Passos é um desmiolado, felizmente apeado e (hoje) já sem espaço. Desmiolado pois lhe falta a memória, aquela que a mim me sobra. Por isso lembro um texto antigo onde falo de uma mão que dança (e que não me sai da lembrança).
É
este, reeditado:
"...Os gestos úteis e rápidos da mão mergulhados na máquina não são danças - por muito que, ao longe, se assemelhem; de facto, os dedos na fábrica são necessários (são os dedos da necessidade) e bem diferentes são dos dedos inúteis de quem dança. Mão necessária e mão desnecessária em termos funcionais. Só os olhos de quem vê é que precisam da mão que dança. Porque essa mão não faz nada, só se mostra."
O engenheiro estava a conversar com o seu cão rafeiro à falta de ter com quem conversar. Quando cheguei não interrompeu logo aquela conversa que tinha como resposta orelhas espetadas e abanar de cauda. Um cumprimento de leve aceno e lá continuou deixando que eu bebesse o café e desse uma olhada pelo jornal. Depois avançou:
- Então? Hoje o puzzle foi de fácil resolução? "Mão necessária e mão desnecessária"... mais directo, não?
- Sim, um pouco! Permite uma leitura, e eu fiz a minha!
- Qual?
- A leitura de ser a mão que pertence ao corpo que dança a mais visível e a mais mostrada! A outra, a mão necessária, mesmo quando se olha não se vê. O que não se mostra não existe. O Marcelo também o disse. Mas dá para pensar que não existe mesmo. Não existem dedos que se metam na máquina. Ou melhor, deixaram de existir máquinas onde se metam os dedos. Eu próprio o disse, e mais: disse ser eu o responsável por isso.
- Lembro-me
desse escrito. Perfeita a sua ironia... foram todas aquelas empresas? A lista é tremenda: Siderurgia Nacional; SAPEC; MAGUE; Companhia Portuguesa do Cobre; MJO; Fundição de Oeiras; a Reguladora; a IPETEX; a J.B. Corsino; a Companhia Portuguesa de Trefilaria; a Sociedade Portuguesa dos Sabões?
- Foram todas essas e mais aquelas que agora nos dariam jeito ter para lá meter a mão...
- Por exemplo?
- A Sorefame; a Equimetal; a Metalsines... também nessas os dedos rápidos deixaram de mergulhar nas máquinas... Se quisermos fazer andar os comboios temos que ir ter com mãos necessárias aos alemães, enquanto as nossas dançam... e são mostradas.
- E aquela alusão à família?
- "Uma família é estável quando se contabilizam as energias internas e se percebe que não há cortes de energia entre pais e irmãos, entre a avó e a sua lenta cadeira de baloiço." Refere-se a esta?
- Refiro-me a essa, exactamente!
- As mãos necessárias aos alemães são as mãos que partiram daqui, percebo que só faz sentido que o Gonçalo nos queira dizer que se está perdendo a estabilidade da família e que a contabilidade da energia interna dos afectos está sendo cortada...
- E aquela alusão às facas?
- É um aviso, uma ameaça velada, um apelo à violência perante o risco do retrocesso!
- Quer então dizer que o escrito de hoje mais parecia um discurso para ser lido na sessão da "Aula Magna"? Nem sei como viu tudo isso no escrito...
- Cada um vai buscar a uma metáfora o que consegue extrair dela...
- Mas o Gonçalo podia ser mais claro...
- Podia ser mais claro! Acaba por dar inteira impunidade à mão que dança!
Aqui em Famalicão houve de facto reacções muito estranhas... e esta sessão de documentários teve menos pessoas que as duas anteriores. Houve quem me dissesse que não ia nem divulgava porque era uma "apologia" do comunismo. Quando se fala sem conhecimento, dá nisto, pois a ignorância é muito atrevida.
De qualquer modo, este exemplo vai servir a quem o quiser conhecer para enfrentar a escassez de combustíveis. Aprender com os outros, evitar os erros que cometeram, faz parte do modo de funcionar das sociedades inteligentes. Mais ainda se se atuar atempadamente!