Tinha um conto na ideia. E o conto ia por lá ficando até que decidi que deveria sair de lá.
Não há muito, passei-o a escrito. Depois disso tudo aconteceu muito depressa, da oportunidade de ser contado até ao dia de o ouvir contar de modo encenado. De permeio colhi dicas da Lídia, porque isto de escrever para crianças deve-se ouvir quem as conhece bem.
A encenação foi uma surpresa. Surpreenda-se também vendo o vídeo acima.
No fim perguntar-me o Gonçalo, orgulhoso do seu desempenho:
«Senhor autor, gostou dos meus improvisos?»
«O CARACOL MOLE E O ESCARAVELHO SEU CONSELHEIRO
Ia um dia um caracol, naquele passo muito, muito lentinho,
quando por ele passa, embora também lenta, uma vaidosa lesma. “Bom dia, senhor
Caracol!” Antes que este tivesse tempo de responder a tão simpático
cumprimento, a lesma ganhou distância a ponto de não lhe ouvir um “olá” muito sumidinho.
Já a lesma ia longe, a perder de vista, quando passou por
ele uma ágil lagartixa. A cena repetiu-se, mas agora com tal velocidade que o
caracol nem teve tempo de lhe dar resposta.
O caracol, então, deixou cair uma lágrima e um queixume. Depois
outra lágrima e outro queixume e ainda outra, e outra e o choro ganhou grande
volume.
Aproximou-se então dele um escaravelho que, piedoso, lhe
perguntou a razão de tão profundo desgosto.
“Ai, senhor escaravelho, que desgraça de vida, sou tão mole,
tão mole… sou tão mole e não gosto de ser assim. Até as lesmas passam por mim!
Aí da minha vida, gostava é de ser rápido como uma lagartixa”.
O escaravelho, mesmo sem simpatia por tão grande ambição, lá
foi dizendo “Caro amigo, é a natureza que nos dá tudo o que somos!… mas posso
dar-te uma ajuda, se prometeres teres ambição mais próxima da tua condição”.
O rosto do caracol inundou-se de esperança “Em que me podes ajudar?”
E o escaravelho falou-lhe de uma fada, das palavras que
tinha de dizer para ela lhe aparecer. Mas deixou bem claro que a fada só lhe
satisfaria três pedidos e só um de cada vez.
Com esta recomendação se despediu o escaravelho que lá
seguiu todo lampeiro.
O caracol disse então as palavras que o escaravelho lhe
ensinara e pimba! Apareceu, nem ele
sabe dizer de onde, uma enorme caracoleta, trazendo uma bela concha
dourada com ar tão radioso que o caracol ficou com a certeza de ser mesmo ela a
fada.
“Chamaste por mim, por isso vim. Qual é o teu primeiro
pedido?”
O caracol ia a contar tudo tim-tim-por-tim-tim, mas logo foi
interrompido“Diz depressa, qual é o teu pedido, pois não tenho tempo
para perder contigo!”
“Queria ser rápido como uma lagartixa, dá-me as patas dela
para eu poder andar depressa!”
Mal tinha acabado de falar e já lhe cresciam as patas
conforme o pedido.
Todo contente ensaiou um andar apressado, depois uma
corridinha e passou o resto do dia a gozar a sua nova velocidade, correndo por
tudo e por nada.
Quando começou a anoitecer, já muito cansado, decidiu recolher-se
na concha, que, como sabemos, é a sua casa.
Ia fazer como era
seu costume, como é próprio dos seus iguais, pois no reino dos caracóis
todos recolhem na casca, quando se apercebeu que alguma coisa estava errada.
As suas novas patas não lhe permitiam a recolha na concha.
Tentou, tentou e nada.
A concha era pequena, apertada para tanta pata. Acabou por não
conseguir adormecer naquela posição, meio dentro meio fora.
Passada a noite, aos
primeiros raios de sol, chegou-lhe tal tristeza que resolveu usar as palavras
que o escaravelho lhe ensinara, para fazer novo pedido à fada.
