Tinta da china e aguarela de Alfredo Aquino |
Neste compromisso assumido de, domingo a domingo, fazer uma liturgia citando Sophia não podia passar ao lado da sua dimensão integral, de mulher. Esgravatando quem já esgravatou a memória dou com uma tese de doutoramento que disserta pela sua militância antifascista a partir da crise do Estado Novo (1958- 1974), pela análise do conto "O jantar do bispo" (já aqui publicado) e pela atuação da poeta na Assembleia Constituinte (1975-1976).
Na Constituinte, Sophia teve um papel
de destaque na sua configuração política, porque foi presidente da Comissão para
a Redação do Preâmbulo da Constituição*. Só se surpreende quem nada conhece de Sophia, para além dos (belos) poemas que configuram a sua obra.
Fica, para nossa memória, que a ela (em grande parte) se deve o tão combatido parágrafo:
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.*Recomendo a leitura integral do documento e a referida alusão pode ser lida na página 149. A entrevista que se segue integra o trabalho da investigadora
ESA: Eloísa S. Aragão – Investigadora
JMM: Dr. José Manuel Mendes - Entrevistado
[Havíamos dialogado um pouco sobre
meu objeto de estudo, a vida militante de Sophia de Mello Breyner
Andresen, e com isso o Sr. José Manuel começou
a fazer uma introdução sobre a
importância do papel
de mulheres que, durante longo
tempo, se empenharam na luta contra a ditadura. Neste momento,
solicitei-lhe darmos início à gravação.]
JMM: Tudo o que digo é apenas
a partir da memória, nada mais. E do conhecimento que adquiri em estudos que
tive que fazer em outras circunstâncias. E é exatamente por isso que devo sublinhar que a participação da
luta de mulheres contra a ditadura vem muito de trás [anterior à década de 1950], e deve ter começado no período em que as próprias organizações de resistência se formaram
ou estavam a se robustecer. E digo isto para sublinhar, por exemplo, a
existência de algumas mulheres, no caso do Partido Comunista, que apenas se
adaptaram num período de clandestinidade, assumindo novos processos, novas
metodologias, como é fácil depreender.
E na legalidade, portanto, e não no quadro clandestino, mas na
legalidade, havia personalidades de grande relevo que, com maior ou menos
vigor, davam expressão a um sentido de oposição
clara à ditadura. Por todas direi o nome de Maria Lamas [1893-1983], por exemplo. Mas ela não esgota, nem de
perto nem de longe, nesse contexto, todas as personalidades que entenderam dar
voz e de mil maneiras a uma causa democrática. A Sophia está com elas, pertence
de facto, como há pouco dizia, a um movimento que anda perto dos católicos
progressistas. E assume posições tanto no apoio aos presos políticos, como na
condenação dos actos do salazarismo, através dos actos públicos que eram
assumidos nesse tempo,
em que o próprio marido dela até então, o Francisco Sousa Tavares,
teve um papel importante.
E a obra de Sophia também assumiu essa perspectiva de uma forma discreta,
nunca panfletária, não era o seu destino escrever poesia como panfleto. Ela
colocava na sua obra aspectos nucleares do que deveria
ser a atitude do homem
no contexto em que se insere, nas
poucas circunstâncias dando sinais exatamente do que era o tempo
amordaçado e fazendo prevalecer-se a partir
das raízes, designadamente a partir das raízes helênicas, do sentido de liberdade e do sentido da democracia. A
obra da Sophia está muito impregnada desses valores, sem nenhuma espécie de
dúvida. Mas sua prática concreta foi de uma intervenção nem sempre
discreta, às vezes
mais do que discreta, junto
dos movimentos que se opunham ao fascismo em Portugal. E sempre
que foi preciso intervir na política ela fê-lo com uma argúcia, uma clareza e
um brilho invulgares. Como se vê no texto que eu trabalhei e que fiz
referência, na sua intervenção no Congresso de Escritores Portugueses no pós 25
de Abril.
E como se viu, evidentemente, quando falou com o Guilherme de Oliveira
Martins, ele teria dito com toda a explicitude, nesse tempo de ligação ao
Centro Nacional de Cultura, quando depois da extinção
da Sociedade Portuguesa de Escritores, que só viria a ser constituída com o nome de Associação Portuguesa de
Escritores, em 1973... portanto há 40 anos recém concluídos. Portanto, dizia eu
nesse tempo que toda a actividade empreendida pelo Centro Nacional de Cultura e
que o papel da Sophia foi muito activo.
ESA: Dessa forma, os
escritores ficaram sem ter um local para se reunirem, e as reuniões passaram a
ser no Centro Nacional de Cultura?
