DESAMPARADOS
Levantam-se todos os dias
cedo ou tarde
para trabalhar
para procurar trabalho
para decifrar o latim de promessas vãs
para catar restos em caixotes do lixo
nas traseiras dos hipermercados
para descer os degraus corroídos da loucura
para mirar o horizonte embaciado, sem barcos.
Sofrem sem que uma
só esperança lhes minta.
No fim do dia voltam a casa
para a sopa que lhes afaga o corpo cansado
para os cartões no chão
onde se deitam como reis
sobre a sua pobreza.
Levantam-se,
muitos anos mais velhos, a cada dia
cedo ou tarde
para trabalhar
para procurar trabalho
para decifrar o latim de vãs promessas
para catar restos em caixotes do lixo
nas traseiras dos hipermercados
para descer os degraus corroídos da loucura
para mirar o horizonte embaciado, sem barcos.
E nenhum vento que os perturbe.
Esquecem-se de sofrer. Já nenhuma miséria lhes falta.
Lídia Borges, in "Searas de Versos"
NOTA: Tenho presente que a celebração deste dia foi ideia das instituições bancárias... como aqui se documenta