A fada caracoleta, apareceu como antes tinha acontecido.
“Então, qual é agora o
teu pedido?”
O caracol pediu então uma concha maior, onde lhe coubesse o
corpo todo. E mal tinha acabado de o fazer e já sentia, por cima, a sua concha
a crescer, a crescer, a crescer.
Nem agradeceu à fada antes desta desaparecer e meteu-se
dentro da nova casa, para logo adormecer, pois não tinha dormido nada.
Dormiu, dormiu, dormiu, e foi a meio da tarde que o caracol
lá foi pôr os seus corninhos ao sol.
Ah, que tristeza tamanha. Nem deu um só passo.
A concha pesava-lhe no dorso. Fez um esforço, depois outro e
outro… e nada. Não saía do mesmo sítio.
Lembrou-se então que lhe restava um terceiro pedido.
Disse as palavras mágicas, e lá lhe apareceu a fada.
Perguntou ela, sem qualquer reprimenda ou censura.
“Que se passa?”
“Ah, querida fada, socorra-me nesta desgraça, a concha tem o
tamanho certo para eu meter as patas lá dentro, só que é tão pesada… Quero
voltar ao que era, quero voltar a ser um caracol mole!”
E a fada satisfez-lhe o pedido, e assim como tinha aparecido
desapareceu sem deixar rasto ou vestígio.
O caracol respirou de alívio, e lá foi andando.
Passou por ele a lesma e depois a lagartixa. O caracol não
só as saudou como até meteu conversa falando do lindo dia deixando espantadas a
lesma e a lagartixa pouca habituada àquela simpatia.
O escaravelho, que também andava por ali, abeirou-se do
caracol e antes que este falasse foi ele quem sentenciou:
“Nunca ponhas em causa o que a natureza te deu. Ela é perfeita e por isso dá equilíbrio ao que criou. Aperfeiçoa o que a natureza te deu e usa essa competência com sabedoria, com inteligência e sem tanta ambição. Se precisares de mim, eu ando por aí”.
Quando o autor ia pôr um ponto final nesta fábula, ouve a
voz do escaravelho a segredar-lhe ao ouvido,
“Nunca passes a ninguém as palavras mágicas que fazem aparecer fadas, pode acontecer esse alguém pedir também, coisas assim, muito parvas”
Rogério Pereira – 7 de Outubro de 2019
ResponderEliminarParabéns, Senhor Autor! Foi tudo muito bem, mas esse caracol... é irresistível!
Bj.
Lídia
Parabéns. Escrever para crianças não é nada fácil. E tal como eu fiquei encantada com a história, tenho a certeza que as crianças também vão adorar.
ResponderEliminarAbraço e bom domingo
Parabéns, senhor Autor, nem sabe como estou encantada!
ResponderEliminarAgora é continuar.
Escriba que encanta crianças, não deixa a escrita parada.
Siga a escrita para pequenos, que até os adultos gostam
Aprendemos que a ambição, desmedida e sem noção,
faz-nos andar para trás. Assim foi o caranguejo dotado,
mas não deve ser o nosso Fado… :)
Venha daí outro livro…
ajuda a formar quem cresce e, aos outros, rejuvenesce!!
Beijinhos.
Parabéns, senhor autor!
ResponderEliminarSe a memória me não trai, creio ter sido uma das primeiras privilegiadas pessoas a quem deste a conhecer o início deste conto...
Abraço
Já tinha "visto" em textos seus anteriores... essa "qualidade".
ResponderEliminarO Rogério tem uma capacidade de escrita extraordinária e gosto muito de ler a versão "Rogério Contos/textos",penso que, para os netos é o orgulho de dizerem "foi o meu avô que escreveu" e, se não disserem ainda, hão de dizer um dia.
Vou ver agora o vídeo e sei que tenho textos em atraso mas, com o tempo vamos lá.
Aquele abraço
ResponderEliminarFiquei fascinada!
Parabéns Rogério, a Ti... autor! E também parabéns a todos os intervenientes!
Beijiiiinhos lentiiiinhos
(^^)