JMM: Algumas, outras não,
porque algumas reuniões tiveram que ser feitas em casa deste, daquele, ou
daquele outro escritor. Os espaços foram muito variados. Foi necessário em
muitas circunstâncias partir
até de actos de resistência, quase que conspirativa, e não raro de
natureza clandestina, para forjar formas de intervenção que pudessem exprimir com
clareza que os intelectuais portugueses, os escritores nesse caso concreto de
que estamos a falar, tinham um campo,
que era o campo da liberdade, da democracia. Foram múltiplas as formas,
não podemos pensar que eram apenas aquelas que nasciam da organização concreta
do Partido Comunista Português, dominante no que toca à resistência, e
particularmente forte. Ou aquelas que eram feitas por uma mão cada vez mais
inteligente e activa dos católicos progressistas. Eram também muitas outras e
que passavam por tertúlias e por acções desenvolvidas por personalidades com
imenso destaque na vida pública, sem alinhamento partidário ou com alinhamento
partidário, com opções ideológicas inteiramente definidas. Por exemplo, no quadro do marxismo ou do socialismo europeu, portanto a social-democracia, ou em alguns casos nem sequer isso.
ESA: E também o socialismo ligado a uma vertente cristã,
supondo o caso da própria
Sophia, que depois foi integrar o socialismo?
JMM: De maneira geral, essa
era a tônica dos católicos progressistas. Eram católicos: a doutrina social da
Igreja para eles era fundamental, e era uma boa base para progredir no interior
da sociedade portuguesa, com o intuito de fazer aumentar o caudal da oposição;
e eram socialistas por opção. Portanto, uns afinavam-se com a linha ideológica
da chamada social-democracia europeia, outros até eventualmente com uma visão
em que o diálogo com o marxismo se impunha. Isto vai ter muita importância na
forma como a Sophia desempenha toda a intervenção que lhe coube.
Porque, após o 25 de Abril, ela foi pela mão do Mário Soares deputada à Assembleia da República
pelo Partido Socialista. E eu penso que vale a pena ter em conta essa passagem
dela pela Assembleia da República
Podemos de certa maneira admitir que são poucos os materiais, os
documentos, compulsáveis, porque foi um período muito intenso e tumultuoso, não
havia o registo integral de todas as intervenções, havia sim o registo do que
se passava no Plenário.
ESA: Desculpe, mas aproveito para
perguntar: o senhor foi deputado constituinte?
JMM: Fui mais tarde,
não fui constituinte. Constituinte foi, por exemplo, o Manuel Alegre,
que penso ser uma pessoa que vale a pena ouvir nesse contexto. Em todo caso, recordo uma vez
– tendo
em conta que com frequência os testemunhos pessoais são importantes –, recordo-
me de ter encontrado nesse tempo a Sophia, no Parlamento. Eu não era deputado,
fui ao Parlamento por uma razão que não tenho de todo presente. Estive um longo
tempo a conversar com ela, num período em que eram muito intensas as
divergências entre os comunistas e os socialistas.
ESA: Conversaram sobre a questão da
cultura especialmente, ou não?
JMM: Não, não tanto, mas
também. E nós falamos, aliás, um pouco sobre esse tema. E apesar daquilo
que entre nós era diferente, do ponto de vista da opção política
– nesse tempo eu era militante do Partido Comunista –, nosso diálogo foi
extremamente intenso.
No plano cultural, basicamente havia a ideia de que o Partido Comunista
tinha uma política para a cultura que era impositiva, à maneira soviética:
norma ativista ligada exclusivamente ao realismo socialista, e incapaz de se abrir a outras formas de expressão estética. Esta visão que os
especialistas tinham nessa altura não correspondia à realidade de facto, pela
simples razão de que o líder histórico do PCP, Álvaro Cunhal, numa reunião de
intelectuais e num contexto muito concreto, afirmou exatamente o princípio
contrário. E havia numerosos escritores comunistas que praticavam uma arte, uma
estética, e uma literatura que não era tributária do realismo socialista ou,
como nós dizíamos em Portugal, do neo-realismo.
É certo, que por outro lado, havia também essa evidência que era a
evidência de uma dominância do neo-realismo no quadro da literatura portuguesa,
que viria de resto, com o 25 de Abril, deixar de existir. O 25 de Abril faz
explodir formas de realização artística, e de certa maneira a prática de algumas pessoas
no passado e no presente
poderia levar a uma ideia e
uma atitude de afastamento e de repúdio por qualquer princípio que constituísse
o condicionamento do escritor na sua liberdade de criar. Ora, a oposição que
desde a primeira hora, aliás, que desde sempre, antes de 25 de Abril, de todos
os tempos, a Sophia tinha era de que nada, mas nada pode condicionar a
liberdade do escritor no seu percurso e nas suas formas de realização. Sempre digo, partilhei
esse ponto de vista, essa posição até o ponto
de me ter tornado um defensor intransigente dela em todas as circunstâncias.
ESA: Nesse sentido, o senhor também fez
uma defesa contrária a certo dirigismo cultural?
JMM: A um dirigismo cultural
que o PCP não impôs nem impunha, mas que estava no ar. Vinha de facto de momentos vividos
ainda antes do 25 de Abril. Houve
momentos traumáticos na
história do Partido Comunista, em que esse dirigismo cultural existiu e se
tentou impor de uma forma, aliás, muito inequívoca. Mas depois do 25 de Abril, sobretudo, nada da linha
oficial do Partido Comunista... Eu estou a ser estritamente fiel aos
factos e estou a ser quase que historiador.
