03 julho, 2024

À LÍDIA, A MADRINHA DA MINHA ESCRITA

Ontem tive uma reunião com um editor a seu convite. O tema era, a pretexto do meu primeiro livro, falar da minha obra literária. Levei-lhe os poucos livros que tinham sido publicados mas centrei-me nos projectos futuros... Ele, o meu interlocutor, pegou nos "Contos" e foi lendo as badanas enquanto eu ia falando. A páginas tantas, interrompeu-me: "Que belo texto ela lhe dedica. É sua amiga?". Resposta pronta: "É mais que isso, ela é a "madrinha" da minha obra literária!" e dizendo isto abri eu o meu "Almas..." e li-lhe o que ela me tinha escrito no blog e que consta na introdução do livro. Escreveu ela:
– «É uma narrativa que prende o leitor pelo tom leve. No entanto, não deixa de dar a conhecer alguns dos azedumes de uma época em que o mundo decorre a dois tempos distintos: A chegada à Lua, signo do progresso do Homem e a Colonização, signo da sua pequenez. 
Maravilhosa é a forma como utiliza esta dicotomia e tece com as palavras relações tão inesperadas e divertidas… Tem todos os ingredientes para captar a atenção do leitor. Movimento, humor, apelo aos sentidos, suspense... E o encanto próprio do narrador autodiegético, pois que também ele é personagem, ou melhor, personagens. Sobre os cheiros (de África)... Sei que a memória guarda um espaço de eleição para eles. É através deles que muitas vezes nos vemos a viajar no tempo de encontro a lugares e momentos do passado.» – Lídia Borges (Searas de Versos).

Tivesse eu levado o "Sementes..." ter-lhe-ia recitado o poema dela, que mais me tocou:


 

ANTES QUE ANOITEÇA
as sílabas não são já o meu brinquedo de infância preferido
as palavras deixaram de ser a matéria incandescente
que em laboratório usei para dizer os primeiros afetos
e dar nome às coisas insubstituíveis
para perpetuar o nunca perpetuável 
as palavras vão envelhecendo comigo
algumas já desapareceram simplesmente
sofro-lhes a ausência contudo cada vez mais
preciso de menos palavras
talvez por isso muitas delas recolhem-se já no silêncio
misteriosamente dóceis abstêm-se do canto e do pranto
e até as mais viçosas e alegres se enrolam à sombra
na soleira da tarde
antes que anoiteça, antes que eu me afunde
ou me transforme em pedra
dá-me um poema dos teus
com sabor a maçã a lima ou hortelã
para perfumar com ele os meus derradeiros sonhos 
Lídia Borges, in "Sementes Daqui"- 2013

4 comentários:

  1. Da poetiza Lídia Borges espera-se sempre um lindo e correto prefácio.
    E sua escrita,Rogério perfuma os sonhos seja infantis ou derradeiros .
    Parabéns aos dois amigos. Com abraços .

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    1. Rogério V. Pereira4 de julho de 2024 às 21:35

      "Lindo e correto"
      Cada um dos adjetivos
      está mais que certo

      Abraço agradecido

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  2. Obrigada, Rogério! Exageeeero! :)

    Bj.

    Lídia

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    1. Rogério V. Pereira4 de julho de 2024 às 21:36

      Quem exagera é exagerado
      E sou-o, de facto

      Beijo agradecido

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