A menina Amélia? Quem era? Escrevia eu, há quatro anos atrás, que "em meados da década de sessenta, tinha a menina Amélia cerca de 15 anitos, quando entrou naquela casa e passou ela a lavar a louça.
Mas, como indicador significativo, a quantidade de louça a lavar também reflecte o nível económico da família, pois numa família pobre, a louça é pouca. Aquela família, da classe média, usava os pratos todos e era significativo o número de talheres que a menina Amélia tinha que levantar da mesa. Exactamente seis: o casal, o Manuel e a Judite; o pai desta, o avô Garcia; três filhos, o Alberto, a Teresa e a Paula, a mais nova, que a menina Amélia sempre tratou por Paulinha.
A casa, uma moradia de dois pisos, quatro quartos e duas salas, davam trabalho na proporção e não era pouco. Sempre a somar, importa falar do quintal, onde, ao lado do galinheiro, numa pequena casa onde num tradicional tanque era lavada roupa, que os bons preceitos de higiene, determinava que fosse muita. Essa era também tarefa da menina Amélia, talvez aquela em que perdesse mais tempo pois a Paulinha gostava de dar à língua e a menina Amélia partilhava esse mesmo gosto, perante a aceitação paciente da Judite, a dona da casa.
Mais ou menos por essa altura, o Alberto frequentava a Academia Militar mas a folga da menina Amélia, decorrente dessa ausência, foi sol de pouca dura. É que, talvez uns três meses depois, entrei eu em cena. Ao casar com a Teresa, passei a habitar a casa e uns meses mais tarde, não muitos, nasceu a nossa filha João. E poucos anos depois, nasceu a Sandra. A menina Amélia manteve-se ao serviço, este mais aligeirado pela racional distribuição de tarefas e também por a menina Amélia não se sentir a criada para todo o serviço. Ela fazia parte da família e como tal, assim era tratada. Todos partilhavam com ela os seus sorrisos e as mulheres até cumplicidades. Mulheres, já não meninas. Menina, menina, só a Amélia.
Os anos foram passando. Primeiro o avô Garcia, depois o dono da casa. A menina Amélia partilhou connosco as suas silenciosas lágrimas. Com a morte do Manuel, a Judite veio viver para Oeiras e a menina Amélia por cá aparecia, não como mera visita, mas para ajudar num mundo de coisas, nomeadamente lavar a louça.
Falecida a Judite, a Teresa manteve-a. Falecida a sua (nossa) Teresinha, eu mantive-a e partilhámos juntos a dor de tão sentida partida.
O acordo é vir dar a volta à casa, deixando-a limpa e arrumada, de quinze e em quinze dias. Na semana passada esteve cá. Troca de roupas de cama, aspirar, passar a ferro, lavar chão e janelas, uma formiguinha ágil e trabalhadeira numa azáfama que não pára até à despedida.
Sexta-feira, ligou-me consternada: "Senhor Rogério, fiz o teste ao Covid e deu positivo". Falámos mais um pouco para detalhe do como terá acontecido e depois disso temos vindo a ligar um ao outro."
Hoje, visitei-a e falámos sobre as memórias que tínhamos. Estávamos nós nessa conversa, quando a nossa Poeta me ligou a comunicar que tivera alta. E lá fui de Benfica a Belém e, de pronto, leva-la a casa.
Amanhã direi do seu estado. Combinado?



