Não estou de maneira nenhuma
a fazer interpretação subjetiva do que se passou.
Portanto não era difícil que houvesse autores que estivessem realizando a sua
obra com inteira liberdade. Há autores que pertenciam a um partido, ou a outro
partido, ou a nenhum. Havia autores que tinham uma sensibilidade, eu diria, inequivocamente, da área do socialismo
marxista ou cristão ou de qualquer outra matriz, e que eram grandes nomes da
cultura portuguesa. Estou a pensar, por exemplo, no Fernando Namora, como
poderia pensar em vários outros, que eram tal como os melhores escritores
ligados ao PCP, os melhores escritores ligados ao Partido Socialista.
Personalidades de uma imensa liberdade e de uma imensa capacidade de alma. Só
que a Revolução, o Pós-Revolução, e os conflitos políticos extremamente graves e
agudos que existiram nesse tempo acabaram por introduzir factores
de afastamento e de divergência, que, todavia, na área da cultura, não em
poucos aspectos, acabariam por serem esbatidos relativamente cedo.
ESA: Na reunião dos escritores,
como se tratava dessas oposições, dessas diferenças, uma vez que as coisas
estavam tão polarizadas? Digo isso porque o senhor comenta em certa altura de
seu artigo [trata-se do artigo do Prof. José Manuel Mendes intitulado “Sophia e
o associativismo de escritores” em: TAVARES, Maria Andresen Sousa; CENTRO
Nacional de Cultura (orgs.). Sophia de
Mello Breyner Andresen: Actas do Colóquio Internacional. Porto: Porto
Editora, 2013.] que, no momento da formação da Sociedade Portuguesa de
Escritores, houve a preocupação de mantê-la como uma entidade independente,
autônoma, na qual a base pessoal ideológica ficasse de fora, tendo o princípio
de estarem a defender a forma de escrita e a liberdade de tal manifestação. Como se a declamar: “Antes
de qualquer coisa,
nós somos escritores”. Não sei bem...
Mas eu entendi isso. Eu estou equivocada? O senhor pode comentar um pouco a respeito?
JMM: Quando se fundou a
Sociedade Portuguesa de Escritores, ainda muito no tempo da ditadura... Quer
dizer, isso na primeira fase da Sociedade, a primeira que é criada, tal como se
fundou a Associação Portuguesa de Escritores em 1973, a ideia era a mesma: era
unir as pessoas de bem, no sentido que tivessem uma opção pela liberdade
individual, pessoal e colectiva, e que aceitassem o princípio da democracia. O que não quer dizer que, por exemplo,
na primeira sociedade não tenham
estado pessoas que não tinham
sequer esse pensamento, mas que se procurasse alargar
o quadro das inscrições e da presença de autores, de toda a gente, independente
das suas ideologias. Ou seja, tal como acontece hoje, agora, neste momento em
que lhe falo. Aquilo que era a vida da Sociedade Portuguesa de Escritores e
aquilo que é hoje a Associação Portuguesa de Escritores é alguma coisa em que
as opções ideológicas, políticas e até partidárias, depois do 25 de Abril, são
as que são.
Aqui dentro, aquilo do que se trata, do que une os escritores enquanto
autores, enquanto pessoas que dão um contributo insubstituível à sociedade, que
é a sua obra, o seu lugar, e que têm problemas comuns, e por isso mesmo a
sociedade e a associação, que tendo dois nomes acaba por ser praticamente a
mesma, procura resolver. Tanto na difusão da obra de cada autor – tanto
quanto é possível
– , como na preservação dos seus direitos
fundamentais.
ESA: Sim. E, agora, foi apenas
uma dúvida que me ficou... Em seu artigo registra-se a data de 6 de julho de
1973, e de uma reunião para (pelo que eu compreendi) a fundação da nova entidade como uma associação. Mas eu encontrei outra data nos jornais,
que registram a inauguração da Associação Portuguesa de Escritores em 1974.
JMM: Não, a Associação é criada em 1973.
ESA: E como foi amadurecendo esse processo?
JMM: É um processo muito
complexo, porque quando foi extinta a Sociedade Portuguesa de Escritores,
vandalizada pela barbárie da ditadura...
ESA: Ninguém imaginava que pudesse acontecer desse modo, não é? Com
tanta barbárie!...
JMM: Sim, foi completamente
destruída, foram levados e desfeitos muitos materiais de arquivos do que era então a Sociedade Portuguesa de Escritores, na sequência da atribuição
de um júri do prêmio ao escritor Luandino Vieira, que estava preso por combater
o regime. E a circunstância de ter havido um júri que atribuiu o prêmio foi
considerada, pelo regime, um acto hostil e sem apelo nem agravo. Agindo da pior
forma que possa imaginar-se, a sede foi vandalizada e a associação foi extinta.
ESA: Só uma pergunta, porque
isso para mim foi tão chocante quando li, depois de ter sido fechada e
vandalizada, ninguém teve mais condição, nenhum escritor, de lá buscar algum
documento que fosse?
