02 junho, 2013

Geração sentada, conversando na esplanada - 33 (sobre a Europa)

(Ler conversa anterior) 
Para o rei era fundamental que toda a população, sem excepção, estivesse satisfeita.
Quando apareceu aquele estrangeiro extremamente feliz e com seis dedos em cada mão, o rei ordenou que os médicos do reino implantassem mais um dedo em cada um dos habitantes. E que os médicos fizessem o mesmo uns aos outros. Ninguém invejaria os seis dedos daquele estrangeiro. Assim se fez. Todos ficaram com seis dedos em cada mão.
No ano seguinte chegou outro estrangeiro - com um ar ainda mais feliz - que tinha sete dedos em cada mão.
O rei de novo ordenou que os médicos do reino implantassem mais um dedo em cada um dos habitantes. Assim foi feito.
No ano seguinte um estrangeiro com oito dedos por mão, que não parava de exibir a sua felicidade, provocou nova implantação geral: oitavo dedo.
No ano seguinte: um estrangeiro com nove dedos. E ainda mais feliz.
A mesma operação. Todos os do Reino ficaram com nove dedos em cada mão. Dezoito no total. Foi então que no ano seguinte chegou um estrangeiro com o rosto mais feliz que alguma vez fora visto por ali e com cinco dedos em cada mão. Depois de um momento de hesitação, o rei ordenou aos médicos que cortassem quatro dedos por mão a cada habitante.
Havia um problema, no entanto. Os nove dedos em cada mão dos cirurgiões já não conseguiam operar: os dedos atrapalhavam-se uns aos outros. Já não era possível: teriam de ficar todos com nove dedos em cada mão.
Como o rei não conseguiu dar à população os cinco dedos daquele estrangeiro feliz, rebentou uma revolta, e o rei foi deposto.
Talvez se veja hoje a Europa como aquilo que nos seduziu: primeiro com seis dedos, depois com sete, etc. Agora, há quem já só exija o regresso aos cinco dedos; de novo, por favor, os cinco dedos!
Mas como tal é difícil.
Gonçalo M. Tavares, no DN-Magazine

A esplanada fora invadida por gente a ela estranha. Ninguém conhecido. Ninguém que trocasse olhares cúmplices comigo, me cumprimentasse ou com quem pudesse facilmente meter conversa. Enchi-me de ousadia, desloquei-me à mesa mais próxima e perguntei a um casal que lia um jornal: "por acaso sabem me dizer exactamente o dia em que fomos comidos?" Atónitos com o insólito, não me responderam e regressaram à leitura, ignorando-me. Não tive a coragem de lhes perguntar o nome do rei...

5 comentários:


  1. Também não vou perguntar.

    Interrogo-me...

    Beijo

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  2. "a coisa" está a ficar negra, de facto...

    já se foram os anéis e estamos a ficar sem dedos!

    abraço

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  3. Eheheh...magnífico Rogério.

    Muita gente estranha, muitos interesses - uma Europa sem grande futuro, para já.

    E qual seria o nome do rei?

    Abraço

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  4. Há que dar a mão à palmatória!
    Fomos mesmo lixados!

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  5. Também li a(s) alegoria(s) do Gonçalo M. Tavares. De mais!

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