Ocupado a escrever a minha intervenção de tomada de posse, dei com esta crónica, e cá vai disto. Caso gostem, façam o favor de irem saudar o autor.
Quando Leonor voltou à terra já não era a mesma que dali partira nas raias da maioridade. Na capital deveria ter encontrado companheiro com bons abonos, emprego em boa loja ou repartição já que, aos olhos de quem a via, virara fina. Quem a vira e quem a via: óculos de sol, saltos altos, lábios e unhas pintados, permanente, colar, malinha no ante-braço, cuidada no uso da palavra com recurso a termos por ali pouco usados e, a juntar a tudo isto, conduzia ela própria um volkswagen azulinho claro.
A meio da volta das visitas a que vinha, desceu, com os cuidados que o
seu calçado e o seu jeito exigiam, a rampa de acesso à taberna da rua
onde nascera, entrou e, naturalmente, toda a gente se calou para a mirar
e para a ouvir.
Falou, do posto da autoridade efémera que lhe concederam, não do pedaço
de vida que lhe desconheciam pela ausência mas das mudanças que notava
na terra e que a surpreendiam.
- Efetivamente, estou chocada, a quantidade de silvas e ruínas que vão por este lugar além! Que desmazelo o desta gente! Hoje em dia ninguém quer trabalhar!
- Efetivamente, estou chocada, a quantidade de silvas e ruínas que vão por este lugar além! Que desmazelo o desta gente! Hoje em dia ninguém quer trabalhar!
Foi o Zé da Venda, que por sabedoria de ofício ouvia muito mais do que falava, que a pôs no seu lugar:
- Leonor, se ainda sabes distinguir uma foice dum foice, vais ali às
minha alfaias e podes começar já naquilo que herdaste dos teus pais!
- Efetivamente isto não se admite! Não devia ser permitido andar com gado nesta estrada!
- Já por cá andavam muito antes de teres carro!
- Ó Esquim mas tu tens de me pagar efetivamente os estragos no carro!
- Ó cachopa, eu não tenho a carta mas sempre ouvi dizer que quem enfia por trás paga!
A discussão prolongou-se, como é normal, alargou-se ao julgamento dos outros presentes, elevaram-se alguns tons mas, fosse qual fosse o argumento ou a sentença, a todos o Esquim Manel respondia:
- É muito simples, quem enfia por trás paga!
Não tendo corrido muito bem a ida de Leonor à terra, ressabiada, nunca mais voltou mas é ainda recordada por alguns com o "enfia atrás" e "efetivamente". Ou melhor, voltou hoje, já septuagenária, numa passat conduzida por um filho, depois de ter visto na televisão a sua terra em chamas. Não conseguindo localizar as sua propriedades teve de pedir ajuda a um primo residente!
- O que isto era e o que isto é! Isto tinha de acontecer! Esta gente sempre foi muito desmazelada! E depois ninguém quer trabalhar!
- Ó prima, há já aí quem diga que o pessoal que cá vive tem de se unir e fundar uma cooperativa e que as terras abandonadas irão ser propriedade de quem a trabalha!
- Efetivamente estou a ver que também tu viraste comunista! Tu, ouve bem, ai de quem tocar naquilo que os meus paizinhos me deixaram ou que ouse mexer nos meus marcos!
- Efetivamente prima, vou dizer-te uma coisa que nunca te disse: eu quero que tu te... tu te... tu te...
Enquanto a Terra não for de quem a Trabalhar,
ResponderEliminaras injustiças e as desigualdades não irão acabar!
Gostei desta bela patada em prosa escorreita e já fui saudar o autor.
ResponderEliminarAbraço!
Maria João
é preciso cavar fundo
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