25 agosto, 2014

Nós somos os amigos que temos!


Beber um copo, conhecer um "conhecido", conversar sobre o que quisesse, era suficientemente aliciante e importante para aceitar o convite do Fernando Cid. Dele, apenas lhe conhecia o amor à poesia e a militância colocada na sua divulgação. Não conhecia até onde humildade lhe ia, a ponto de ele esconder que se tratava do seu aniversário. Os que sabiam foram coniventes naquela omissão ou não fosse a cumplicidade a regra sagrada da amizade. 
À minha chegada, a apresentação dos que estavam ia-se fazendo com troca de sorrisos depois do anfitrião dizer, com um gesto alargado: "é tudo gente boa". E passado pouco tempo íamos trocando palavras falando sobre tudo: sobre poesia (sem meter no mesmo saco Alegre, Ary e Sophia); sobre a net e o facebook, considerando este o eucalipto que vai secando tudo à volta, tal e qual as grandes superfícies secando o pequeno comércio, onde as pessoas conversavam com tempo e com afecto; sobre o comportamento dos pássaros que fogem dos espelhos, da luz brilhante e reflectida como se lhes corresse risco a própria vida; e da excepção do melro.  Falando de melros, Fernando Cid lembrou Guerra Junqueiro e perguntou-me se conhecia "O Melro", quase envergonhado por me ter perguntado. Disse-lhe que sim e que já o tinha citado lá no "Conversa". 

Depois, depois foi um desbobinar de memórias da juventude daqueles homens (e também da minha). Do papel que cada tinha tido na cultura e na resistência, do trabalho extraordinário das colectividades da margem sul, sem exaltar outra coisa que não fosse a gratificante adesão do povo de então. 
"Sem o trabalho de homens assim, não teria acontecido Abril. Sem este legado, não seria possível construir a Festa", pensei.
Quando me despedi com um abraço, Fernando Cid, se despedia e dizia: "Espero que tenha gostado, eu sou isto: eu e os meus amigos!"
"Somos os amigos que temos!" - respondi.
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NOTA: Fernando Cid Simões ofereceu-me um DVD editado pela Câmara Municipal de Almada com depoimentos alguns deles lembrados no encontro a que se refere este post. A leitura do texto e a audição dos depoimentos foram determinantes para que ficasse aqui esta crónica. Do site da CMA:
A capacidade de recordar e o prazer de ouvir: a resistência como elemento identitário da memória colectiva
Produzido no âmbito do projecto de Arquivo Oral do Museu da Cidade/Divisão de Museus e Património Cultural, pretende constituir um documento de divulgação das memórias centradas nas formas de resistência em Almada ao regime do Estado Novo que, durante os 48 anos de Ditadura, influenciaram o ambiente político, cultural e social de várias freguesias do Concelho.

Optou-se por construir uma peça única em que, ao documentário em dvd estivesse associada uma pequena brochura que explicita a organização temática do guião de recolha, com a transcrição de excertos das vozes que ouvimos, onde são apresentados os interlocutores e onde se disponibiliza, em complemento uma cronologia dos principais acontecimentos desse período, tornando mais fácil a contextualização das memórias e das histórias contadas.

No seu todo, pretende-se oferecer ao público em geral e às gerações mais novas, em particular, um esboço do que foi Almada em meados do século passado; quais as expectativas e aspirações de vida dos jovens dessa época, porquê e como surgiram, foram alimentadas e reproduzidas as estratégias de oposição política e quais os seus protagonistas, as figuras que hoje, embora tendo perecido, continuam presentes através da toponímia das nossas ruas e na memória destas vozes e das histórias que agora convidamos a ouvir.

O que resulta deste trabalho é apenas uma parte da história da resistência ao Estado Novo em Almada, reflexo directo da experiência de vida dos 20 entrevistados. Estas vozes da resistência terminam a sua história no dia em que a liberdade foi alcançada, a 25 de Abril de 1974.

Estas vozes fazem-se eco de muitas outras, cuja importância e urgência de registo se mantém e prossegue no âmbito do trabalho do Arquivo Oral em curso. 
Índice do brochura:
1. Eu deixava um baile por um livro: o despontar de uma consciência social
2. Revoltados e revolucionários: a oposição como raiz de uma identidade colectiva
3. Foram presos muitos amigos, muitos, muitos, muitos…: da “ilegalidade” à prisão
4. No dia 25 de Abril entrou uma onda de luz e as pessoas saíram para a rua
5. Biografias dos entrevistados
Cronologia
 
Este DVD encontra-se disponível nas bibliotecas e centros de documentação das escolas do Concelho e também está disponível nas bibliotecas municipais, através da Pesquisa nos Catálogos.

 

9 comentários:

  1. Mas também aqueles que que não temos o que nos desiludiram.

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  2. Nós somos um somatório de pessoas; das que ganhámos e das que perdemos.

    Beijinhos Marianos, Rogério! :)

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  3. «[...]sobre o comportamento dos pássaros que fogem dos espelhos, da luz brilhante e reflectida como se lhes corresse risco a própria vida[...]

    Já são poucos os pássaros autênticos...(excluindo o melro que se mantem fiel ao seu descaramento).


    Belos momentos! São como oásis onde nos refrescamos nesta travessia do deserto.

    Lídia

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  4. Amigos somos, nossas almas sorriem, nossos contrários resmungam e nós? Bem nós vivemos a alegria de sermos únicos.
    Um grande bj
    E hoje também é para ti.

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  5. O eu somos nós e os nós são muitos.

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  6. Somos uma multidão

    de memórias vivas

    Belo o teu testemunho
    meu irmão

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  7. Saberá que o Cid Simões foi aniversariante no pretérito sábado.
    Continua em grande forma. No domingo, reuniu mais de três dezenas de amigos, em sua casa.
    Uma maravilha!

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  8. E eram os clubes recreativos e culturais que, para além de gente conhecida (Lopes Graça, Olga Prats) tinham gente com quem se trocavam ideias e opiniões, que nem sempre eram as nossas. E foram os Grupos de Estudo dos Profs do Ensino Secundário, reuniões na Francisco Arruda com pidecos à perna, e de onde surgiu o Sindicato dos Professores da Grande Lisboa.

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