(reeditado, com alterações)
Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza
Meu avô levantava-se cedo, ainda antes do canto daquele galo que já deu azo a um conto. A sua primeira tarefa era acender a lareira. Lembro as chamas altas, ao inicio e depois o braseiro alimentado o dia inteiro. Lembro os odores de lenhas de azinho, figueira e troncos das cepas velhas à mistura com a suavidade, um pouco acre, do café que ela, minha avó, trazia de Lisboa. De fumos, pouco ou quase nada pois a saída fumava bem...
Há idades em que o frio não conta. Agora me lembro que meu avô só não o tinha porque o espaço da chaminé dava para se sentar dentro dela, num maciço tronco que lhe servia de assento, junto ao braseiro. As mãos, secas e mirradas dos anos e das fainas, manejavam com a perícia experimentada em longos serões de inverno, o queijo a côdea e a naifa. Gestos lentos, apenas interrompidos para pegar na malga. O café aquecia-lhe a alma. A minha avó, essa, aquecia com a lida. Não parava. Não havia frio naquela casa, embora fosse pouco o tijolo, a telha fosse vã e o postigo mal encostasse, dado o empeno da madeira... Eram assim as férias de Natal, num encantamento que era prolongado com a euforia da chegada da família. Pai, mãe, irmã, tios e muitos primos. Uma casa cheia de gente, sem presépio nem árvore enfeitada, nada... Na véspera, a ceia, de mesa cheia de sonhos e rabanadas, era prolongada e terminava com meu avô recitando Aleixo e eu cantando canções do Joselito. Na manhã do dia, por sobre o sapatos deixados junto à cinza da chaminé, os parcos brinquedos eram uma outra chama alvoraçando a nossa imaginação. Do Pai de Natal, nem fala nem sinal. Dizia minha tia que eram reis e o Menino Jesus que doavam e apenas ela acreditava que nós acreditávamos no que minha tia dizia. Para a minha idade o tempo era lento, mas aquele dia era curto, passava depressa. Depressa chegava a hora da abalada.
Nunca tive frio naquela casa...
Sou mesmo capaz de visualizar a cena.
ResponderEliminarBom Natal.
Um abraço.
Tivesse eu a capacidade para pintar este quadro
Eliminaria adorá-lo
reconstruindo
sorriso a sorriso
Abraço natalício
Que bonito, Rogério!
ResponderEliminarEsse encantamento que perdura até hoje, creio bem ser desse calor que saía de dentro para fora... da alma! Se espalhava em redor aconchegando tudo e todos. Não tanto do fogo da lareira!...
Eu vivi cenas muito semelhantes.
Feliz Natal!
Na casa do lavrador
Bate o sol a toda a hora
De manhã __aqui me tens!
À tarde__adeus, vou-me embora.
Lembraste destes versos? :))
*Lembras-te...(e não lembraste)
EliminarJanita
Eu que não tenho lareira,
ResponderEliminarNem galo que leve à mesa,
Vou achar outra maneira
De ser livre estando presa:
*
Ponho ao lume a cafeteira
Para um chazinho em beleza
E o pão na torradeira
Prá torrada à portuguesa
*
Ligo o velho radiador
E, embrulhada numa manta,
Hei-de também ter calor
*
Na noite que dizem santa...
Não será ceia a rigor,
Mas tudo nela me encanta.
Bom dia, Rogério! Agora é que li a história do galo da tua infância, rijo demais até depois de cozinhado :)
Não te aflijas que a minha ceia não vai ser tão parca quanto a pinto no sonetilho. Amanhã vou tentar comprar alguma coisita mais consistente do que um simples chá com torradas.
Era lindíssimo, o teu Natal enquanto Rogérito!
Feliz Natal e um grande e caloroso abraço!
PS - Lembras-te de como, na nossa adolescência, cantávamos o refrão dessa música do Zeca? "Vais parar à pide, vais parar à pide, vais. vais, vais!"
A MUSA continua por aí... que soneto, mas que soneto!
EliminarNão compres nada... eu te ofereço (ligo-te ao fim da manhã)
E o meu Natal actual tem o mesmo sabor de então...
Abraço festivo
Já te comentei no Facebook!
ResponderEliminarAbraço natalício
Então... fui ao facebook buscar... e reza assim:
Eliminar"Belo texto!
Também nunca tive frio em casa dos meus avós paternos e maternos com lareiras com bancos de um laado e do outro disputados pelos mais rápidos .
Só me lembro dos Natais em casa dos meus pais com chocolates e meias de croché no sapatinho!"
Abraço agradecido
Gostei de ler esta descrição, tão diferente dos Natais que eu mesmo tive. Tão diferente! O meu avô paterno morreu antes de eu nascer, enquanto o meu avô materno (salazarista, legionário e tudo) só passou a fazer parte dos meus Natais depois do falecimento do meu pai, tinha eu oito anos de idade. Este meu avô, que dava mais valor às notas (de banco) do que às netas e aos netos, vivia em Lisboa e eu lá ia, a Lisboa, com a minha mãe e os meus irmãos, passar o Natal em casa dele. Como o dinheiro não abundava, íamos no comboio correio, que era o mais barato e parava em todas as estações que havia entre o Porto e Lisboa, sem falhar nenhuma, e em terceira classe, isto é, sentados em bancos de pau. A viagem durava oito horas, se o comboio fosse à tabela, senão durava mais ainda, chegando a durar doze horas. Acabado o Natal, repetia-se a tortura no comboio de regresso ao Porto. Posso dizer, sem muito exagero, que depois da morte do meu pai eu passava o Natal no comboio. Tudo isto para visitar um avô, que era o pai da minha mãe mas que não nos ligava nenhuma, de tal maneira que na própria noite de consoada saía de casa para ir jogar as cartas no clube de bridge, com outros viciados no jogo como ele. Que falta me fez o meu pai!
ResponderEliminarVotos de Festas Felizes
As memórias, ainda que tristes, não devem ser afastadas... somos as memórias que temos.
EliminarAbraço e votos de Festas Felizes