15 janeiro, 2012

Homilias dominicais (citando Saramago) - 66

Alguns dos rostos que estão a orientar, com um aparente interrogar, 

Os rostos da foto e o link colocado na legenda, poderiam dar desenvolvimento diferente às reflexões de hoje. Voltarei a essa gente e ao que dizem e fazem, depois de completar a experiência por que estou a passar e às dificuldades sentidas em fazer chegar o meu livro às livrarias. Hoje mostro-os e dou-os apenas como enquadramento de uma questão que há muito ocupa o meu pensar e que é a questão do papel do intelectual enquanto cidadão e a sua influência (ou ausência dela) na marcha dos povos e da sua própria cultura.
Em homilia passada transcrevi um texto onde se dizia: "A morte de José Saramago é o fim simbólico de uma geração politicamente comprometida" e salientava o que dizia Rosa Mendes sobre o panorama da criação literária: "A criação portuguesa é muito virada para si própria, onírica e introspectiva". Nesse sentido há "um défice de real", e a realidade torna-se "sempre aquilo que estamos a viver dela"... Acrescento eu, com desalento: Saramago hoje não tinha qualquer hipótese de sobreviver como escritor, e digo-o com o sentimento de que há quem trabalhe para evitar que outros saramagos possam aparecer e a assegurar esse "défice de real" de que fala aquele jovem escritor.

HOMILIA DE HOJE 
“…queiramo-lo ou não, somos já parte culpada do nosso tempo, e inevitavelmente seremos julgados daqui a cinquenta anos por essa culpa. Bem mais sábio seria, propunha, examinarmos esses erros que estamos cometendo, e corrigi-los, se para tanto temos forças e coragem, ainda que a mesma sabedoria nos vá dizendo, como diz, que o erro é inseparável da acção justa, que a mentira é inseparável da verdade, que o homem é inseparável da sua negação. (...) parecia-me que muito mais necessário que «um novo enfoque pluralista, mas teoricamente coerente, das relações entre política e cultura, tecnologia e valores morais, ciência e complexidade, compromisso e solidão criadora», como reclamava o «Documento Fundador» – mais urgente do que todas estas aparentes urgências seria um exame rigoroso do estado actual do mundo, e também o lugar, a parte, a culpa ou a responsabilidade que nele têm os intelectuais de hoje – de hoje, meus senhores, de hoje. Afinal, os intelectuais dos anos 30 tinham muito menos dúvidas do que nós, que aparentamos tantas certezas. É graças a elas, suponho, que nos reunimos em congressos para definir «espaços culturais» e «fundar estratégias do fazer intelectual». Quando melhor faríamos em proclamar a necessidade duma insurreição moral dos intelectuais, sem distinção de alvos ou de épocas, e sem hierarquização absolutória ou condenatória dos crimes, e de quem os praticou ou está praticando. Sob pena, seja-me perdoada a banal metáfora, de lançarmos fora a criança no mesmo movimento com que nos dispomos a despejar a água suja do banho.
 José Saramago, in "Uma página, antes que esqueça..." 23.Abril.1994

11 comentários:

  1. Compreendo e partilho as preocupações aqui manifestadas. Até a cultura parece querer afunilar-se, elitizar-se, segundo critérios de qualidade subjetivos que servem aqueles que caem nas boas graças dos "académicos" e dos "livreiros", seguindo as tendências políticas e movimentos culturais dominantes. Terá sido sempre assim?

    Um beijo

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  2. Nunca recuso resposta a uma boa pergunta. Não, não era assim Lídia. Ainda hoje admito que haja portas que se abrem... Mas dantes, as editoras pautavam a sua actuação por outras linhas... A Portugália, a Europa America, a D. Quixote para não falar de outras, eram editoras com linha editorial conhecida e mais aberta aos novos autores... A própria Caminho está diferente. Tudo é tão difícil agora... E como se não bastasse, agora são também as distribuidoras... Como afirmei, irei retomar o tema, contando a experiência e as vicissitudes do meu próprio livro.

