Já fiz, há tempos, uma tentativa de juntar um texto meu ao seu, em plena homilia. Não voltei a fazê-lo pois parecia profanar um espaço que lhe era reservado, que tinha destinado a palavras suas. Passado todo este tempo, reflicto e resolvo-me pelo atrevimento de nem sequer o citar. Tento meter-me na sua alma, no seu sentir, no seu dizer... Na verdade, nem sei porque o faço. Talvez apenas por sentir a sua falta...
HOMILIA DE HOJE (sem qualquer citação)
Fechou-se muita coisa, lentamente, com dores locais de quem ia perdendo fábricas, barcos, searas, pomares, pequeno comércio, escolas, farmácias, urgências e atendimentos. O país reagia, mal se ouvindo as bocas que teimavam em não se fechar, por se terem fechado os acessos ao contraditório e à denúncia. Os telejornais não era a medo que passavam imagens de desgosto em cada rosto e focavam cada entrevistado para evidenciar a fraco argumento da alma que se não cala. As câmaras de reportagem recolhiam as imagens a mandar para o ar à hora de maior audiência, sem inocência, mas com a pedagógica missão de incutir que não vale a pena reclamar. Alguém determinou que era prioritário tornar a dor banal. Feito o treino inicial, passou-se a outra escala e dimensão agora: que se fechem mais fábricas, mais hortas, mais pomares, mais escolas, cresces, infantários, maternidades, urgências e hospitais. Que se fechem teatros, cinemas e óperas. Que se feche até esse ministério a que chegámos a chamar da cultura. Que se fechem universidades, aldeias, autarquias, que se mandem estaleiros para o estaleiro, que se fechem mais, muitas mais empresas, que se fechem carreiras de transportes, linhas de caminho-de-ferro, travessias marítimas e outros caminhos, para os adequar à procura pois é segura a tendência de não haver necessidade de ir a qualquer parte... Tudo tende a desaparecer. Até lá, que se fechem as bocas desses filhos da puta, para que não oiça a data em que anunciarão que o país vai ser fechado.
Rogério Pereira
NOTA : As partes sublinhadas a bold são a resposta, contidas no próprio texto, a questões que vieram a ser colocadas no espaço dos comentários.
Caro Rogério
ResponderEliminarCom palavras suas ou de Saramago, este era o texto que me apetecia escrever. Não imagina meu caro amigo como nele me revejo.
Mas sabe? O que verdadeiramente me apoquenta é que estamos sem resposta. Esses tais "filhos da puta" parecem ter o caminho livre. Chegou o tempo de levar a reclamação mais longe...
Abraço
Rodrigo
como semrpe fantasticamente escrito
ResponderEliminarNesta altura, a palavra nao devia ser fechar, devia ser abrir, mudar, por a andar, ir a luta. Sera preguiça?
Bjinhos
Paula
Com ou sem citações, o texto diz tudo e fala como Saramago gostaria de ver muitos portugueses a falar, sobretudo a agir.
ResponderEliminarCalam-se as vozes da maioria, porque ela ainda vive de expedientes, tal como os governos sucessivos os ensinaram, dando o exemplo.
Urge a acção, mas ela chegará tarde demais. Oxalá me engane.
Beijo
Ná
Por baixo de 'Rogério Pereira', permite que escreva 'Laura Abrantes'?
ResponderEliminarBeijo
Já tinha saudades de vir aqui. Apesar de, ou talvez por saber que poucas vozes nos devolvem a triste realidade como a sua.
ResponderEliminarAbraço grande
Rogério,
ResponderEliminarA revolta e o grito são, mais que legítimos, uma necessidade.
Abraço
"Alguém determinou que era prioritário tornar a dor banal", mas a dor nunca será banal e será do fundo mais fundo dessa dor, que estes "bandalhos" serão esmagados.
ResponderEliminarUm texto genialmente "avinagrado", justo, imperioso e que subscrevo totalmente.
Rogério, ando a comover-me com as suas "Almas Que Não Foram Fardadas", histórias de um tempo que vivi do lado de cá, muitas vezes com as lágrimas nos olhos, porque as famílas davam os filhos, os maridos, etc, no melhor da sua idade e ficavam também elas a passar mal. Nunca pensei que depois destes anos todos me sentisse tão desanimada como tenho andado e que voltasse a chorar, face às vidas de algumas famílias com que me tenho deparado no dia a dia, na minha actividade profissional.
