Uma amiga, num comentário à minha anterior homilia, escreveu: "Admirar José Saramago, para mim, não será razão válida para concordar com tudo o que ele disse e escreveu.". Tem razão. Não concordei com ele em várias coisas e em algumas até se enganou nas expectativas que tinha (e que por as ter também as ampliou, a quem o leu). É o caso da frase com que encerra este escrito seu. Mas se discordo dele numa frase, num paragrafo ou num texto - inteiro que seja -, logo vêm a seguir mil frases, mil parágrafos ou mil textos onde a concordância, para além de poder (ou não) existir, me faz pensar (ou fazer entrar em desassossego) que é coisa que tende a desaparecer mesmo a quem teria, por dever de oficio, a obrigação de o fazer:
HOMILIA DE HOJE
José Saramago, in Eduardo Galeano"Grande alvoroço nas redacções dos jornais, rádios e televisões de todo o mundo. Chávez aproxima-se de Obama com um livro na mão, é evidente que qualquer pessoa de bom senso achará que a ocasião para pedir um autógrafo ao presidente dos Estados Unidos é muito mal escolhida, ali, em plena reunião da cimeira, mas, afinal, não, trata-se antes de uma delicada oferta de chefe de Estado a chefe de Estado, nada menos que As veias abertas da América Latina de Eduardo Galeano. Claro que o gesto leva água no bico. Chávez terá pensado: “Este Obama não sabe nada de nós, quase que ainda não tinha nascido, Galeano lhe ensinará”. Esperemos que assim seja. O mais interessante, porém, além de se terem esgotado As veias na Amazon, as quais passaram num instante de um modestíssimo lugar na tabela de vendas à glória comercial do “best-seller”, de cinquenta e tal mil a segundo na classificação, foi o rápido e parecia que concertado aparecimento de comentários negativos, sobretudo na imprensa, tratando de desqualificar, embora num caso ou noutro com certos matizes benevolentes, o livro de Eduardo Galeano, insistindo em que a obra, além de se exceder em análises mal fundamentadas e em marcados preconceitos ideológicos, estava desactualizada em relação à realidade presente. Ora, As veias abertas da América Latina foi publicada em 1971, há quase quarenta anos, portanto, a não ser que o seu autor fosse uma espécie de Nostradamus, só com um hercúleo esforço imaginativo seria capaz de adiantar a realidade de 2009, tão diferente já dos anos imediatamente anteriores. A denúncia dos apressados comentadores, além de mal intencionada, é bastante ridícula, tanto como o seria a acusação de que a História verdadeira da conquista da Nova Espanha, por exemplo, escrita no século XVII por Bernal Díaz del Castillo, abunda, também ela, em análises mal fundamentadas e em marcadíssimos preconceitos ideológicos. A verdade é que quem pretender ser informado sobre o que se passou na América, naquela América, desde o século XV, só ganhará em ler o livro de Eduardo Galeano. O mal daqueles e outros comentadores que enxameiam por aí é saberem pouco de História. Agora só nos falta ver como aproveitará Barack Obama da leitura de As veias abertas. Bom aluno parece ser."
Concordo inteiramente, que quanto mais fontes literárias ou outras tivermos, mais reflectimos, independentemente da concordância ou não com o que lemos. E não podia estar mais de acordo com Saramago, que o conhecimento da História é fundamental para conhecer e saber interpretar o presente e faz muita falta a muitos comentadores e não só...
ResponderEliminarbeijinho e boa semana
Os críticos do Galeano são mal-intencionados, como bem diz, Saramago, e demonstraram ignorância da História da América Latina. Que leiam Galeano para aprender!
ResponderEliminarComo sempre, excelente post!
Girassóis nos seus dias.
Beijos
Será que Obama já leu o livro que Chavéz lhe ofereceu?
ResponderEliminarSe o leu, não aprendeu nada...
Um abraço.
Pois é amigo Rogério, nem sempre estamos de acordo com tudo, mesmo com algumas passagens de Saramago, mas o que conta
ResponderEliminaré o seu todo, e esse é verdadeiramente único!
Esperemos que Obama aprenda alguma coisa, bem precisa.
Beijinho
Ná
Com o grande Saramago
ResponderEliminaraté aprendemos a discordar
e após a leitura a aplaudi-lo
nao devemos concordar em tudo com as pessoas que admiramos, senao nao ha nada para conversarmos e aprender :)
ResponderEliminarBjinhos
Paula
Não sabia nada disto, amigo Rogerito! Ainda bem que se aprende ao virmos aqui.
ResponderEliminarObrigada e... bons textos e bons ensinamentos.
Beijo
Podemos admirar sempre a inteligência de quem quer que seja, embora por vezes se lamente a utilização que faz dela. O que não é obviamente o caso de Saramago.
ResponderEliminarBoa semana