Numa qualquer homilia, das verdadeiras e usadas nas igrejas, suponho nunca um padre ter metido o nazareno e um simples terreno no mesmo saco. Não sei se seria sacrilégio se um desacato de mau gosto por parte de quem fizesse tal anormalidade dentro da liturgia. Mas eu fiz isso numa homilia minha: citei palavras de Saramago e a seguir citei-me a mim próprio. Não virá daí grande mal a esta casa virtual, onde, a titulo de se avinagrar a realidade, tudo me é permitido e aceite. Referia, nessa oportunidade, o que Saramago dizia dos actos tresloucados de privatizar tudo e, até, todos. Referia eu os actos, não menos ensadecidos, de se estar a cortar tudo a (quase) todos. Entre o alertar para o desbaratar o serviço público e a denuncia de se estar a cortar a eito no seu acesso, fez todo o sentido o ter juntado palavras minhas ao do meu mestre. Mas faltava falar sobre a conjugação do corte com a privatização, coisa que está acontecendo ao Serviço Nacional de Saúde. Corta-se um pouquinho e privatiza-se uma pinguinha. Mais um pouquinho mais uma gotinha. E, assim, lentamente, a coisa vai acontecendo. Há pois, na homilia de hoje, várias citações. E que me dizem, se numa homilia (daquelas de verdade), se juntasse às palavras do nazareno e do terreno as palavras do diabo?:
HOMILIA DE HOJE
«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.» - José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148
«Corte-se tudo, corte-se o salário e por via dele corte-se tudo o que compõe a refeição: a sopa, o vinho e o pão. Corte-se na educação, no recreio, no ensino e na canção. Corte-se na saúde, corte-se na pensão. Corte-se na vida apressando a morte. Cortem-se as asas, os horizontes e os caminhos sobretudo aqueles que possam conduzir à felicidade dos povos. E se ainda assim a ditadura do mercado permanecer insatisfeita, esfaqueie-se a democracia. Será um corte indolor pois que ela há muito que entrou em coma… e, já agora, corte-se essa canalhada desnecessária à eutanásia pois, como sabemos, não está legalizada.» - Rogério Pereira – Neste blogue, em 3.Outubro.2010
«Paulo Macedo executa um programa que defende o Serviço Nacional de Saúde.» - Correia de Campos, no DN de hoje
Caro Rogério
ResponderEliminarSou dos que procura encontrar alguns momentos de tranquilidade "espiritual" através da leitura. Sou um leitor atento das sua homilias (cheguei a ser um apóstolo, falhado é um facto). Talvez não tenha percebido bem o link do Correia de Campos. Mas não sou nada apologista da ideia do "volta que está perdoado". Há gente que cometeu gravissimos erros. Outros que os prosseguem, mas todos devem ser sujeitos ao "julgamento final".
Abraço
Rodrigo
Esta sim é uma Homilia mais verdadeira do que "aquelas,ditas,de verdade) e para ser lida com todos os sentidos bem despertos.
ResponderEliminarEspero mesmo que o livro 'Mudar', de Passos Coelho, seja uma arma contra o seu autor.
Ah! como espero!!!
Beijo
Já conhecia aquele texto de Saramago - é excelente!
ResponderEliminarO seu é muito mais incisivo - bolas!!! Cuidado com o Rogerito!...
(Também não entendi o Correia de Campos quando li no DN...)
Também conhecia o texto porque já li os Cadernos de Lanzerote!
ResponderEliminarQuanto a Correia de Campos, embora leitora do DN, hoje não tive oportunidade de o ler...talvez vá agora dar-lhe uma olhadela!
O dia foi muito agitado!
Abraço
Caro Rogério
ResponderEliminarNão sou das pessoas mais ligadas à política o que, no entanto, não me faz indiferente a ela. Me parece que frequentar teu "Conversa avinagrada" fará de mim alguém mais inteirada e "esperta". Saramago é um mestre e seus textos são e serão sempre uma iluminação.
Beijo.
Sigo contigo.
O Homem deveria ser a medida de tudo. Não o sendo, nenhum caminho irá dar a lado nenhum. Parece-me!
ResponderEliminarEstas palavras, todas elas, as de Saramago e as do Rogério têm um sabor amargo, uma certa forma de "descrença" à qual nunca nos entregaremos, ainda que ela nos vá mordendo, sorrateiramente, os calcanhares, todos os dias.
Lídia