidade do movimento voluntário de solidariedade social a que assistimos se junte a solidariedade cívica de que a comunidade também carece. 
Caros vizinhos, 
Dirijo-me a vós em primeiro lugar por serem a extensão da minha própria família: Foi entre vós que vivi e vi o tempo e a vida irem correndo; foi entre vós que as minhas filhas se foram educando, alargando laços e crescendo; foi no logradouro à frente das nossas janelas que, com a vossa ajuda, plantei uma árvore, entre terras nuas e ervas num bairro que, então, era considerado clandestino;  foi perto do nosso bairro que um livro escrito por mim, foi apresentado. 
Ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro é o que basta, dizem, para um homem se sentir feliz e realizado, mas não é verdade. Uma família, um bairro, uma comunidade e os tempos que vamos vivendo, exigem de mim, mais que isso. E é por isso que aceitei figurar na lista de candidatos à autarquia que se espera poder continuar a estar perto de nós. Os bairros são seres vivos. O ciclo da vida de um bairro é mais longo que a vida de qualquer de nós, abrange muitas gerações e eu quero e desejo que o meu bairro seja feliz para todas as gerações que o venham habitar. Que o bairro seja mais que a memória do que foi.  
E a história do bairro começa naquela fotografia, com alguns dos rostos (e só alguns, dos muitos) que deram ao bairro aquilo que ele hoje consegue, apesar de tudo, ainda ser. E é a minha expressão  "apesar de tudo" que me move. É que o bairro corre o risco de se descaracterizar se não mantiver os traços da sua comunidade. Existe o risco que dele apenas fique, em alguns, a saudade daquilo que foi. Se for eleito bater-me-ei pelo meu bairro, podem crer! 
Caros amigos, 
Falei do meu bairro como primeira razão da minha decisão, mas existem mais. A freguesia também corre o risco de deixar de ser o que era. Oeiras e São Julião da Barra vai ter de se juntar a Paço de Arcos e Caxias. Talvez uns se limitem a entender que é mero arranjo administrativo, sem ver outros riscos nem perigos. Num concelho desigual (muito desigual) poucos se apercebem de como esta alteração pode ter implicações. Implicações na prestação de serviços de proximidade. Pode-se, por egoísmo, pensar que Oeiras será sempre uma ilha de bem-estar... mas será? Quem garante que determinados serviços só passarão a estar garantidos noutras localidades? E como garantir a qualidade desses serviços? E como melhorar a nossa forma de viver e de estar, nestes tempos de pressão a caminho de um empobrecimento já por muitos sentido e ao qual a própria Câmara não escapa? É também por isso, e para que ao movimento de solidariedade social e ao indispensável e generoso voluntariado se junte a solidariedade cívica, que eu aceitei ser candidato.
Caros vizinhos, amigos e conhecidos, esta carta já vai longa falarei de tudo isto e de outros aspectos na próxima quarta-feira às 18,30h, na sessão da CDU, no Auditório Municipal do alto da Barra.  
Se quiserem aparecer...


Rogério Pereira 

15 junho, 2013

Poesia (uma por dia) - 43


Rastejar é sua sina (*) 
Esvoaçam com belas plumagens
Esses pássaros de rapina
Pensando que ganham asas
Rastejar é sua sina

Suplicam por atenção
Nem se suportam de vaidosos
Por fora é só beleza
Por dentro são rancorosos

É de inveja que se alimentam
Quando outras aves ousam voar
A vida só pode girar num sentido
Aquele em que se julgam brilhar

Faço versos e não sendo poeta
Vejo a vida como ela é
É que embora sendo diferentes
Nenhum de nós morre de pé

Preste amigo bem atenção
Porque é com razão que lhe digo
Para muitos sendo o que são
Tão pequenos, são só umbigo. 
Maria João (Pequenos Detalhes)
(*) Poema que a Maria João me 
deixou num comentário a um poema 
meu: "Saudação aos umbigos da nação"

12 junho, 2013

Privatização da Água a todo o vapor... e vamos deixar?


