Um livro que ainda não li, mas sei que fala de vivências que também vivi
Pode um homem procurar identidades com outro, até lhe assumir os tiques e procurar imitar-lhe palavras e ir até a um limite que a outros poderá parecer ridícula manifestação de perda da sua própria personalidade? Claro que pode. Pode e não surpreende. Acontece não só entre pessoas, mas entre pessoas e animais. Quem não se deu já por descobrir no rosto de gente, traços do cachorro que leva ao colo? É deslocada a comparação? Até pode ser... Mas não valorizo isso mais do que o valor em si mesmo, dos comportamentos que nos deveriam levar a identificar e a copiar quem admiramos. Em criança, garanto-vos que já fui "Tarzan", "Capitão Fantasma", "Pincipe Valente", "Tom Sawyer" e até "Mandrake. Juro-vos que nunca quis ser "Tin-Tin" ou o "Homem de Borracha". A humanidade estaria melhor se procurasse seguir os seus heróis, sabendo-os escolher. A humanidade estaria melhor se todos copiássemos humanos que valorizaram a marcha humana, ou pior se os modelos fossem déspotas, ditadores ou outros seres degenerados da raça. Tudo isto porque descubro a sobrevivência em mim dessa tendência de criança e "brinco" a sentir, para já, identidades com o meu herói. Saramago. Dou comigo a sentir a grata satisfação de ter frequentado a mesma escola. Dou comigo a ter o prazer de também ter, como ele, curiosidade por sinaleiros... Na sua autobiografia pode ler-se "Já eu tinha 13 ou 14 anos quando passámos, enfim, a viver numa casa (pequeníssima) só para nós: até aí sempre tínhamos habitado em partes de casa, com outras famílias."
A mim também me aconteceu viver assim... Porque julgam ter prometido à Jussara vir a falar da minha rua Morais Soares? Não me admirarei se em "Claraboia" vier a encontrar a dona Alice, o ti Zé Soeiro, o sr. Neto, a Geménia-a-russa, a Beta, o Wilson, a dona Perpétua... Se assim for não vale a pena eu escrever sobre o nº 27. Ele já terá escrito.
HOMILIA DE HOJE
Amanhã, não sei o que serei. Talvez desempregado. Não seria a primeira vez… Ignoro se sabe o que é estar sem trabalho, sem dinheiro e sem casa. Eu sei.
Quando a fita acabou, seguiu uma mulher. Na rua, perdeu-a de vista e não se importou. Ficou parado no passeio, a sorrir para o monumento aos Restauradores. Pensou que com um simples pulo ficaria em cima da pirâmide, mas não deu o pulo. Esteve mais de dez minutos a olhar o sinaleiro e a ouvir o apito. Achava tudo divertido, e via as pessoas e as coisas como se as estivesse vendo pela primeira vez, como se tivesse recuperado a vista após muitos anos de cegueira.
Rogério
ResponderEliminarAinda não li "Claraboia".
Mas "Amanhã, não sei o que serei." Talvez desempregada e sei que hoje trago o sarro na alma. É assim que ela está, sem capacidade de ver "as pessoas e as coisas como se as estivesse vendo pela primeira vez".
Quanto a identificar-se com Saramago, digo-lhe que faz muito bem. Sinceramente, até o invejo. É que eu já não me identifico com ninguém. Nem com a que fui.
Beijo
Querida Acácia, minha flor vermelha,
ResponderEliminarQuando não encontrar refúgio em si mesma, na Sua Alma ou em Seu Contrário, encontre uma ideia, um ideal ou alguém com quem se sinta bem...
Uma mulher forte como (sei que) é, não quebra por estar amargurada. Não há amargura que não passe...
Ainda nada li sobre este livro, mas estou ansiosa por o ter nas mãos.
ResponderEliminarIa-me 'perdendo' nos comentários anteriores. Há dias em que tudo parece fugir-nos e ficamos quase perdidos. Depois acordamos para a vida e tudo continua...
Também ainda não li "Claraboia", nem sei mesmo se o vou ler, no entanto, esse jogo de identidades faz-me lembrar um outro romance dele "O homem duplicado".
ResponderEliminarAinda não li Saramago. O dia chegará. Mas ler você é delicioso e certeza de aprendizado! Mesmo que ele já tenha escrito, gostaria de conhecer o no. 27 contado por você.
ResponderEliminarGirassóis nos seus dias. Beijos.
Post de domingo com gostinho de quero mais.
