02 agosto, 2014

Empreendedorismo, a doença senil do capitalismo*

* o título é réplica a um outro texto, que deve ser lido

Projecto de empreendedorismo na Escola Básica Integrada Padre Vítor Melícias (ver aqui)

Quando no post anterior me interrogava sobre se as escolas das nossas crianças se estariam transformando em sítios de "fabricar" amorins e belmiros, estava longe de supor que estavam mesmo. E não foram apenas as palavras de Cavaco a darem-me o alerta ("É dessa forma que nós vamos conseguir renovar a classe empresarial portuguesa"), foi depois a pesquisa feita. Andei de um para outro lado e fiquei assustado pois, sobre o tema, são muitos os que se "fecham em copas", mas lá dei com o texto do "5 dias" e com um outro. Este é uma dissertação de mestrado que, na sua parte final, conclui:
 (...) 
Investigar a cultura do empreendedorismo, que invade o espaço educacional e as possibilidades de aproximação com metodologias educativas voltadas aos processos de autonomia, foi o foco desta dissertação. (...) Existem aspectos da concepção do empreendedorismo que vem reforçar princípios pouco sociais que representam uma cilada do individualismo e são expressas sob o ideário neoliberal e que sustentam novas orientações do capital agenciando a educação.
No discurso do empreendedorismo, o empreendedor é o motor da economia, um agente de transformação, dentro e fora das organizações. É o indivíduo adequado para a competitividade, ajustado ao novo regime de acumulação capitalista, portador de qualidades como flexibilidade, independência, inovação, aquele que assume riscos e busca realizar seus sonhos de ascensão e mobilidade social. Com este conjunto de argumentações, o discurso empreendedor movimenta-se à procura de adesão às suas orientações, sob a premissa de que o trabalhador deve converter-se em empreendedor, a fim de enfrentar as novas a fim de enfrentar as novas demandas laborais do mundo globalizado e a complexa situação de desemprego.
De acordo com a proposta empreendedora, os que vivem do trabalho poderão garantir a sua posição em um mercado competitivo libertando-se das limitações do paradigma tradicional do trabalho formal. Cabe ressaltar que suas proposições destinam-se a todo e qualquer personagem presente no mundo do mercado, e ultimamente direcionado aos espaços educativos. O discurso empreendedor sustenta-se na perspectiva neoliberal de que a saída para a desocupação e o desemprego está no micro empreendimento e, em decorrência, na preparação e educação dos jovens para assumirem a condição de potenciais e futuros empreendedores"

(...)
A educação empreendedora nos moldes como se estrutura atualmente direciona o estudante para aderir os princípios da economia, sem uma visão critica e autônoma. A educação empreendedora disciplinariza e normatiza um tipo de comportamento: o você S.A."
(...)
O que se vê são estratégias de se repassar aos estudantes a necessidade de desenvolver em si mesmo os ―sonhos possíveis‖, independente dos cenários e das responsabilidades de políticas públicas que suportem o agir empreendedor.
No campo socioeconômico, essa crise explicita-se: na hegemonia do capital especulativo, fruto da expansão e intensificação do processo de internacionalização do capital; no desemprego estrutural, resultado do processo de reestruturação produtiva e da implementação de políticas de desregulamentação do mercado de trabalho; e no monopólio científico-tecnológico obtido pelas economias centrais capitalistas e corporações transnacionais. No campo ético-político, a crise se expressa na naturalização da exclusão e no apelo ao individualismo. Esses fatores implicaram em uma crescente concentração do capital e um crescimento sem precedentes da exclusão social na ordem mundial, gerando, como indica Sennet (2008), a corrosão do caráter.
É possível sintetizar o movimento do mercado em duas palavras: competitividade e flexibilização. Para elas voltam-se todos os esforços de indivíduos, sociedades, Estados e governos, especialmente dos que se inscrevem na periferia do capitalismo mundial, fundamentando como indica Ehrenberg (2010), o novo culto da performance. Este ideário neoliberal do ponto de vista, por exemplo, dos organismos internacionais de educação é reforçado pela abordagem empreendedora marcada pela competitividade.
A economia deve ser supostamente regida pelas leis do mercado. O Estado tem de ser mínimo na regulação do capital e na defesa das instituições e dos bens públicos, mas interventor quando cuida dos interesses do capital, como na qualificação da mão-de-obra, na flexibilização e desregulamentação do mercado de trabalho, na defesa das patentes estrangeiras e na sustentação do mercado financeiro. O Estado deve atuar, ainda, como ―parceiro‖ das grandes corporações internacionais, estabelecendo vantagens comparativas em relação a outros países, a exemplo dos incentivos fiscais e financiamentos, para atrair o capital produtivo externo, como se nota nas grandes concentrações de mão-de-obra mundiais.
Novos métodos e técnicas de organização e gestão do processo produtivo, associados à desregulamentação do mercado de trabalho resultaram em uma drástica redução nos níveis de emprego e em constantes tensões nas relações de trabalho, fruto da intensidade com a qual o trabalhador é explorado, da ameaça constante que sofre de perda do emprego, da terceirização, de seu trabalho, além do aumento de trabalhadores não integrados ao sistema produtivo.
O discurso do empreendedorismo propõe-se a ser a solução para que Estados e trabalhadores ajustem-se às exigências de competitividade da globalização econômica. Apresenta-se como indutor da prosperidade econômica, como motor do desenvolvimento econômico e como alternativa ao desemprego.