JMM: Não foi possível
propriamente salvar quase nada..., porque
não havia quase nada para se
salvar. Não foi possível salvar,
foi muito pouco
o que salvou-se. O essencial
quase tudo foi destruído. Isso significa obras de
artes, isso significa biblioteca, isso significa arquivos, documentação
importantíssima, que tinha a ver com o modo como a associação foi criada, com
toda a sua história. Eu quero lembrar que nesses anos da Sociedade Portuguesa
de Escritores, debaixo de ditadura, as direções e as pessoas
de maior relevo
que a elas estavam ligadas
conseguiram fazer programas de intervenção muitíssimo importantes. Se eu
disser, desde logo, que foi possível trazer a Portugal Roland Barthes, ou
trazer o escritor americano Erskine Caldwell, estarei bem a dar o sinal da
diversidade e da abertura de espírito que tudo isso significava, mas também
de um certo sentido do tempo e da modernidade. É isso que se
dilapida, é isso que se destrói. E é uma ofensa a nomes gloriosos
da cultura portuguesa: o Adelino Ribeiro, o Hernâni Cidade,
o Jacinto do Prado Coelho,
para dizer três ao acaso,
e não querer com eles esgotar
a lista dos nomes.
No período que se segue à destruição da Sociedade Portuguesa de
Escritores, houve um grupo de escritores, um grupo concreto de escritores,
muito aberto, que não se rendendo à ideia de que não poderia haver um
organismo, uma instituição que fizesse a defesa dos escritores, dos seus direitos
e dos seus interesses, no estrito plano daquilo que é a actividade
que cada um tem na realização dos seus livros, do seu projecto estético, foram
sendo realizadas múltiplas reuniões, e foram sendo estabelecidas ligações com o
poder político. E, então, convém que diga o seguinte: nem todo o poder político
era, a partir de determinado momento, estrita e violentamente salazarista.
Com a chegada do Marcelo Caetano ao poder, mantendo-se a natureza do
regime, há algumas pequenas mudanças que tornaram viável a constituição de uma
sociedade com os mesmos objectivos que tinha a Sociedade Portuguesa de
Escritores. Esse núcleo de escritores, a que a Sophia está ligada também,
aquilo que verdadeiramente queria era recuperar a Sociedade Portuguesa de
Escritores, que havia sido extinta, inclusive no nome. Mas com o evoluir dos
contactos e com aquilo tudo que se ia passando na relação com o poder político,
percebeu-se que havia um ponto em que foi preciso tomar a decisão de prescindir
do nome, criando um nome outro, que é associação
ao invés de sociedade. Sendo que a Associação Portuguesa de
Escritores, que é como hoje nós nos chamamos, é a continuação da Sociedade
Portuguesa de Escritores. Nós sempre reivindicamos que esse passado, que foi o
da Sociedade Portuguesa de Escritores, é nosso.
ESA: Mas para inscrever
na lei, houve a escolha
pelo termo associação buscando se escapar de outros
nomes que o regime poderia barrar?
JMM: Era, para o regime
ditatorial, claro que queriam um nome diferente para que se não dissesse que se
estava a contrariar o que tinha sido a extinção da Sociedade Portuguesa de
Escritores. Então, encontrou-se o nome associação. E formou-se a associação,
que tinha o mesmo espírito, já com outras pessoas, algumas ainda eram as
mesmas, daquela que tinha sido a Sociedade Portuguesa de Escritores. Nesse
percurso, e nessa fase, sobretudo, bastante mais aguda,
a Sophia de Mello Breyner
está presente, sempre.
Não é por acaso que depois ela acaba sendo
um nome importantíssimo, à frente dos órgãos diretivos
iniciais dessa causa.
ESA: No seu artigo, o senhor
faz a citação do excerto do discurso proferido pela Sophia em 1973, no qual ela
diz: “A poesia é necessariamente política, porque uma cidade sem poesia é uma cidade desmantelada e morta”. É muito interessante que ela tenha formulado a questão
política ligada à literatura, à cultura, de um modo muito claro, quando
sabemos, do que ela partilhava com amigos, ela tinha também certa – vamos dizer
assim – ojeriza pelo jargão político, pelas coisas que pudessem ser
estabelecidas com certo enquadramento ou certo dirigismo. Bem...
isso é mais um comentário do que uma questão... O senhor concorda?
Pode falar um pouco a respeito?