Não tenho palavras para definir a tristeza e a desilusão que me vai na alma ao olhar para este país, não tenho palavras...
Beijos
Branca
Bem, tenho a dizer lhe que sabe muito bem, assim como Saramago ou ainda melhor, juntar as palavras. Fiz me seguidora!
ResponderEliminarSe tiver uns minutos a perder, passe no meu covil!
*http://oblogdasandracosta.blogspot.com/
Homilissimamente comentando, porque ainda é domingo, apetece-me dizer amén à sua última sentença. E reitero o "filhos da puta".
ResponderEliminarSóbrio, sem duplicação de imagens e por isso mesmo mais real.
ResponderEliminarUma realidade que parece não tocar aqueles que se contentam em ser os "coitadinhos", largando mão daquilo que define um verdadeiro homem, uma verdadeira mulher - a dignidade.
Por outro lado, onde estão as ações de repúdio e contestação a estas medidas, tomadas a um ritmo alucinante, perante apatia das organizações que, supostamente, teriam condições para mobilizar a sociedade civil?
L.B.
Posso assinar por baixo, substuindo o insulto às mães dos patifes pelo insulto aos próprios?
ResponderEliminarUma excelente semana...e também terei todo o gosto de que me autografe pessoalmente o livro, rrss
O país vai ser fechado? quando? avisa-me , sim? e nem fazem saldos?
ResponderEliminarkis .=)
Queridoamigo...ando atrasadota nas visitas...nota-se muito, né??? Mas hoje vim, antes de correr para as aulas....os alunos não esperam!
ResponderEliminarSaramago nem sempre é bem aceite pelos alunos...e eu já quase fiz o "pino"- que me está a falhar???? Se eu "vibro" porque não consigo fazer com que se entusiasmem? Nem que seja um pouco...é pedir muito? Não creio.
Obrigada...
Bj
Precisam-se mais "Rogérios".
ResponderEliminarUrgentemente!!!
Não gosto de deixar perguntas pertinentes sem a (minha) resposta, neste espaço de comentários. Por vezes falho, mas hoje tem de ser. Vamos lá ver:
ResponderEliminarA questão da Lídia Borges: "onde estão as ações de repúdio e contestação a estas medidas, tomadas a um ritmo alucinante, perante apatia das organizações que, supostamente, teriam condições para mobilizar a sociedade civil?". É uma pergunta que fica no ar, para além da resposta que já está no texto. Vou lá pôr a "negrito" algumas das das causas da apatia...
Blue Schell - A questão colocada: "Saramago nem sempre é bem aceite pelos alunos...Se eu "vibro" porque não consigo fazer com que se entusiasmem? Nem que seja um pouco...é pedir muito?" Eu já em tempos equacionei a questão sem, contudo lhe dar resposta. Acho que para se ler Saramago é preciso primeiro espalhar o amor pela leitura e fazer a introdução a temas que só alguém amadurecido está em condições de aprofundar. O amor e a morte são temas difíceis de abordar a um adolescente que tem a solicitação máxima para conteúdos estilo "Morangos com Açúcar"...
Não sei se outras opiniões poderão ser mais úteis... Eu fiz algumas tentativas em torno da "Maior Flor do Mundo...", até para evidenciar que não se trata de uma história SÓ para crianças... mas nem sequer as testei com os meus netos...
Excelente texto, uma simbiose perfeita.
ResponderEliminarÉ incrível todo o retrocesso a que deixamos que nos levem... deixamos, sim! Somos responsáveis por esta inércia de não dar sentido nenhum aos gritos que nos nascem. De os calarmos como se tívessemos de pedir desculpa por vermos o que vemos e sentirmos o que sentimos. Diria mais... por deixarmos que a força que temos nos braços seja, apenas e só, para obedecer.
ResponderEliminarAh não! Eu acredito nos olhos que lêem Saramago e que sabem que o que ele escreveu, aponta para o caminho certo. Um caminho onde a Humanidade é muito mais que esse jardim zoológico de predadores e presas em que nos tornámos.
Um abraço, Rogério
As tuas nas mãos de Saramago
ResponderEliminarQue não se calem
Abraço amigo
"Alguém determinou que era prioritário tornar a dor banal."
ResponderEliminarÉ mesmo essa a estratégia.
José Luís