(...)

6 comentários:

  1. Há um ministro, de que não me lembro nome...mas acho que é o da Economia , que quer uma disciplina com esse nome nos programas escolares!

    Portugal está em agonia...e eu só quero ver como vão ser as votações nas eleições que aí vêm

    Bom domingo

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  2. Aqui, onde me encontro, de férias, a internet é intermitente, o que não me deixa alongar muito, mas não quero deixar de dizer que o cenário apresentado neste "post" (pertinente, aliás) é, sem dúvida, escabroso.
    Passa pela manipulação de prioridades e desresponsabilização selvagens das entidades e instituições a quem compete a nobre tarefa de educar os jovens para o amanhã, dotando-os de sensibilidade, de valores éticos e morais, do gosto pelo conhecimento, pelo envolvimento dinâmico e consciente na sociedade tornando-a mais solidária, mais justa, mais humana...
    Uma Escola que prepara para o individualismo, no que ele tem de pior - a violação da identidade coletiva, o desrespeito pelo outro, a competição atroz e sem regras... Enfim! O famigerado "salve-se quem puder" é, desde logo uma sociedade que condena o sujeito à degradação moral, à negação da sua inteireza, à infelicidade, em última análise.

    Estou a reler Primo Levi: "Se Isto É Um Homem" - A luta pela sobrevivência no campo de concentração de Auschwitz, não conhece limites e deixa a nu a "natural" e terrível desumanização a que o ser é votado na sua extrema solidão. A luta diária pela sobrevivência descarta valores, ética, educação... Para alguns vale tudo porque, caindo, não podem contar com uma mão que os ajude a levantar.
    Que tipo de sociedade será aquela de que se ausenta o homem afetivo, o homem social, o homem SAUDÁVEL?

    Um bom domingo

    Lídia

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  3. Descobri, outro dia, publicidade a livroz para crianças a estimular o empreendedorismo.
    Alguém já lhe chamou empreedeDORismo. Não podia concordar mais.

    Beijinhos Marianos, Rogério! :)

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  4. Pois eu penso que incentivar e estimular nos nossos jovens de hoje, homens de amanhã, o gosto e espírito empreendedor, não tem nada a ver com desumanização.
    É ver o exemplo de Muhammad Yunus, que ganhou o Prémio Nobel da Paz, creio que em 2006, por ter criado o microcrédito no Bangladesh, que tirou muitas famílias da fome através da criação de micro empresas, a maioria geridas por mulheres com o fabrico artesanal nas mais diversas actividades.
    Ou será mais humano e razoável ver os nossos netos e filhos agarrados aos computadores e a jogar nas playstations, esperando que sejam os pais a sustentá-los toda a vida?
    Se não houver empresas onde se vai procurar trabalho?
    Moderação e bom senso também é preciso.

    Um abraço, Rogério!

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  5. Ainda bem que já não estou no activo!
    Seria uma professora bem infeliz!

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