Poesia (uma por dia) - 71
HOMENS DO FUTURO
ouvi, ouvi este poeta ignorado
que cá de longe fechado numa gaveta
no suor do século vinte
rodeado de chamas e de trovões,
vai atirar para o mundo
versos duros e sonâmbulos como eu.
Versos afiados como dentes duma serra em mãos de injúria.
Versos agrestes como azorragues de nojo.
Versos rudes como machados de decepar.
Versos de lâmina contra a Paisagem do mundo
— essa prostituta que parece andar às ordens dos ricos
para adormecer os poetas.
Fora, fora do planeta,
tu, mulher lânguida
de braços verdes
e cantos de pássaros no coração!
Fora, fora as árvores inúteis
— ninfas paradas
para o cio dos faunos
escondidos no vento...
Fora, fora o céu
com nuvens onde não há chuva
mas cores para quadros de exposição!
Fora, fora os poentes
com sangue sem cadáveres
a iludiremos de campos de batalha suspensos!
Fora, fora as rosas vermelhas,
flâmulas de revolta para enterros na primavera
dos revolucionários mortos na cama!
Fora, fora as fontes
com água envenenada da solidão
para adormecer o desespero dos homens!
Fora, fora as heras nos muros
a vestirem de luz verde as sombras dos nossos mortos sempre
de pé!
Fora, fora os rios
a esquecerem-nos as lágrimas dos pobres!
Fora, fora as papoilas,
tão contentes de parecerem o rosto de sangue heróico dum
fantasma ferido!
Fora, fora tudo o que amoleça de afrodites
a teima das nossas garras
curvas de futuro!
Fora! Fora! Fora! Fora!
Deixem-nos o planeta descarnado e áspero
para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
Deixem-nos um planeta sem vales rumorosos de ecos úmidos
nem mulheres de flores nas planícies estendidas.
Uma planeta feito de lágrimas e montes de sucata
com morcegos a trazerem nas asas a penumbra das tocas.
E estrelas que rompem do ferro fundente dos fornos!
E cavalos negros nas nuvens de fumo das fábricas!
E flores de punhos cerrados das multidões em alma!
E barracões, e vielas, e vícios, e escravos
a suarem um simulacro de vida
entre bolor, fome, mãos de súplica e cadáveres,
montes de cadáveres, milhões de cadáveres, silêncios de cadáveres e pedras!
Deixem-nos um planeta sem árvores de estrelas
a nós os poetas que estrangulamos os pássaros
para ouvirmos mais alto o silêncio dos homens
— terríveis, à espera, na sombra do chão
sujo da nossa morte.
José Gomes Ferreira
Que os homens se libertem das grilhetas e sejam capazes de romper o silêncio!
ResponderEliminar(Imitando-te: José Gomes Ferreira é meu irmão! :) )
Beijinhos Marianos, Rogério! :)
Fortíssimo, este poema de José Gomes Ferreira! É todo um programa para uma poesia verdadeiramente neo-realista. José Gomes Ferreira nasceu numa rua poeticamente chamada Rua das Musas, no Porto (até parece que foi de propósito!), mas sendo a rua muito modesta e eminentemente operária, as suas musas também tinham que o ser. Este poema é a prova disto mesmo!
ResponderEliminarA coragem dos poetas que cantam e denunciam injustiças é como a luz das estrelas que desafiam a escuridão do céu.
ResponderEliminarSempre vivo o nosso ZÉ
ResponderEliminarContundente este poema de José Gomes Ferreira, mostra a realidade nua e crua em que nos encontramos.
ResponderEliminarbeijinho e bom fim de semana
Ignorado vá-se lá saber porquê! Que bem escrevia e falava!!
ResponderEliminarEm Portugal não se sabe dar valor aos muitos e bons poetas e escritores que povoaram todo o século XX! Talvez no futuro... Somos brutos e pequeninos...
ResponderEliminarTem palavras destas, o José Gomes Ferreira, mas tem também outras sem as quais, não seria ele.
"Cala-te, voz que assevera
e insinua
que a primavera
a pintar-se de lua
nos telhados,
só é bela
quando se inventa
de olhos fechados
nas noites de chuva e de tormenta."
José Gomes Ferreira
Bj.
radical e sempre José Gomes Ferreira
ResponderEliminarum abraço, Rogério
Um grande enorme Poeta e um poema fortíssimo.
ResponderEliminarsempre actual....
ResponderEliminar:)