Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Álvaro de Campos
LISBON REVISITED (1923)
Da companhia
Até há pouco era bom ser sozinho.
Mesmo não sendo sozinho
saber como fazer para ser sozinho:
um recanto qualquer onde a luz não magoasse,
uma música miúda para encostar a cabeça,
um bloco de notas, um lápis…
Quando escrevo, esqueço-me
mesmo que pela lembrança,
seja o esquecimento.
Não há como chegar inteiro ao presente
Sem calcorrear o passado.
O pior de tudo agora é
saber como ir ao Futuro.
Mas… havemos de ir ao futuro,
assim nos garante Filipa Leal, num poema,
e eu acredito. Eu acredito.
Todavia acontece que nesta primavera
sem marços, sem nardos
as palavras massacram-me, molestam-me
e as leituras ardem-me nos olhos
como lágrimas artificiais às quais
faço sérias alergia.
E de repente,
gostava que me pegassem no braço,
de pegar noutro braço
e outros braços se dessem
e, por um dia que fosse,
sermos muitos os “da companhia”.
O que eu mais queria,
nesta primavera sem marços nem nardos,
era abraçar as pessoas todas da minha rua.
[Mas onde estão as pessoas todas
da minha rua que as não oiço,
que as não sinto?]
Lídia Borges
_________________
Fui à "Seara" roubar este poema. Vou dizê-lo à janela. E no final, em tom gritado, vou
desafiar as pessoas do meu bairro. Todos me ouvirão? Julgo que não.
Vivemos num mundo surdo e mudo. Ainda sem abraços
Um poema de superior qualidade literária. Uma publicação bem conseguida.
ResponderEliminarO que me move
Eliminare me comove
não é a arte
mas as emoções
que promove
Lídia Borges sabe expressar-se!! Há muito que não a visito.
ResponderEliminarTem bom remédio, Catarina
Eliminarpasse a visitar a "Seara" da Lídia
Eu sintonizo absolutamente com o Álvaro de Campos, pois também eu, não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinha.
ResponderEliminarO POEMA de Lídia Borges é de grande qualidade poética e literária.
O “roubo” só merece elogios.
Mais só que mal acompanhado
Eliminararredadas as más companhias
as que me cercam me dão o braço
desejo as boas, todas, todas
do ao meu lado
E sinto-as
Concordo mais com a Poetisa do que com o heterónimo de Pessoa.
ResponderEliminarSer sozinho sem o ser
é estarmos sós quando queremos.
É melhor ser de companhia, do que querer ter companhia e ser sozinho.
Gosto muito da forma prática e, simultâneamente, sensível de encarar o mundo da Poesia, como o faz Lídia Borges.
Um furto desses não é crime, nem tem pena prevista pela lei.
ADOREI! :)
Um abraço.
"É melhor ser de companhia, do que querer ter companhia e ser sozinho."
EliminarIsso!
Abraço
Leio a Lídia sempre que consigo entrar no computador sem ser para descansar os olhos e ouvir uma musiqueta ou "ver" uma série que já vi seis ou sete vezes, mas confesso que nunca esteve nos meus planos ser uma pessoa "de companhia", tal como nunca me passou pela cabeça escrever "poemas de companhia" :)
ResponderEliminarMuitas das pessoas da minha rua estão em confinamento, segundo ouvi dizer num dos raríssimos dias em que arranjei forças para caminhar dez metros até ao café da esquina. Espero que vão votar mais logo, entre as 18 e as 19h. Eu, dependente sem ser "de companhia" - porque peso - irei votar assim que o MR vier com a velha cadeira de rodas.
Forte abraço!
Bastava saber que contámos com o teu voto
Eliminarpara continuar a lutar pelo que sempre tenho lutado
Forte abraço
Ser da "companhia" pode querer dizer, apenas, sermos um Todo interessado, preocupado e empenhado para que a nossa Historia coletiva siga o seu rumo pelos caminhos do Humanismo, que é o mesmo que dizer, por caminhos onde todos tenham as condições essenciais para uma vida digna.
ResponderEliminarEu já votei. E verifiquei que as pessoas da minha rua estão hoje mais "activas". Fiquei contente.
Um abraço,
Lídia
Gosto muito de ser "da companhia", não "de companhia", Lídia. Reparei na diferença :)
EliminarUm abraço!
Confirmo, hoje
Eliminarque as gentes do meu bairro
estão conforme o Mundo
que se queda
surdo
e mudo
Fiquei triste
mas nada
me pára
Beijos às duas
Abraço grande, Rogério!
EliminarA luta continua!
Há um tempo para tudo, tempo de estar só e tempo de dar as mãos!
ResponderEliminarSempre estive no tempo de dar as mãos...
EliminarQue grandes verdades!
ResponderEliminarUma edição e escolhas muito boas para o dia que vivemos!
Abraço amigo.
Contudo
Eliminaras grandes verdades
não as suporta o Mundo
Abraço
[E de repente,
ResponderEliminargostava que me pegassem no braço,
de pegar noutro braço
e outros braços se dessem
e, por um dia que fosse,
sermos muitos os “da companhia”]
Está tudo nesta estrofe, é pena que muitos nos tentem desviar do rumo certo, com amanhãs que cantam. Por mim não falhei à chamada e lá depositei o meu voto.
Um abraço
Força, amigo!
EliminarE não são apenas derrotas
que nos derrotam
Abraço