17 setembro, 2011

"Morangos com Açúcar"

Afagou com os dedos (decididos) os contornos da secretária e depois, com a palma da mão, o tampo como se acariciasse alguém muito íntimo. O olhar, sem vestígios de resignação, percorreu a vazia sala. Estava ali sentada, mais uma vez, já depois de estar aposentada. Agora à espera, naquela sala parecida a tantas. Quantas, sem conta, conhecera na vida de professora? Os rostos e os nomes dos alunos, com esforço, juraria os ter na memória bastando para tal reconstruir os locais onde leccionou. Ia pensando neles, enquanto continuava olhando em volta: a porta de entrada (das que se lembrava, deixava-as sempre abertas); as carteiras em fila; as paredes com desenhos, pinturas e colagens. O quadro e, por cima dele, as ausências de crucifixos e das sinistras fotos dos governantes de tempos idos. Levantou-se e aproximou-se da janela para olhar o pátio através dela. Na proximidade do Outono, folhas amareladas atapetavam o piso cimentado. com traçados de jogos meio apagados O vento, dolente, apenas levantava uma ou outra folha  como se todas as outras, em maioria, não fossem dignas de voar. Sentiu-se, por momentos, a folha que voava  pois a alma poética conduziu-a a essa identificação, mas logo se arrependeu desse sentir, e sorriu ao ver as folhas que voavam juntar-se às outras. "a classe volta a unir-se", pensou com ironia. Encostou a testa ao vidro calcando as rugas, pequenas mas firmes, contra à frescura da janela. Esteve assim tempos sem fim e sem se dar conta de que o pátio, lentamente, se ia enchendo de gente. Gente muito jovem, que conversava e gesticulava com tique da telenovela. Vestindo como na telenovela. Sorrindo como na telenovela. Apenas um pensamento lhe acudiu: como seriam eles, confrontados entre as dificuldades da vida e a futilidade dos dias? De repente a voz de quem esperava interrompeu o que pensava: - "Doutora, em principio pode continuar o seu trabalho. Apesar do Plano Nacional de Leitura ser um organismo a eliminar, ir-se-á  assegurar a actividade, não sabemos ainda em que termos... Ligue amanhã, pode ser?" Claro que podia ser...  Saiu. Nem por um só momento lhe atormentou a incerteza da continuidade do projecto que ia abraçar. Podia lá ser depois dos resultados já alcançados. Que pena, deixar a juventude à mercê dos morangos... com açúcar.... E com este pensamento encaminhou-se para casa, decidida a telefonar no dia seguinte.

16 comentários:

  1. Não, não é uma geração à rasca...é uma geração morangueira perfeitamente alienada a que se está aboborando.

    E à rasca , muito mais à rasca, foram as de antes de Abril!

    Um bom domingo

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  2. é sempre bom insistir, mesmo que de antemão já saibamos o não

    mas desestabilizamos e xateamos

    há tanta coisa inútil, mas um governante que se preze começa sempre por extingir as que valem a pena, as outras ficarão para depois

    o meu plano nacional de leitura chamava-se Gulbenkian e chegava ao pé de mim todas as semanas numa carrinha repleta de livros

    'bora arranjar uma carrinha e meia dúzia de sonhadores?

    um abraço

    manuela

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  3. Rogério

    Este sua postagem vem pôr o dedo (ou não fosse o Rogério uma pessoa atenta e interventiva)no problema da leitura.

    De facto os nossos jovens, após um período de quase total ausência de leitura, estavam agora a tomar-lhe o gosto. O que é certo é que não se pensa muito ( a nível institucional) no que lhes faz bem.

    Os livros estão caríssimos e se não forem as bibliotecas escolares a poderem dar resposta, não vamos a lado nenhum. E não venham dizer que o exemplo dos pais, neste caso é fundamental. Eu vi a minha filha no 1º ciclo sempre com livros nas mãos, porque nós lhos comprávamos e a Professora a incentivava. Quando entrou para o 2º ciclo, os livros foram rareando, apesar de lhos continuar a comprar e de arranjar estratégias para que lesse. No 3º ciclo a coisa piorou. Eu sou uma leitora compulsiva, o pai, pela profissão - médico, lê mais livros técnicos pois tem de se manter atualizado. De pequena nos viu sempre mergulhados em livros...Agora encontra-me na mesma com um livro e eu continuo a comprar-lhe livros que ela diz querer ler e depois arruma sem o fazer

    Quantos aos alunos, sem capacidade económica, se não for PNL, onde podem eles descobrir o prazer da leitura?