ResponderEliminarTambém não li, irei providenciar a solução de tamanha falha.
Um grande bj
Tanta gente que, naqueles tristes anos 40 e 50 viveram em partes de casa e em quartos alugados! Que vivência estranha para os nossos filhos (e até para mim que tive a sorte de nascer e viver até aos dez anos numa casa alugada com seis assoalhadas porque o meu avô era tecelão numa fábrica de texteis em Algés e ganhava bem) e que receio bem tenha que voltar a ser quase habitual. Como isto está, parece-me que vamos ter de retroceder até àqueles tristes, lúgubres, cinzentos aanos da ditadura.
ResponderEliminar(Desculpe-me o pessimismo, mas é como me sinto)
Também vou ler Clarabóia, claro! Mas ainda não comprei - tenho uma pilha de livros em espera...
Beijinho (algo outonal)
Meu amigo;
ResponderEliminarTalvez por causa do tempo...hoje estou nostálgica e a sua homilia fez-me voltar à infância.
Também vivi numa casa partilhada e curiosamente tive um tio que era polícia sinaleiro mesmo em frente da estação de Belém e que eu adorava ver...tantas recordações...
Um livro que não vou perder.
beijinhos e bom resto de domingo
Que não se sinta quem não leu.
ResponderEliminarO livro tem poucas semanas de edição.
O link para "Claraboia" remete-nos para um blogue que vale a pena visitar. Soube aí, que as editoras de então lhe recusaram a publicação...
É isso mesmo, Rogério, as editoras de então lhe recusaram a publicação... e penso mesmo, que "Claraboia" é um "pecadito" da mocidade, que a viúva descobriu algures e, aproveitou para fazer dinheiro.
ResponderEliminarOuvi Pilar falar de "Clarabóia" numa entrevista. O romance foi terminado em 1953 e assinado com o pseudónimo de Honorato.
ResponderEliminarJá mo ofereceram. (Quase todos os livros de Saramago me foram oferecidos. Por exemplo Caim, recebi-o de presente, três vezes) A família sabe que é uma aposta ganha.
Neste momento, tenho dificuldades em ler aquilo que quero. Outros projectos se impõem, ocupando-me todo o tempo. Ainda não li o livro, mas não tenho dúvidas de que, apesar dos 31 anos de idade do autor, o texto valerá a pena, até porque a realidade do país nos anos 50 não estará assim tão distante, lamentavelmente.
Um beijo
L.B.
Vamos ler, todos, "Claraboia" e encontrar algo de nós.
ResponderEliminarÉ assim Saramago.
Abraço
ao fim de quanto tempo ja nao saberiamos quem esta a seguir quem??
ResponderEliminarVou ver se consigo comprar o livro por aqui
Bjinhos
Paula
Olá Rogério!! Tudo bem? Adorei o teu blog e teus escritos. Idéias claras e objetivas! Parabéns! Já estou te seguindo!
ResponderEliminarSou músico e escritor. Reuni meus videos, crônicas e músicas aqui no www.diegoschaun.com.br
Quando puder, dê uma passada. Abraços!
Boa semana,
Diego
Caro Rogério
ResponderEliminarRevejo-me neste excerto:
"Amanhã, não sei o que serei. Talvez desempregado. Não seria a primeira vez… Ignoro se sabe o que é estar sem trabalho, sem dinheiro e sem casa. Eu sei".
Recordo também que Saramago, foi despedido do Diário de Notícias junto com outros jornalistas de esquerda. Não arranjou emprego. Embora nessa altura tivesse surgido "O Diário" onde não teve lugar. Num sítio qualquer ele queixa-se disso.
Abraço
mais um magnifico comentario
ResponderEliminarobrigada
silhuetas... sim gosto
Bjinhos
Paula
Estou com intenção de ler o livro, claro. O último que li foi "A Viagem do Elefante" e gostei bastante.
ResponderEliminarBons sonhos
Obrigada Rogério pela sugestão. Gostei muito do que li por aqui. Ontem passei sem muito tempo para escrever e não li o post. Curiosamente tinha estado com o livro na mão na Livraria Leitura, uma grande e tradicional livraria do Porto, pensei adquiri-lo, mas hesitei por ter muitos por ler e impostos acabados de pagar e outros para pagar e os subsídios cortados. Mas enfim, como já sabemos disso e por isso mesmo vou a correr amanhã adquiri-lo antes que fuja, porque o que aqui li, não me deixou dúvidas de que vou ficar deslumbrada om a leitura.
ResponderEliminarBeijos