O alerta foi dado pela Manuela (Sustentabilidade é Acção). 
Organizem-se, ou juntem-se a quem luta pelo direito à água

Lei 35/2013 de 11 de junho - Alterou a Lei n.º 88-A/97, que regulava o acesso da iniciativa económica privada a determinadas actividades económicas. Agora abre a porta toda, como pode perceber no texto a bold e sublinhado:
«Artigo 1.º - 1 — É vedado a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza o acesso às seguintes actividades económicas, salvo quando concessionadas: a) Captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas, em ambos os casos através de redes fixas, e recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos, no caso dos sistemas multimunicipais e municipais; b) (Revogada pela Lei 17/2012, de 26 de abril, que estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais) c) Transportes ferroviários explorados em regime de serviço público; d) Exploração de portos marítimos. 2 — Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram -se, respectivamente, sistemas multimunicipais os que sirvam pelo menos dois municípios e exijam a intervenção do Estado em função de razões de interesse nacional e sistemas municipais todos os outros, incluindo os geridos através de entidades intermunicipais ou associações de municípios para a realização de finalidades especiais. 3 — No caso de sistemas multimunicipais, as concessões relativas às actividades de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas referidas na alínea a) do n.º 1 são outorgadas pelo Estado e só podem ser atribuídas a empresas cujo capital social seja maioritariamente subscrito por entidades do sector público, nomeadamente autarquias locais. 4 — (Revogado pela Lei 17/2012) 5 — No caso de sistemas multimunicipais, as concessões relativas às actividades de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos referidas na alínea a) do n.º 1 são outorgadas pelo Estado e podem ser atribuídas: a) A empresas cujo capital social seja maioritariamente subscrito por entidades do sector público, nomeadamente autarquias locais; ou b) A empresas cujo capital social seja maioritária ou integralmente subscrito por entidades do sector privado. 6 — Mediante autorização do concedente, as concessões relativas às actividades de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas referidas na alínea a) do n.º 1 podem ser subconcessionadas, total ou parcialmente, a empresas cujo capital seja maioritária ou integralmente subscrito por entidades do sector privado. 7 — A concessão de serviço público a que se refere a alínea c) do n.º 1 será outorgada pelo Estado ou por municípios ou associações de municípios, carecendo, nestes casos, de autorização do Estado quando as actividades objecto de concessão exijam um investimento predominante a realizar pelo Estado.»


10 junho, 2013

Agora? Agora faço horas extraordinárias...

Quando fiz 65 anos, lembrei quando fiz 30. Até aqui, nada de novo pois temos todos a mesma tendência de evitar lembrar o futuro. Mas aconteceu, que nesse dia, antes do sopro das velas, das prendas e dos beijos, entregaria na repartição de finanças, do meu Bairro Fiscal, a "declaração de fim de actividade". Nesse mesmo dia metia outra  declaração: a de passar a lutar a tempo inteiro, sem qualquer remuneração. 
Pois, anos passados, chegou a altura de passar a fazer horas extraordinárias... tem de ser. 
Os amigos? Ah, terão a compreensão que os amigos costumam ter... 

Este post responde a uma amiga muito querida que estranha o meu desaparecimento...

09 junho, 2013

ÁLVARO CUNHAL - Também acho... mas o melhor, melhor é não ficar só pelo olhar


"Penso que o melhor tributo que podemos prestar a Álvaro Cunhal é olhar para aquilo que na sua vida e na sua luta nos pode inspirar, unir e mobilizar. Falo no seu exemplo de seriedade pessoal, da coragem na adversidade, da audácia na acção, da capacidade de resistir e de persistir, da clareza nos propósitos e objectivos, da firmeza e da tenacidade na luta" 
António Costa, Presidente da C.M. de Lisboa

08 junho, 2013

"Saramago? Essa citação não é dele, nem está certa e... nega a própria dialéctica..."


Depois de ter escrito, há muito, um post pouco comentado, frustrado, não aceitei o insucesso e preparei um texto que apresentei hoje publicamente. No texto citei os dois: Álvaro Cunhal e Saramago. Citei-os para alertar para riscos de arrogância, sectarismo e de falta de respeito por quem, tendo uma ideia errada, importa que a tenha certa. A intervenção correu bem e foi ovacionada. Passados momentos, da plateia, que estava "bem composta" mas não cheia, alguém pediu para intervir. Intervir para me corrigir: "Essa citação não é de Saramago, nem é positiva nem está certa e... nega a própria dialéctica..." Pasmei. Mas me interroguei "Será que a minha citação de eleição* é uma invenção?" Mas quanto à frase "negar a dialéctica..." será que quem me interpelou entende que a síntese entre uma tese e um contraditório (antítese) é a supremacia convincente de quem expôs a tese? 

Cheguei a casa, e pesquisei nessa angustiada incerteza de ser um bom saramaguiano, para desfazer o engano. Não há dúvida, e a frase está certificada pela própria fundação... e parece fazer parte do "Cadernos. V2". Fica-me o desgosto por haver quem não entenda nem Saramago, pouco saber de dialéctica e, pior, de estar perante alguém... disposto a colonizar-me publicamente.