    Não é, por certo nos Morangos... que, quanto a mim, é um programa de alienação juvenil.

    Está a comprometer-se o equilíbrio da nova geração porque os números pesam mais.


    Vou ficar por aqui.

    Bom domingo.

    Beijo

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  4. O jovem sem a leitura torna-se uma pessoa mais influenciável, manobrável e menos contestadora e curiosa do meio social, situação confortável para políticas de ocasião se estabelecerem.
    Um grande bj querido amigo

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  5. A abordagem do tema leitura já é digna dos maiores elogios, a forma como a fez é criativa e admirável. sou sua fã, garoto.

    Girassóis pra você.
    Beijos

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  6. Amigo Rogério, li a notícia sobre as "alterações" no PNL e não gostei nadinha, das meias-palavras...
    Quero ver como vai ser, daqui para a frente!!
    Bem dizia o Rogério que eu ia gostar do seu texto. ;)

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  7. Rogério.

    Muito se fala e escreve sobre a falta de interesse pela leitura da grande maioria das nossas crianças, adolescentes e jovens.
    E com razão!
    Esse desinteresse reflecte-se na sua forma de escrever, onde abundam os erros ortográficos, e até de falar.
    Para além da carestia dos livros, existem um sem número de solicitações a que eles não resistem. Uma delas, aqui apontada pelo Rogério: as novelas juvenis.

    A Biblioteca Itinerante da Gulbenkian, foi de grande ajuda para os meus filhos, aos quais sempre incentivei e estimulei no gosto pela leitura.

    Se o PNL for extinto tudo irá piorar para esta nova geração, adepta de playstation, facebook, etc.

    Parabéns Rogério, não só pela pertinência do tema aqui abordado, como também pelo magnífico e criativo texto onde não faltou a componente humana e o seu quê de poético, tão ao seu jeito…

    Um abraço.

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  8. Sou a favor da liberdade de expressão e contra a censura, mas no caso dos 'Morangos com Açúcar' abria de bom agrado um excepção. Vejo uma geração de vaquinhas de presépio, alinhadas uma a uma, todas com as mesmas calças, as mesmas blusas, a mesma forma estúpida de escrever e de ser, e quem se atreve a sair da formatura, é marginalizado, excluído e não entra para o grupo dos mais 'in' da escola.
    Quanto à leitura, a não ser aqueles que ainda não se converteram à morangada, não sei se os outros alguma vez saberão o que é o prazer de ler um livro.

    Bjs

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  9. A ÚNICA vitória convincente foi a do Partido dos Piratas!!!

    Não tenho visitado os meus amigos virtuais, porque tenho tido IMENSO que fazer antes de partir para a cidade invicta na próxima quinta-feira.

    Saudações ainda de Düsseldorf.

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  10. A ÚNICA vitória convincente foi a do Partido dos Piratas!!!

    Não tenho visitado os meus amigos virtuais, porque tenho tido IMENSO que fazer antes de partir para a cidade invicta na próxima quinta-feira.

    Saudações ainda de Düsseldorf.

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  11. ocorreu-me um pensamento, e o que vou dizer nao e de todo um insulto, nem te a intenção de ser.

    Mas esta geracao, eresignou-se a mediocridade. No sentido em que nao teem qualque desejo de aprender, de se espantar, de ter ideias, de lutar por ideias. Querem apenas ter umas calcas iguair as do vizinho do lado


    Bjinhos
    Paula

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  12. Eliminam o que não deve ser eliminado... Criam o que não serve para nada... e é isto... a desgovernação que se mantém...

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  13. Rogério amigo, eu volto, eu nem esqueci, perdi-me simplesmente, e quando não se aponta o link lá vai tudo ao ar, até nos voltarmos a encontrar.

    Um abraço e hei-de vir com calma.

    laura

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  14. E o PNL já foi extinto!
    Para este governo, como para outros de má memória, quanto mais ignorante for o povo melhor...

    Abraço.

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  15. Que interessa a leitura para este Cratino deste governo?! No tempo do Salazar nem se sabia ler. Porque ler é uma ameaça para os governantes cinzentões e bafientos!

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