19 janeiro, 2023

EUGÉNIO DE ANDRADE, PODIA EU LÁ PASSAR A CELEBRAÇÃO DO CENTENÁRIO


 DISCURSO TARDIO À MEMÓRIA DE JOSÉ DIAS COELHO*

Éramos jovens: falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o vero; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.

Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
de ventre, espaço denso, redondo maduro,

dizias; espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave –
repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.

Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela a não tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.

Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.

Catarina, ou José – o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?
Eugénio de Andrade

(*) Para quem queira saber quem foi José Dias Coelho
convido a visitar aqui o Museu do Neo-Realismo

 

12 comentários:

  1. "Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada,
    sem o teu peito liso e claro como um dia de vento,
    e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste,
    hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus.
    E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome,
    pelas ruas álgidas onde tu não passas,
    a solidão aberta nos dedos como um cravo.
    Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras,
    arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente,
    até que outra boca – e sempre a tua boca – comece de novo a nascer na minha boca.

    Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros,
    encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu.


    "Primeiramente" de Eugénio de Andrade.

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  2. Também o recordei no Facebook mas com um poema musicado!
    19 de Dezembro também está gravado no meu coração!

    Abraço

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    1. Vou lá espreitar! Não posso perder...

      Abraço

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    2. Luís Cília

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    3. ... a voz que tão bem calha, a não perder
      https://youtu.be/UeRliejAvHw

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  3. Não estava no Fundão, quando ele nasceu.
    Estava sim, no PORTO, quando ele morreu.

    Visitei, graças ao teu link, o Museu do Neo-Realismo.
    Um museu muitíssimo interessante.

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    1. Não, não morreu...
      Quanto ao Museu... mereço uma sova: ainda não o visitei

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  4. bonita homenagem.
    não conheci este poema do Eugénio de Andrade.
    Gostei de saber mais sobre o José Dias Coelho.
    Obrigada!
    Bom fim-de-semana com saúde e harmonia.
    :)

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  5. Meu caro
    Palavras para quê?
    Linda homenagem.
    Eugénio de Andrade e José Dias Coelho,
    Esta estrofe de Zeca Afonso
    "O vento que dá nas canas do canavial
    E a foice duma ceifeira de Portugal
    E o som da bigorna como um clarim do céu
    Vai dizendo em toda a parte o pintor morreu"
    Abraço

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