DESAMPARADOS
Levantam-se todos os dias
cedo ou tarde
para trabalhar
para procurar trabalho
para decifrar o latim de promessas vãs
para catar restos em caixotes do lixo
nas traseiras dos hipermercados
para descer os degraus corroídos da loucura
para mirar o horizonte embaciado, sem barcos.
Sofrem sem que uma
só esperança lhes minta.
No fim do dia voltam a casa
para a sopa que lhes afaga o corpo cansado
para os cartões no chão
onde se deitam como reis
sobre a sua pobreza.
Levantam-se,
muitos anos mais velhos, a cada dia
cedo ou tarde
para trabalhar
para procurar trabalho
para decifrar o latim de vãs promessas
para catar restos em caixotes do lixo
nas traseiras dos hipermercados
para descer os degraus corroídos da loucura
para mirar o horizonte embaciado, sem barcos.
E nenhum vento que os perturbe.
Esquecem-se de sofrer. Já nenhuma miséria lhes falta.
Lídia Borges, in "Searas de Versos"
NOTA: Tenho presente que a celebração deste dia foi ideia das instituições bancárias... como aqui se documenta
Comentei lá do outro lado. Disse que a atualidade das palavras nem sempre é motivo de satisfação. Agora digo que poupar não se aplica a quem de seu só tem a pobreza. Entranha-se e alastra, passa de pais para filhos como uma doença hereditária.
ResponderEliminarFique bem,
Lídia
Tem toda a razão, Lídia: a actualidade das palavras raramente é motivo de satisfação. Tão pouco a sua veracidade é louvada ou sequer reconhecida, nos tempos que correm.
EliminarParabéns por mais este belíssimo poema, que já conhecia dos meus passeios diários pela sua seara.
Um beijo para si e um forte abraço para o Rogério.
Lídia e Maria João
EliminarEste dia é de triste ironia.
E subscrevo o que a Maria João considerou
"um belíssimo poema"
Abreijos às duas
Boa tarde Rogério
ResponderEliminarEscolheu um poema da Lídia Borges, intenso e muito realista.
Doi ler e ver tantas coisas que não deviam existir.
Boa semana.
:(
Meu querido SOL
Eliminar"tantas coisas que não deviam existir"
A celebração desde dia é uma cínica ironia.
Beijo
Como é possível poupar migalhas quando só se tem migalhas ou nem migalhas se tem?
ResponderEliminarAbraço, Rogério.
Sim, como é possível?
Eliminar(Gostei de te ver por aqui)
Abraço amigo
Muito lindo poema, diz as verdades que nunca são corrigidas e nunca serão; diz todo o sofrimento de milhões de famílias, mostra as desigualdades, a mesquinhez e uma avidez enorme pelo eterno poder.
ResponderEliminarAplausos e um abraço para Lídia Borges.
Beijo.
Meu caro Rogério
ResponderEliminarBelíssimo poema de Lídia Jorge e tal como ela digo "que a actualidade das palavras nem sempre é motivo de satisfação". Isto quer dizer que lutamos todos os dias, continuamos a lutar e não nos libertamos desta maldita herança. Ricos cada mais ricos e pobres cada vez mais pobres.
Um abraço