*a frase em questão é subtítulo do meu blogue

Vale a pena referir a citação que, na altura fiz, de Álvaro Cunhal
“Se fôssemos dizer: não devemos entender-nos com ninguém que nos ataque, então não nos entendemos com ninguém. Todos nos têm atacado. Portanto é necessário ver que, embora todos nos ataquem, há homens que não são comunistas, que têm preconceitos anticomunistas, mas que podem vir a ter uma posição de cooperação connosco…” Álvaro Cunhal, Marinha Grande – 22.6.1976

Poesia (uma por dia) - 42

Foto da net
Um Eu
Se te olho
A ti
Um Tu
Ali
Eu que te olho
Tu que és olhado
Somos dois
Ah!,
e há tanto... depois

A maior solidão
É um Eu, só
(mesmo que se olhe)
Rogério Pereira 

07 junho, 2013

"Porreiro, pá!", lembram-se?


O Tratado de Lisboa foi uma coisa boa? (já tinha dado a resposta há quase três anos) mas vou contar- vos Uma história: O 3.º sonho de Calvino, aqui lido
"Com o seu sócio está tão envolvido na discussão das percentagens de algo, que não dá pelo que acontece: são engolidos por uma baleia. Dentro do estômago da baleia Calvino continua a discutir percentagens. Percebe, agora, qual o negócio, trata-se da venda de petróleo e de livros. Quem fica com o quê? A discussão está acesa e Calvino empenha-se nela cada vez mais; vira depois as costas ao seu sócio e sai para a rua: observa as pessoas a andarem de um lado para o outro. Os poucos que não estão com pressa, aqueles que param, discutem entre si, percentagens também: 30, não, 37!, não, não, 32! Todos discutem, ele próprio não consegue deixar de repetir, para si próprio: 43%, pelo menos 43%!
Mas ao mesmo tempo existe aquela sensação de que estão todos dentro do estômago da baleia, de que aquelas pessoas que ele vê na cidade, cheios de pressa, de um lado para o outro, a discutir percentagens, e ele próprio, há muito foram comidos.
A sensação, quando se está a discutir o défice dos países, é de que fomos engolidos por algo maior do que nós.
Estranhamente, eu diria, as discussões em redor do défice por vezes fazem-nos pensar em...Deus. (Ou em algo com dimensão semelhante).
Algo que nos tem dentro e que não é uma baleia, mas uma coisa ainda maior e mais importante. 3%, 4%, 3,2%! A discussão dos engolidos continua."

05 junho, 2013

Poesia (uma por dia) - 41

Tirado a quem deixei o recado de ter tirado
Ó Meus Irmãos Contrários…
Ó meus irmãos contrários que guardais nas vossas pupilas
A noite infusa e o seu horror
Onde vos deixei eu
Com vossas pesadas mãos no azeite preguiçoso
Dos vossos actos antigos
Com tão pouca esperança que’a morte tem razão
Ó meus irmãos perdidos
Eu vou para a vida tenho aparência de homem
Para provar que o mundo é feito à minha medida

E não estou só
Mil imagens de mim multiplicam a luz
Mil olhares semelhantes igualam a carne
É a ave é a criança é a rocha é a planície
Que se misturam a nós
O ouro desata a rir ao ver-se fora do abismo
A água o fogo despem-se por uma única estação
Já não há eclipse na fronte do universo.

Paul Eluard

03 junho, 2013

Os correios e as "barracadas" de alguns autarcas...


Apinhados à porta, fechada, do posto de Caxias os velhos carpiam mágoas. Alguns ficavam-se pelo lamento, outros pela indignação e, outros ainda, pela disposição para fazer nem sabiam bem o quê. O aviso, na porta, era claro quanto ao caricato do acto: a junta da freguesia que está condenada a desaparecer acordara uma solução que não sabe se vai poder cumprir. Por esse país fora, uma instituição que também é marca de soberania vai encolhendo, abandonando terreno. Terreno e despesa. Não apenas com a redução dos custos fixos como também dos variáveis. Isso mesmo, as chafaricas e as juntas para onde vai havendo transferência da missão, sabem mas preferem ignorar, o que se vai passar... e será assim:
Junta de Alvega contra alteração de contrato com os CTT (2012-07-05) -  O presidente da Junta de Freguesia de Alvega, Manuel Leitão (PS), aproveitou a reunião da Assembleia Municipal de Abrantes para dizer que não concorda com a intenção dos CTT em alterar o sistema remuneratório que tem protocolado com a sua autarquia, que gere o posto dos correios local. De acordo com o autarca, os CTT apresentaram, em Maio, uma redução mensal do valor a transferir na ordem dos 154 euros. “Pagamos a luz, a água, os serviços de limpeza e a funcionária pelo que não aceitamos a aplicação do novo sistema de remuneração”, disse Manuel Leitão que disso já deu conta, por escrito, aos CTT...
Há quem reclame alternativas para depois, na prática, as remeter para as urtigas...

