15 novembro, 2017

A luta dos professores, a procura da dignidade perdida e a história da carochinha


Na procura da dignidade perdida a luta dos professores deu um pequeno (grande) passo em frente. Alguém comentava por aí, alardeando um decreto de 1936, que sim senhor, que concordava com a luta dos professores mas deixava como reparo que a sua situação melhorou muito depois do 25 de Abril. E afirmava ter certeza que alguns deles ainda se lembram muito bem do que o Estado Novo impunha às professoras.

Lembrar o fascismo é sempre louvável, para que não nos matem a memória, mas tal comparação no contexto da luta de hoje soa a um "calem-se lá, que isto já esteve bem pior". Lá deixei um comentário a apontar-lhe que de facto já tinha melhorado antes de ficar péssimo. E como em assuntos de classe, nada melhor que passar a palavra a quem sabe da poda*, cá vai, a partir de uma conhecida história:
«“Quem quer casar com a Carochinha que é tão formosa e bonitinha?” Muitos foram os pretendentes que se sentiram atraídos pelo convite da formosa Carochinha, que a todos rejeitou. João Ratão, o aparente felizardo por ela escolhido, como sabemos, acabou no caldeirão.

“Quem quer ser professor, uma profissão tão digna e de inegável valor?” Sabemos a resposta a esta pergunta, bem como conhecemos a opinião dos estudantes portugueses acerca dos seus professores. Podemos adivinhar (sem grandes probabilidades de erro) os seus motivos.

Comecemos pela resposta à pergunta. Segundo um estudo realizado para o Conselho Nacional de Educação (CNE) a partir do relatório dos testes PISA de 2015, somente 1,5% dos estudantes portugueses que fizeram esses testes consideram a possibilidade de virem a ser professores. Avancemos para as opiniões que os alunos têm dos seus professores. 

É também uma publicação do CNE que dá a conhecer que, segundo os dados dos testes PISA, em 2012 os alunos portugueses estavam entre os que, percentualmente, mais respostas afirmativas davam no que se refere a sentirem-se felizes na escola e a terem um bom relacionamento com os professores; a percentagem dos que se sentiam postos de parte por eles era mínima. A quantidade de estudantes portugueses que afirmavam relacionar-se bem com os professores (86%) contrastava, nomeadamente, com a dos finlandeses (43%).

Porquê, então, um tão baixo desejo dos jovens em optarem pela profissão de professor? Não será difícil encontrar resposta(s) para esta última questão. Difícil é abordar todos os motivos possíveis no espaço deste artigo.

A figura do professor sofreu uma desvalorização social enorme. Todos se lembrarão da imagem do professor preguiçoso, que trabalha pouco e falta muito, divulgada por uma ministra que, a reboque de tal imagem, retirou direitos aos docentes, aumentou-lhes o horário de trabalho e a carga burocrática.

Todos ouvem anualmente, nas notícias, o drama que vivem muitos professores, que chegam aos 50 anos de idade sem garantia de trabalho e sem estabilidade familiar, com a casa às costas de ano para ano ou de mês para mês. Atrás vem o drama dos filhos: a escola que vão frequentar, com quem ficam. Vem o drama da economia familiar: o baixo ordenado derretido nas viagens e, eventualmente, no aluguer de um alojamento.
E as diversas e indefinidas componentes do horário, cuja definição os professores têm vindo a exigir sem que a tutela lhes dê ouvidos? Falarei só da componente letiva e da não letiva. Esperar-se-ia que da não letiva estivessem excluídas as atividades com alunos, como, por exemplo, apoios individualizados, aulas de apoio ao estudo ou coadjuvação em sala de aula, mas tal não acontece. E assim, de forma mascarada, aumenta-se o horário de trabalho dos docentes e o seu consequente desgaste e diminui-se artificialmente a “necessidade” de contratação de novos professores.

Impensável é também o que se perspetiva no Orçamento de Estado em discussão: a função pública terá as suas carreiras descongeladas no próximo mês de janeiro, após mais de nove anos de congelamento, sendo o tempo de congelamento contado para progressão com mecanismos de faseamento. Deste processo estão excluídos os docentes, a quem está destinado o apagamento de nove anos da sua vida profissional, com a perda salarial que tal implica. Dizem os responsáveis governamentais que tal sucede por a sua progressão se fazer apenas por tempo de serviço. Contudo, os professores só podem mudar de escalão se, cumulativamente, obtiverem Bom, no mínimo, na avaliação a que são sujeitos obrigatoriamente, e se tiverem frequentado, com sucesso, um mínimo de 50 horas de formação.

Já vai longa a lista de “contras” na hora de tomar a decisão de ser professor. Perante este caldeirão fumegante, os pretendentes afastam-se assustados. De resto, já não conseguindo a profissão docente mostrar-se tão sedutora como a Carochinha da nossa história, revela-se, no entanto, igualmente inatingível, rejeitando aqueles que a ela querem aceder. O último relatório Perfil do Docente, do Ministério da Educação, mostrava que, num universo de 104 386 docentes da escola pública, em 2015/2016, apenas 383 tinham menos de 30 anos. No 2.º ciclo de escolaridade, por exemplo, 48% dos docentes tinham 50 anos de idade ou mais e 34,6% estavam na casa dos quarenta. Quantas histórias de emprego precário e mal pago e de vida pessoal e familiar instável se encontram nos docentes que vivem os seus “quarenta”!(...)»

*Armanda Zenhas Mestre em Educação, área de especialização em Formação Psicológica de Professores, pela Universidade do Minho. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, nas variantes de Estudos Portugueses e Ingleses e de Estudos Ingleses e Alemães, e concluiu o curso do Magistério Primário (Porto). É PQA do grupo 220 no agrupamento de Escolas Eng. Fernando Pinto de Oliveira e autora de livros na área da educação. É também mãe de dois filhos.

4 comentários:

  1. A vida eles está difícil.
    O que acho mais horrível é a falta de vagas para todos (com tantos miúdos ao molho) e para os que há, as colocações são ridículas.

    Beijinhos, Diana.

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  2. Concordo e partilho.

    Abraço gde!


    Maria João

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  3. E contaram-nos mais uma historiazinha para nos mandarem de volta para casa, ontem, depois de um dia de greve e muitos quilómetros de autocarro...

    Beijinhos, Rogério :)

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  4. Quem quer trabalhar para aquecer?
    Hão querê-los e não os hão de ter. Já são poucos os novos e, muitos destes, só o são por não terem conseguido médias para aceder a outros cursos. Com isto tudo, inevitáveis as "fragilidades", incompatíveis com o perfil desejável do professor. Este tem de correr para acompanhar a velocidade a que a sociedade muda e adaptar-se a essas mudanças em tempo útil. Um professor tem de estar sempre em formação e... não pode porque o dia só tem 24 horas. Aliás, o verdadeiro problema de um professor consciente (tirando os outros todos) é mesmo este: o dia ter apenas 24 horas.
    Acho que muitos dos governantes não devem saber lá muito bem o que é um professor e qual a sua principal função. Talvez num próximo Web Summit apareça um robô que o substitua e teremos então o problema resolvido. Haja fé!

    Lídia

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