20 abril, 2015

Poesia (uma por dia) - 77

paul éluard / liberdade

Nos meus cadernos de escola
no banco dela e nas árvores
e na areia e na neve
escrevo o teu nome 
Em todas as folhas lidas
nas folhas todas em branco
pedra sangue papel cinza
escrevo o teu nome
Nas imagens todas de ouro
e nas armas dos guerreiros
nas coroas dos monarcas
escrevo o teu nome
Nas selvas e nos desertos
nos ninhos e nas giestas
no eco da minha infância
escrevo o teu nome
Nas maravilhas das noites
no pão branco das manhãs
nas estações namoradas
escrevo o teu nome
Nos meus farrapos de azul
no charco sol bolorento
no lago da lua viva
escrevo o teu nome
Nos campos e no horizonte
nas asas dos passarinhos
e no moinho das sombras
escrevo o teu nome
No bafejar das auroras
no oceano nos navios
e na montanha demente
escrevo o teu nome
Na espuma fina das nuvens
no suor do temporal
na chuva espessa apagada
escrevo o teu nome
Nas formas mais cintilantes
nos sinos todos das cores
na verdade do que é físico
escrevo o teu nome
Nos caminhos despertados
nas estradas desdobradas
nas praças que se transbordam
escrevo o teu nome
No candeeiro que se acende
no candeeiro que se apaga
nas minhas casas bem juntas
escrevo o teu nome
No fruto cortado em dois
do meu espelho e do meu quarto
na cama concha vazia
escrevo o teu nome
No meu cão guloso e terno
nas suas orelhas tesas
na sua pata desastrada
escrevo o teu nome
No trampolim desta porta
nos objectos familiares
na onda do lume bento
escrevo o teu nome
Na carne toda rendida
na fronte dos meus amigos
em cada mão que se estende
escrevo o teu nome
Na vidraça das surpresas
nos lábios todos atentos
muito acima do silêncio
escrevo o teu nome
Nos refúgios destruídos
nos meus faróis arruinados
nas paredes do meu tédio
escrevo o teu nome
Na ausência sem desejos
na desnuda solidão
nos degraus mesmos da morte
escrevo o teu nome
Na saúde rediviva
aos riscos desaparecidos
no esperar sem saudade
escrevo o teu nome
Por poder de uma palavra
recomeço a minha vida
nasci para conhecer-te
nomear-te
Liberdade.
paul éluard
trad jorge de sena

8 comentários:

  1. Dignas do maior Poeta
    As palavras que encontrou
    Para consolar a Liberdade,
    Fazem jus ao sentimento
    Que manifestou Paul Éluard.

    A Liberdade está ameaçada de morte se não houver uma célere atitude geral, por parte de todos os que a desejam e dela precisam para sobreviver.

    A procurá-la, morrem milhares de pessoas e o mundo nada faz, eis a razão porque cobre o rosto com vergonha!

    Um abraço, Rogério!

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  2. Excelente, Rogério.
    A Liberdade num mundo de mentiras jaz aprisionada numa estátua fria, vazia sem pinga de sentimentos.
    Veja-se a pouca vergonha do Mediterrâneo. Até quando? Um dia os hunos tomarão o império.

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  3. Primeiro, obrigada pela partilha do poema que não conhecia. Segundo, ocorre-me por vezes uma interrogação. Liberdade sem pão, sem saúde, sem educação, sem uma vida com um mínimo de dignidade, será mesmo liberdade, ou um arremedo dela?
    Um abraço

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  4. Pena a Liberdade

    sem expressão imaculada
    por todos aqueles que oprimidos
    se deviam libertar
    nas urnas

    O poema é enorme
    Abraço

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  5. A POESIA de Paul éluard traduzida por Jorge de Sena é uma escolha excelente, camarada Rogério.

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  6. "O Poeta da Liberdade" que não precisou de margens para ser rio.

    Jorge de Sena, um dos nossos poetas da Liberdade. Talvez demasiado "puro" para ser brando.

    Lídia

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  7. e, no entanto, sente-se falta dela, há uma asfixia a pairar...

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