JMM: Dirigismo nunca, a Sophia não aceitaria nenhuma
espécie de dirigismo. Creio que essa era uma das razões pelas quais ela
não estava com o Partido Comunista, compreendendo a sua luta, e sendo
solidária, por exemplo, com os presos políticos. Dirigismo nunca, mesmo que
porventura partisse daqueles a quem estava ligada. Fossem eles o Partido
Socialista ou qualquer outra organização. Dirigismo no sentido da
impositividade de critérios estéticos ou de negação da liberdade criadora, isso
nos quadros mentais da Sophia era incolocável. Não fazia qualquer sentido e não
havia a mínima possibilidade de ela transigir diante de coisas assim. Por isso é que no Congresso, naquele
quadro histórico português
em que o Congresso se
realiza e onde pairava, segundo autores como ela, o espectro de um qualquer
dirigismo cultural, ela assumiu
uma palavra que foi muito frontal e clara contra
ele, em defesa do criador, do escritor. Mas fê-lo não como
uma forma de se opor à intervenção política, mas, pelo contrário, pressupondo a
intervenção política. Ou seja, a intervenção política deveria existir
naturalmente, e deveria existir sempre, mas assumida livremente pelo criador,
pelo escritor. Como no fundo eu posso dizer sem nenhuma espécie
de erro, julgo,
por qualquer homem,
ou seja, a concepção que a Sophia tinha da vida era incompatível com o
condicionamento das liberdades individuais. Nesse exato sentido é que estou a
exprimir. O que é uma forma de dizer que era incompatível com o condicionamento
das liberdades individuais, neste exato sentido que estou a exprimir. O que é
uma forma de dizer que era incompatível com o condicionamento da liberdade
pública. O que é uma forma de dizer que era irredutível nesse ponto, como sendo
uma das bases sobre as quais uma democracia deveria ser construída.
ESA: Agora, falando sobre a
literatura que ela produziu para crianças. É possível dizer claramente que isso
é também parte da consciência política dela, sabendo que no país, até certa
altura, não havia muitas obras de qualidade para esse público – ou ao menos esta
era uma das queixas que ela fazia sobre o gênero
até determinada época. Ela, num dos discursos, citou que se devia fazer obras para crianças: com qualidade, numa linguagem acessível, com grande qualidade gráfica, e que pudessem chegar aos filhos
de camponeses, de professores e qualquer cidadão. Ela tem uma visão sobre a necessidade de atingir esse
público e de um modo mesmo socialista, assim eu percebo. E como disse o Frei
Bento Domingues a respeito de tal produção da Sophia: “Isso foi a vingança pela
qualidade” – uma expressão que achei muito bonita. O senhor poderia
comentar como enxerga
a produção da Sophia para crianças?
JMM: Eu direi que ela assume
essa posição na linha do que outras personalidades da época já faziam e continuaram a fazer. Lembro que houve
autores de grande relevo e de todos os quadrantes ideológicos que tiveram a
preocupação de escrever e de melhorar aquilo que era a escrita para crianças,
para adolescentes e para jovens. O que distingue a obra da Sophia? É o seu modo
peculiar, e aquilo que nessa peculiaridade é grandeza. Portanto, a Sophia era
na realidade uma escritora de primeiro plano, uma escritora à margem, muito
acima de tanta coisa que se publicava e que se fazia no seu tempo. E a obra que
fez para os mais novos – se me é permitido dizer assim, porque não gosto nada
da expressão infanto-juvenil e estou a tentar evitá-la – é uma obra marcada por
todo o engenho e por toda a preocupação de que há pouco falou, com todos esses
sinais. A Sophia era de uma lucidez extrema quando observava relativamente ao
essencial do que se escrevia nesse tempo – ao muito do que se escrevia nesse
tempo, a expressão mais rigorosa é esta. Em relação a muito do que se escrevia
nesse tempo, na área infanto-juvenil, era preciso remodelar completamente e
fazer com que o primado da qualidade se impusesse. Havia outras pessoas
preocupadas com isso, e ela vem na mesma linha, com seu
próprio modo. E, de facto, aquilo que aconteceu foi uma viagem: ainda hoje os
livros que ela escreveu e publicou nesse domínio são essenciais, são marcantes,
são decisivos.
ESA: Lamento que no Brasil não conheçam
a produção dela para crianças.
JMM: Também ninguém em Portugal conhece
os livros para a infância
e juventude da Clarice
Lispector ou do Jorge Amado, se quisermos falar de outro público.
ESA: Mas estão a conhecer agora.
JMM: Do Jorge Amado,
tanto quanto me recordo, só se terá publicado uma história cá, deste
lado do Atlântico. Eu disse dois nomes brasileiros, podia dizer vinte ou
trinta, ou seja, há de certa maneira uma menorização, mesmo dos próprios
hermeneutas, dos próprios acadêmicos, dos especialistas, daquilo que se faz
nessa área. Valoriza-se o romance, valoriza-se
a poesia, valoriza-se o ensaio enquanto
ele existe, às vezes a cronística e a diarística, e só muito remotamente é que se valoriza a literatura
infanto-juvenil. Agora, tanto no Brasil quanto em Portugal, começa a haver estudos
universitários e licenciaturas que têm essa matéria como base. E então começa,
de certa maneira já começou, um estudo muito mais sério e o reconhecimento do
que existiu e existe. E é absolutamente... como dizer isso? É indiscutível o papel singularíssimo da Sophia de Mello
Breyner nesse domínio, e que seja hoje completamente reconhecido por todos os historiosos.
ESA: No seu texto há um trecho
que se refere a um momento na Assembleia da República quando lá houve uma discussão, no início da década de 1980, em que foi suscitada a questão
do domínio público remunerado. Eu gostaria que o senhor comentasse o que era exatamente
essa proposta do domínio público remunerado, e como as pessoas se manifestaram...