02 junho, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 33 (sobre a Europa)

(Ler conversa anterior) 
Para o rei era fundamental que toda a população, sem excepção, estivesse satisfeita.
Quando apareceu aquele estrangeiro extremamente feliz e com seis dedos em cada mão, o rei ordenou que os médicos do reino implantassem mais um dedo em cada um dos habitantes. E que os médicos fizessem o mesmo uns aos outros. Ninguém invejaria os seis dedos daquele estrangeiro. Assim se fez. Todos ficaram com seis dedos em cada mão.
No ano seguinte chegou outro estrangeiro - com um ar ainda mais feliz - que tinha sete dedos em cada mão.
O rei de novo ordenou que os médicos do reino implantassem mais um dedo em cada um dos habitantes. Assim foi feito.
No ano seguinte um estrangeiro com oito dedos por mão, que não parava de exibir a sua felicidade, provocou nova implantação geral: oitavo dedo.
No ano seguinte: um estrangeiro com nove dedos. E ainda mais feliz.
A mesma operação. Todos os do Reino ficaram com nove dedos em cada mão. Dezoito no total. Foi então que no ano seguinte chegou um estrangeiro com o rosto mais feliz que alguma vez fora visto por ali e com cinco dedos em cada mão. Depois de um momento de hesitação, o rei ordenou aos médicos que cortassem quatro dedos por mão a cada habitante.
Havia um problema, no entanto. Os nove dedos em cada mão dos cirurgiões já não conseguiam operar: os dedos atrapalhavam-se uns aos outros. Já não era possível: teriam de ficar todos com nove dedos em cada mão.
Como o rei não conseguiu dar à população os cinco dedos daquele estrangeiro feliz, rebentou uma revolta, e o rei foi deposto.
Talvez se veja hoje a Europa como aquilo que nos seduziu: primeiro com seis dedos, depois com sete, etc. Agora, há quem já só exija o regresso aos cinco dedos; de novo, por favor, os cinco dedos!
Mas como tal é difícil.
Gonçalo M. Tavares, no DN-Magazine

A esplanada fora invadida por gente a ela estranha. Ninguém conhecido. Ninguém que trocasse olhares cúmplices comigo, me cumprimentasse ou com quem pudesse facilmente meter conversa. Enchi-me de ousadia, desloquei-me à mesa mais próxima e perguntei a um casal que lia um jornal: "por acaso sabem me dizer exactamente o dia em que fomos comidos?" Atónitos com o insólito, não me responderam e regressaram à leitura, ignorando-me. Não tive a coragem de lhes perguntar o nome do rei...

01 junho, 2013

Redacções do Rogérito - 14 (este devia ser o Dia da Vizinha do Quarto Andar)

Tema: "O Dia Mundial da Criança"

Hoje vou escrever como deve ser e dizer que a dona Esmeralda deu-me toda a atenção por ser dia mundial da criança apesar de para ela esta data ser um embuste* mas por muito que lhe custe ela também segue o calendário o que já aconteceu o ano passado  e se alguém disso não estiver lembrado pode ir comprovar com uma redacção quase igual que ainda lá deve estar. 
A dona Esmeralda fez mais uma vez uma coisa muito boa e resolveu dedicar-me uma parte do dia para me dar alegria e falar-me com aquele preceito e jeito com que se fala a gente crescida e eu gosto que ela me fale assim pois quando se continua a falar para um miúdo como se fosse bebé acaba-se por se falar a adultos como se fossem miúdos e é isso que continua a acontecer lá na casa da vizinha do quarto andar ao matulão que já disse ter a idade do Ronaldo e que casou o ano passado mas que o continuam a tratar por Zézinho embora já espere um filho ainda que eu não lhe conheça a mulher pois consta que na minha ausência fez grande desavença e a dita fez nesse dia uma fita que alvoraçou o prédio todo a dizer que o Zézinho era dela mesmo se os dois não tivessem trabalho e que mais valia ir gritar para a rua que a luta continua do que viver às sopas da sogra e também a gritar que não queria o Banco Alimentar e que ela queria era trabalhar em vez de andar a pedinchar.
Cá para mim a haver um dia assim devia era ser dedicado à vizinha do quarto andar para ela ter todos os outros dias para poder pensar que isto tem de mudar e que as crianças deviam ter alegrias todos os dias.

(*) O Dia Mundial da Criança é oficialmente o dia 20 de Novembro, data que a ONU reconhece como Dia Universal das Crianças por ser a data em que foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança. Porém, a data efectiva de comemoração varia de país para país.