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  3. Caro Rogério
    A “mercantilização” de que está dependente a distribuição de um livro obedece hoje a critérios de “rentabilidade” e não de qualidade. Há vários autores que só se deram a conhecer através de uma qualquer cunha (divulgação foi feita nos media) e a partir daí passou a ser um bom negócio para as distribuidoras. Acredito que um dia, sem ser necessária qualquer cunha o seu livro vai ter a divulgação que merece.
    Abraço
    Rodrigo

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  4. «Quando melhor faríamos em proclamar a necessidade duma insurreição moral dos intelectuais, sem distinção de alvos ou de épocas, e sem hierarquização absolutória ou condenatória dos crimes, e de quem os praticou ou está praticando.»

    Meu querido amigo, porque será que "tudo" é tão difícil (para nós povo anónimo) neste nosso país?
    Acho que uma insurreição moral já não chega!

    Lute e não desanime, a qualidade do seu livro merece reconhecimento.


    beijinhos

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  5. As editoras não são diferentes, infelizmente, das outras empresas: investem só no que lhes dão lucros garantidos...nada mais.

    Qualidade? Oportunidade? Isso não(lhes) interessa.

    Um abraço, Rogério.

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  6. Meus caros, receio que ao falar nas dificuldades de venda do meu livro vos tenha afastado do essencial e que aqui repito, das palavras de Saramago:

    "...muito mais necessário que «um novo enfoque pluralista, mas teoricamente coerente, das relações entre política e cultura, tecnologia e valores morais, ciência e complexidade, compromisso e solidão criadora», como reclamava o «Documento Fundador» – mais urgente do que todas estas aparentes urgências seria um exame rigoroso do estado actual do mundo, e também o lugar, a parte, a culpa ou a responsabilidade que nele têm os intelectuais de hoje – de hoje, meus senhores, de hoje. Afinal, os intelectuais dos anos 30 tinham muito menos dúvidas do que nós, que aparentamos tantas certezas."

    O alerta é para dois factos:

    1º - Os nossos intelectuais não estão para aí virados
    2º - As distribuidoras estão, definitivamente, viradas para defender os interesses das grandes editoras e estas para assegurar a venda de oportunidades por elas próprias criadas... o escritor terá que se condicionar a essas regras do jogo.

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  7. Para quem quer e gosta de escrever (lavra palavras) como humildemente digo, tem duas hipóteses:
    - Alinha na "comercialização" e escreve "Best Sellers" de um dia na montra do hipermercado.
    - Escreve seriamente e sofre, sofre e um dia até pode "ter sorte"!!
    Peço desculpa: esqueci uma terceira!
    - Arranja forma de ir a uma televisão, mostra a capa berrante de um livro (literatura de aeroporto)e tem o êxito efémero garantido!
    Abraço

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  8. Nada de pessimismos, amigo Rogerito! Mas também lhe digo: como conseguem editar tantos livros copy/paste da Nora Roberts e outras parvas quejandas? Já para não falar das Júlias Pinheiro e das Fátimas Lopes. Grrr! Que nojo!

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  9. De facto é cada vez mais difícil SER-se, em Portugal é-o segura e particularmente mais. É disso testemunha viva o nosso Nobel José Saramago.

    Muito haveria a dizer sobre o tema, mas espero pelo próximo post.

    Beijinho

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  10. para mim ( e estou provavelmente errada) a arte a cultura, e algo que nao se deve pensar muito, e algo que acontece, algo que faz parte de nos. Algo que nos faz sorrir, chorar, sentir. E algo que nao devia ser usado para descriminar, o que eu acho bonito, ou interessante nao tem de ser o que a pessoa ao meu lado acha.

    Bjinhos
    Paula

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  11. Concordo plenamente com "uma insurreição moral dos intelectuais". De facto antes eram eles que tomavam a dianteira criando nas tertúlias dos cafés o embrião de muitas das revoluções. Hoje, de uma forma geral vivem muito mais virados para o seu umbigo, para os aplausos da plateia.
    A arte que é arte sempre foi subversiva, ela tem que ser sempre a vanguarda da inovação e do futuro, mas os valores artísticos também andam muito mal promovidos, basta olhar para o panorama dos TOP'S nas Livrarias e para os programas televisivos.
    Li o teu comentário sobre as grandes e tradicionais editoras. Infelizmente a Europa América que tantos anos nos serviu tão bem e que tantas vezes frequentei na minha juventude, fechou as suas portas no Porto há poucos meses.

    Beijos

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