JMM: O problema é que... como
hei de lhe dizer isso? Eu fui muito cauteloso com o que escrevi aí. Cauteloso
por quê? Porque eu não quero falar de mim, de todo. E esse debate foi um debate
que foi no essencial promovido e realizado por mim. Portanto eu vou contar
completamente coisas que um dia alguém há de dizer e são importantes.
ESA: Mas me chamou muito a atenção.
JMM: Mas não quero falar de mim, entende? Eu peço que compreenda
isso.
ESA: Sim, está bem. É que o tema me despertou interesse.
JMM: Agora, acontece que a
ideia do domínio público remunerado andava no ar. E era uma ideia de algum
tempo, e consistia na circunstância de que pela venda dos livros uma
percentagem mínima de cada um deles, e, portanto, de toda a massa de livros
vendidos, revertesse para um fundo que pudesse constituir-se como dinamizador de iniciativas culturais. Como um recurso para editar
autores jovens que tivessem dificuldades de acesso à edição, ou outros
autores em circunstâncias idênticas. E também como uma instância para apoio aos escritores em estado de necessidade social,
ou seja, pretendia-se que de alguma
forma esse fundo pudesse
assegurar os meios
financeiros para prestar
apoio e assistência. Eu não gosto da palavra assistência, vou dizer
por isso apoio, prestar justiça, se me posso exprimir assim, àqueles escritores
que tinham caído na pobreza e viviam em circunstâncias de grande carência.
Estou a falar em 2014, numa altura em que o quadro a este nível é o pior
que alguma vez conheci, ou seja, a crise, a chamada austeridade, o modelo de
governo que existe em Portugal, conduziu a que a realidade se tivesse
transformado... numa realidade dolorosa. E, portanto, se visava naquela
altura, no período
dos anos 1980, que houvesse
formas de a partir
daqui apoiar, fazer justiça aos escritores que estavam em estado de grande precariedade. Era por outro lado garantir a edição daqueles que não tinham
editor. Portanto, as regras de mercado e as relações entre escritor e autor
existem, mas é sabido que há numerosas obras que não conseguem chegar à edição
por dificuldades de toda a ordem. Isso também não significava a ausência total
de critério, pelo contrário. Para tudo se podem criar júris independentes, com
saber, e com uma justa visão das coisas, mas o que se pretendia era a edição
daqueles que não tinham qualquer editor onde colocar a obra. Ou, a partir de
mecanismos de protocolo, chegar a contactos com editoras para edição desses
livros, de alguma maneira subvencionadas pelos que estivessem...
Portanto, era um pouco de tudo isso que passava pela ideia da criação do
chamado domínio público remunerado. A questão foi suscitada na Assembleia da República, esteve
quase a ser adotada, quase a passar. Um golpe
palaciano à última hora impediu e nunca chegou a ser adotada em Portugal. Com o
evoluir dos tempos tudo se tornou muito mais difícil e não foi possível. Qual é
o papel da Sophia...
ESA: Só um minutinho, essa proposta
estava ligada a alguma frente ou a algum partido?
JMM: Não, isso foi a proposta
muito notabilizada por mim, mas eu nunca assumi que ela estivesse a ser apenas
veiculada pela bancada a que eu pertencia, pelo contrário. Na altura, eu era
presidente da Comissão de Cultura, se a memória não me atraiçoa, e isto foi
trabalhado. Eu posso dizer com clareza: a esquerda política
estava de acordo!
A direita política dividia-se entre os que compreendiam a ideia e estavam próximos,
e aqueles que se opunham de uma forma determinante.
Em comissão, nós conseguimos fazer com que uma parte importante da
direita política compreendesse os argumentos por nós usados e, portanto, tudo
esteve muito perto. Depois, quando tudo teve que ser decidido em função do
orçamento de Estado, e pelos homens das finanças... Os homens das finanças, nesse
passado que vai sendo longínquo, como hoje, ignoram as pessoas e decidem pelos
cifrões, e decidem pelas inscrições orçamentais, e, portanto, não foi possível
passar.
Nesse contexto, lembro
com grande veemência o seguinte, um autor como Fernando Namora tinha feito um estudo pessoal muito
denso, muito sério, a demonstrar o quanto seria justa a criação dessa
ideia, a criação
desse instrumento. E eu quis ouvir o máximo de pessoas. Como tinha uma grande amizade, não diria
por toda a gente, mas praticamente toda a gente, que na época, para cá, para a
sociedade literária e a sociedade cultural, ouvi imensa gente. Falei com a
Sophia, de quem era amigo, e ela teve um papel de apoio total da primeira hora
à última. Na Assembleia, nessa altura, também estava outra amiga minha, que era
a Natália Correia, que deu uma ajuda, e teve um papel importante no diálogo com
certas personalidades, digamos, um pouco mais à direita,
com as quais mantinha um convívio natural e precioso. Mas, por fim, o
domínio público pago não vingou.
ESA: A Natália Correia conseguia isso,
não é?
JMM: Sim, um pouco. Ela conseguiu
duas ou três pessoas, aliás,
uma delas era uma pessoa de quem eu gostava imenso também.
