DISCURSO TARDIO À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO*
Éramos jovens: falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o vero; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.
Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
de ventre, espaço denso, redondo maduro,
dizias; espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave –
repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.
Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela a não tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.
Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.
Catarina, ou José – o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?Eugénio de Andrade
(*) Para quem queira saber quem foi José Dias Coelho
convido a visitar aqui o Museu do Neo-Realismo
Associo-me à homenagem.
ResponderEliminarEstamos juntos!
Eliminar"Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada,
ResponderEliminarsem o teu peito liso e claro como um dia de vento,
e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste,
hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome,
pelas ruas álgidas onde tu não passas,
a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras,
arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente,
até que outra boca – e sempre a tua boca – comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros,
encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu.
"Primeiramente" de Eugénio de Andrade.
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Bem escolhido. Liiinnndo!
EliminarTambém o recordei no Facebook mas com um poema musicado!
ResponderEliminar19 de Dezembro também está gravado no meu coração!
Abraço
Vou lá espreitar! Não posso perder...
EliminarAbraço
Luís Cília
Eliminar... a voz que tão bem calha, a não perder
Eliminarhttps://youtu.be/UeRliejAvHw
Não estava no Fundão, quando ele nasceu.
ResponderEliminarEstava sim, no PORTO, quando ele morreu.
Visitei, graças ao teu link, o Museu do Neo-Realismo.
Um museu muitíssimo interessante.
Não, não morreu...
EliminarQuanto ao Museu... mereço uma sova: ainda não o visitei
bonita homenagem.
ResponderEliminarnão conheci este poema do Eugénio de Andrade.
Gostei de saber mais sobre o José Dias Coelho.
Obrigada!
Bom fim-de-semana com saúde e harmonia.
:)
Meu caro
ResponderEliminarPalavras para quê?
Linda homenagem.
Eugénio de Andrade e José Dias Coelho,
Esta estrofe de Zeca Afonso
"O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vai dizendo em toda a parte o pintor morreu"
Abraço