30 dezembro, 2023

2023 EM BALANÇO (a nível nacional): O QUE CORREU BEM; O QUE CORREU MAL

Ia eu escrever, em desespero, que não há lugar para balanço pois tudo correu mal... que esta Demo_cracia é mesmo obra do demónio. 
Estava já para aí inclinado e eis que acedo a uma crónica que me fez recuar no intento. Li e reli e percebendo que de bem e de mal, está tudo lá, embora o balanceamento não se faça diretamente... 
Faça o leitor, mentalmente.

Por Carmo Afonso 

Público - 29 Dec 2023

Na sondagem da Intercampus para o Jornal de Negócios, Correio da Manhã e CMTV, há uma nova descida do PCP. Numa sondagem anterior, tinha sido ultrapassado pelo PAN, agora foi a vez do Livre. Sabemos que as sondagens não passam disso e sabemos também que, mais do que prever resultados, elas condicionam o voto. Mas vamos assumir que estes resultados são credíveis.

Tenho visto muitas pessoas genuinamente contentes com a descida do PCP. São anticomunistas; não reconhecem a importância de termos este partido entre nós e com uma representação parlamentar expressiva. A primeira coisa que lhes quero dizer é que estão enganadas. Como afirmou um querido amigo, “Portugal não é grande coisa, mas sem o PCP seria muito pior”. São inúmeras as dívidas de gratidão que temos para com o partido. Inúmeras. Sem o PCP, a grande maioria dos direitos de trabalhadores não estaria consagrada na lei, como está. Ninguém põe em causa a justiça de trabalharmos 11 meses para recebermos 14 salários, mas tempos houve em que isso era uma miragem. O PCP esteve sempre lá.

Mas isto não é apenas sobre gratidão pelo passado. É também sobre acautelar o futuro. A presença do PCP garante uma rede de estruturas, como as sindicais, de apoio efetivo aos trabalhadores. O desaparecimento, ou o simples enfraquecimento, dessas estruturas fará diferença na vida da maioria dos portugueses, mesmo daqueles que pouco se importam com o tema desta crónica. Sobretudo, o PCP costuma estar ao lado das boas causas. Alguns dir-me-ão: “E a guerra da Ucrânia?” A esses respondo que a posição do PCP foi um pretexto para o que já tinham, há muito, vontade de fazer: excluir o partido. O PCP defendeu, e ainda defende, uma paz negociada para a Ucrânia. Os militantes foram insultados por isso. Mas reparem que agora, em relação à guerra no Médio Oriente e estando do lado da Palestina, o PCP continua a defender uma paz negociada. Não falou em enviar armamento ou em dar qualquer espécie de apoio militar à Palestina. Consistência é isto. A paz, o primeiro valor do 25 de Abril, continua atual no PCP. Ainda bem.


No mesmo dia em que soubemos dos resultados da sondagem, morreu Odete Santos. À esquerda e à direita, ouvimos palavras sentidas de apreço e reconhecimento pelas qualidades de Odete Santos e pelas lutas que travou. Tudo foi pouco. Era uma mulher autêntica. Nada na Odete Santos — salvo a honrosa exceção do seu cabelo — era artificializado. Defendia apenas aquilo em que acreditava, e acreditava em coisas boas, como os direitos das mulheres e a causa dos trabalhadores. Não tinha medo do ridículo nem do espalhafato. Isto é a definição do oposto de uma pessoa chata. Ninguém poderia aborrecer-se a ouvir ou a olhar para Odete Santos. Para quem não me conhece, ou seja, quase todos vós, esclareço: não me ocorre melhor qualidade. De pessoas chatas, está o mundo cheio.

Foi triste saber que a Odete Santos deixou de existir. Foi metafórico ter acontecido no mesmo dia em que as perspectivas eleitorais do PCP não se revelaram grande coisa. A Odete Santos representa o melhor do PCP, mas o PCP representa também o melhor da Odete Santos. É belo ver os vídeos em que se entregou à defesa dos seus pontos de vista. Mas não era só a forma que era boa, o conteúdo também era. O conteúdo que ela apregoava é a matéria de que é feito o PCP e que podemos resumir como sendo a abolição de quaisquer relações de domínio.

Comunista é um substantivo, mas cresci a ouvir a palavra ser usada como adjetivo e não num sentido elogioso. Existe um sentimento anticomunista profundamente enraizado em Portugal. Assimilámos os preconceitos da Guerra Fria e diabolizamos pessoas que são provavelmente as melhores entre nós.

Ser comunista não é apenas meter uma cruz no quadrado do PCP. Calma que também não é um voto de pobreza como muitos pretendem. Deixemos isso para as ordens religiosas. Mas significa acreditar no partido e num mundo melhor. “As causas perdidas são exatamente aquelas que poderiam ter salvado o mundo”, escreveu Gilbert Keith Chesterton, cheio de razão. Não sei se o comunismo integra a categoria das causas perdidas, mas admito que, à distância a que estamos de uma sociedade comunista, tivessem de rolar cabeças para a instituir. Por mim, não acontecerá. Afeiçoei-me à vida da social-democracia europeia. Digo-vos isto para que percebam que não é o sonho comunista que me move. Mas insisto que precisamos de um PCP forte para termos uma social-democracia saudável.

E junto-me ao grupo dos que sentirão falta da camarada Odete Santos. Foi cedo e deixou um lugar impossível de preencher. 


11 comentários:

  1. É um prazer ler as crónicas da Carmo Afonso. Inteligentes e precisas.
    Também a mim me agrada a vida da social-democracia.
    Mas também insisto que precisamos de um PCP forte para termos uma social-democracia saudável. O declínio do partido também me causa dor.

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    1. Carmo Afonso merece o teu sentido elogio.
      Quanto ao insistes então age em coerência
      Voto útil, faz a diferença.

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    2. Teresa, para ser consequente com esta sua opinião, não pode votar em branco.

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  2. Portugal é muito bom e com o PCP é ainda melhor! - isto digo eu que desisti de me alongar!

    Abraço

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    1. Por vezes ser curto é o suficiente...
      há tantos, tantos, que escrevem, escrevem e no fim, tudo espremido
      soa a nada ou sem sentido

      Abraço concordante

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  3. Ainda bem que há pessoas assim, que ainda que "afeiçoadas à vida social-democrata europeia", entendem que o trabalho incansável do Partido Comunista Português faz toda a diferença... para melhor, claro.

    Forte abraço, Rogério!

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    1. Referir "para melhor" diria que é pouco... nesta altura trata-se de salvar Abril e a esperança deixada pela Revolução...

      Abraço forte

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  4. Esta mulher é admirável. Tudo certo no que disse.

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  5. FAZ IMENSO TEMPO QUE NÃO ANDO POR AQUI POR FALTA DE TEMPO... PODEM CRER... PORQUE O QUE POR AQUI LEIO... ENCANTA-ME, ENCHE.ME, OBRIGADA

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