Presto homenagem ao seu nome, um homem que se chamava Henrique Barrilaro Ruas, que era naquele bloco
mais conservador da Assembleia a personalidade que mais tinha aderido à
ideia. Já não me lembro dessa história tão bem, com pormenores. O que ficou foi isso que trago à memória... A referência que faço é seguramente
a do apoio que a Sophia me deu a mim, direta e inequivocamente, não estou em
condições de dizer se escreveu algum texto sobre isso, eu não conheço
o espólio. Tenho imensas coisas guardadas daquilo que a Sophia
dizia ou publicava nos jornais, no meu próprio arquivo não está nada, mas é,
enfim, um testemunho meu e foi esse testemunho que deixei.
ESA: Assim, depois da atuação
da Sophia de Mello Breyner enquanto deputada constituinte, ela se afasta da
cena política mais diretamente. Pelo que se revela nos documentos, ela se
sentiu muito decepcionada com o curso das coisas. A essa altura,
ela afirmou em torno desse afastamento que havia participado na luta antifascista e havia chegado
a bom termo tendo se dedicado a ser deputada constituinte,
mas que a partir de tal momento só continuaria a desempenhar-se em situações
que julgasse urgentes, pois afinal o papel dela era ser escritora. O senhor tem
notícia se houve, depois de 1976, circunstâncias em que a Sophia atuou no campo
político? Sei apenas sobre o envolvimento dela na questão do Timor Leste.
JMM: Olha, o Timor Leste, como acabas de conferir e é verdade... Porventura, noutras causas o
afastamento dela eu compreendo bem. Também, sem querer falar de mim, a partir
de 1991 eu não voltei a
desempenhar nenhum cargo político, ou seja, eu estive mais anos no
Parlamento do que ela, experimentei tudo o que havia para experimentar
durante estes dez anos. Era, enfim, um deputado referenciado, é a palavra que
encontro para dizer o que não quero dizer. Em 1991, declarei publicamente que
não voltaria a desempenhar nenhum cargo político partidário, que não voltaria à
Assembleia da República – palavra que cumpri, como ninguém acreditava, e aqui
estou a provar que cumpri. A Sophia esteve muito menos tempo e também se
retira. Por quê? Porque, de alguma forma, a vida parlamentar tem coisas
contraditórias para alguém que tem um projecto cultural com traços de alguma
radicalidade, e que procura nas coisas, numa feição tanto quanto possível não
muito dominada por pragmatismos, sejam eles de que natureza for. E, sobretudo,
não contaminada pelos jogos de bastidores que sempre existem na luta que se vai
travando. Uma personalidade como a da Sophia não era compatível com tudo isso e, pouco a pouco, o afastamento é o afastamento da intervenção regular,
quotidiana, não é o afastamento de sua implicação como cidadã na construção das
coisas. Ela manteve-se muitíssimo atenta a tudo, fiel aos seus valores de
sempre. Ah, e já no fim da vida era muito afagante, para dizer o mínimo,
conversar com ela sobre o que era a vida pública. Porque tinha uma ideia muito
clara sobre tudo, meditava, pensava, e posso lhe dizer sem nenhuma espécie de
exagero: estava sempre à esquerda.
Foi nesta sala em que nós estamos
a conversar que, com o presidente Mário Soares, na altura
presidente, eu lhe entreguei o prêmio Vida Literária. E, nessa altura, eu fiz
um discurso que tenho imensa pena de não ter ficado integralmente gravado, ou
se calhar ficou gravado algures e eu nunca encontrei a cópia. Foi um discurso
muito emocional e muito afetuoso. Por quê? Porque a Sophia era uma figura envolvente, marcante e
decisiva para muitos de nós. Para mim, obviamente, mas também para os meus colegas de direcção e para a grande parte da sociedade portuguesa.
Mais tarde – sou membro do júri do prêmio Reina Sofía, em Madri, ao longo
dos anos –, no primeiro ano em que fiz parte do júri, contribuí para que a Sophia tivesse
o prêmio Reina
Sofía. Foi a primeira
escritora portuguesa a ganhar o prêmio Reina Sofía. E esse triunfo
foi um triunfo conseguido no meio de um júri de alta qualificação, com
honestidade, terei que dizer muitas vezes, porque esta é a verdade. E o José
Saramago, já prêmio Nobel, fez de uma forma fulgurante a defesa do prêmio para
a Sophia.
E eu acompanhei, no registro mais eminentemente técnico ou literário, uma
vez que era preciso que de alguma forma uma parte do júri percebesse que mais do que o nome era uma
escrita, e essa escrita era aquela que tinha notáveis características. E foi,
de facto, o último prêmio que a Sophia recebeu, se não estou enganado.
ESA: Parece que sim, de acordo com o que eu pesquisei.
JMM: E eu no texto não sei se acabei por incluir ou não, no texto
que estamos a ver...
ESA: O fechamento do artigo, pois.
JMM: Não sei se incluí o
recital que depois se fez em Madri, no Palácio Real, que foi dos momentos mais
impressionantes da minha vida. E isso também é uma coisa que me diz respeito e
relativamente ao que tenho a dizer eu ficaria por aqui.
ESA: O senhor faz o registro
no seu artigo de que havia de sua parte a expressão de encantamento quando a
Sophia discursava, como foi o caso no I Congresso dos Escritores Portugueses,
em 10 e 11 de Maio de 1975. Confesso que estou um pouco presa a esse encantamento faz uns anos, pois percebo
que, escapando à minha vontade,
às vezes tropeço nisso, mas estou conseguindo
avançar no trabalho acadêmico. E isso resulta, em grande medida, de uma
descoberta muito feliz para mim: saber que existiu a Sophia, uma escritora que
teve essa matriz do cristianismo, da filosofia grega, e comprometeu-se por
muitos anos na luta contra o fascismo, conseguindo manter a inteireza, quero
dizer a inteireza igualmente na intervenção cívica que realizou. E essa luta
aguerrida pela liberdade manifestada, por exemplo, em um ambiente
como o da Assembleia Constituinte. Suponho que era um ambiente em que, a princípio, ela tinha de
fazer esforço para enfrentar, pois assim o frei Bento Domingues comentou que a
Sophia se queixava, às vezes, dizendo que era necessária sua contribuição
àquele contexto político, mas que, de fato, era muito desgastante para ela.
JMM: Em todo caso volto a
dizer que, nessa altura, na constituição das listas, os diferentes partidos
procuraram colocar personalidades de grande relevo na vida nacional: pelas
artes e pelas letras, pela economia e pelas finanças, pelo desempenho em actos
cívicos de múltipla ordem. Portanto, a Assembleia Constituinte era empregada em
muitos níveis por personalidades importantes do que era o Portugal democrático.
E isso ocorreu tanto à esquerda como à direita. É diferente do que hoje acontece
com o Parlamento, porque o que ocorre atualmente escolhe-se... Não quer dizer
que não se tenha em conta a visibilidade, que é uma palavra que também já é
diferente, para pior, deste ou daquele. Mas escolhe-se muito em função de uma
lógica de aparelho partidário ou muito próximo
disso.
Nesse tempo, e, sobretudo, na Assembleia Constituinte, e ainda nos anos
que seguiram à Assembleia Constituinte, portanto, nessas primeiras formações da
Assembleia da República, escolhia-se tendo em conta personalidades que tinham
grande impacto na vida nacional, ou então na vida local. Visto
que a Assembleia representava também,
gostava de ter no seu seio,
pessoas com grande relevo na vida local. Portanto, a escolha da Sophia é a
escolha em que se vê um tributo que lhe é prestado pelo próprio partido com o
qual ela está. Dessa forma, quando Mário Soares a escolhe – permito-me
interpretar assim, o Mário Soares que o diga, mas quero dizê-lo eu –, ele presta um tributo a alguém que se chama
Sophia de Mello Breyner
Andresen, como um nome importantíssimo da cultura portuguesa. Houve outros
autores que não aceitaram porque de todo em todo eram alérgicos à política
enquanto representação. A Sophia aceitou e fez muito bem, se me é permitida a
opinião, teve uma presença muito bela na Assembleia Constituinte. Do ponto de
vista da dignidade, do ponto de vista do que representava como figura. Creio
que é uma glória da Assembleia da República – que acaba finalmente por decidir
que ela vá para o Panteão Nacional – ela um dia ter sido deputada.
ESA: Muito obrigada por me conceder a
entrevista.
JMM: De nada.
ResponderEliminarConfesso que nada do dito me apanhou desprevenida. Tudo o que me interessa eu "exploro". Quanto à narrativa destinada aos mais novos, esta é marcada, desde logo, por uma nova forma de encarar a Criança - "Uma criança não é um pateta" - diz Sophia a dada altura. A sua obra insurge-se contra o "infantilismo" da linguagem e o excessivo sentimentalismo do que se produzia, em termos literários, para os mais novos, à época. Sophia rejeita as pressupostas "limitações" das crianças e ousa dar-lhes o maravilhoso, a alegoria do real para uma leitura de encantamento.
Quantos da minha geração e seguintes foram enfeitiçados por esse encantamento e nunca mais se libertaram dos livros e da alegria de ler?
Lídia
Certo
ResponderEliminarLídia
Em 1976 a minha-mai-nova
(um anito)
ia batendo
impaciente com a colherita no prato
e aproveitei o desacato
para de improviso
dar forma ao acto
fi-lo num belo dia
com todas à mesa
Eu me declaro
por gesto revolucionário
presidente desta democracia
a mãe é o governo
e todos juntos somos o parlamento
que dita as leis e o seu julgamento
Por proposta da Maria João
haverá pudim à refeição
pois a Sandra aproveitou todas as claras
e bateu bem as natas
Acho que isto é poesia por gestos
e talvez sobre isso
devesse deixar algo escrito...
Memórias-testemunho de um tempo em que Sophia cumpriu um papel de inegável valor na literatura portuguesa. Não a esqueceremos.
ResponderEliminarMaria João
Vozes ao alto
ResponderEliminarAbraço meu caro amigo
Sophia, minha mestra...
ResponderEliminarMuito interessante o «post»!
Beijo